“Foi o único que me enganou”
Napoleão Bonaparte, nas suas memórias escritas pouco anets de morrer no exílio da Ilha de Santa Helena, referindo-se a D. João VI, Rei do Brasil e de Portugal
Em dez anos, o jornalista Laurentino Gomes leu e pesquisou 150 livros e fontes impressas e eletrônicas sobre a fuga da família real portuguesa para o Brasil durante as convulsões sociais geradas pelo avanço das forças de Napoleão Bonaparte sobre as monarquias européias. O resultado desta extensiva pesquisa foi o best-seller 1808, publicado no ano passado pela editora Planeta.
O livro faz um apanhado das circunstancias mais pitorescas do périplo da família real e sua corte fugitiva, de como o ocorrido influenciou Portugal - lançando o reino em anos de fome e incerteza – e sua influência na construção da nação brasileira. Laurentino lança luzes sobre este importante momento da história do Brasil e de Portugal, analisando a fraqueza de Portugal enquanto nação, a manipulação inglesa sobre o fraco aliado, a implantação de uma corte corrupta e perdulária – que daria origem aos vícios que se perpetuam hoje no Estado brasileiro.
“Era uma corte perdulária e voraz. Em 1820, ano anterior ao retorno a Portugal, consumia 513 galinhas, frangos, pombos e perus e 90 dúzias de ovos por dia. Eram quase 200 000 aves e 33 000 dúzias de ovos por ano, que custavam cerca de 900 contos de réis ou quase 50 milhões de reais em dinheiro atual”, diz o autor na página 189, mostrando que a gula de nossas excelências tem raiz histórica.
Senhores e escravos, na lida e na imprensa
O escravagismo é protagonista de alguns momentos interessantes da obra. Dados como o preço de um escravo, o custo do aluguel de um serviçal são informações que Laurentino traz e que aguçam a curiosidade. “O viajante alemão Ernst Ebel contou que, ao chegar ao Rio de Janeiro, em 1824, alugou um negro por 700 réis ao dia – o equivalente a pouco menos de 30 reais atualmente.”, diz na página 248.
Os escravos rebeldes eram punidos com violência, alguns a açoite proferido por um carrasco que ganhava uma pataca (antiga moeda de prata no valor de 320 réis – menos de 15 reais atuais) por cem chibatadas.
Ainda citando o alemão Erst Ebel, o autor relata os primórdios da publicidade no país.
“Insatisfeito com o serviço, demitiu-o depois de algum tempo e colocou um anúncio no Diário Fluminense procurando ‘uma negra que soubesse lavar e passar a ferro’. Conseguiu contratar uma ‘pretinha’, segundo sua própria definição, de dezesseis anos chamada Delfina, que lhe saia por 11 000 réis mensais, sendo 6 000 em dinheiro e o restante em comida e outras necessidades diárias. Por esse valor, que hoje equivale a aproximadamente mio salário mínimo, ‘eu dispunha de alguém que não somente me lavava a roupa como a consertava e, em caso de necessidade, entendia um pouco de cozinha, ficando em casa, de mais a mais, o tempo todo, para minha maior segurança’, escreveu Ebel.” (Pág. 248)
1808 é um livro fascinante em diversos aspectos, embora repetitivo em alguns momentos e superficial em outros. Um aspecto em especial me chamou a atenção: os trechos referentes aos primeiros momentos de nossa imprensa. A seguir, alguns trechos que deixam a mostra as origens "pouco republicanas" do jornalismo brasileiro.
“Uma nova impressora, que tinha sido recentemente comprada em Londres, também foi embarcada a bordo da nau Medusa como chegara da Inglaterra, sem sair da caixa. Nesse caso, era uma carga irônica: para evitar a propagação de idéias consideradas revolucionárias na colônia, o governo português havia proibido expressamente a existência de impressoras no Brasil. Para fugir da censura, o Correio Braziliense, primeiro jornal brasileiro criado pelo jornalista gaúcho Hipólito José da Costa, em 1808, seria impresso e distribuído em Londres.” (Pág. 75)
“Para fugir à censura, o Correio Braziliense, primeiro jornal brasileiro, era publicado em Londres. Seu fundador, o jornalista Hipólito José da Costa, nasceu no Rio Grande do Sul e deixou o Brasil quando tinha dezesseis anos. Formou-se em Coimbra e morou dois anos nos Estados Unidos. Voltou para Lisboa e foi preso em 1803 por integrar a maçonaria. Processado pela Inquisição, fugiu para a Inglaterra em 1805 onde criou o Correio três anos mais tarde.” (Pág. 135)
“O mesmo Hipólito que defendia a liberdade de expressão e idéias liberais acabaria, porém, inaugurando o sistema de relações promíscuas entre imprensa e governo no Brasil. Por um acordo secreto, D. João começou a subsidiar Hipólito na Inglaterra e a garantir a compra de um determinado número de exemplares do Correio Braziliense, com o objetivo de prevenir qualquer radicalização nas opiniões expressas no jornal. Segundo o historiador Barman, por esse acordo, negociado pelo embaixador português em Londres, D. Domingos de Souza Coutinho, a partir de 1812 Hipólito passou a receber uma pensão anual em troca de críticas mais amenas ao governo de D. João, que era um leitor assíduo dos artigos e editoriais da publicação. ‘O público nunca tomou conhecimento desse acordo’, afirma o historiador.” (Págs. 135/136).
“No começo do século XIX, havia 278 jornais em circulação em Londres. Esse número incluía periódicos ingleses, como o já venerável The Times, e também uma infinidade de jornais em língua estrangeira, ali publicados para fugir à censura e à perseguição em seus países de origem, caso do brasileiro Correio Brazliense, de Hipólito da Costa.” (Pág 206)
“A Gazeta do Rio de Janeiro, primeiro jornal publicado em território acional, começou a circular no dia 10 de setembro de 1808, impresso em máquinas trazidas ainda encaixotadas da Inglaterra. Com uma ressalva: só imprimia notícias favoráveis ao governo: ‘A julgar-se o Brasil pelo seu único periódico, seria um paraíso terrestre, onde nunca se tinha expressado uma só crítica ou reclamação’, observou o historiador John Armitage. Hipólito da Costa, que lançou o seu Correio Braziliense em Londres três meses antes da estréia da Gazeta no Rio de Janeiro, reclamava de se ‘gastar tão boa qualidade de papel para imprimir tão ruim material’ e que ‘melhor se empregaria se fosse usado para embrulhar manteiga’”. (Págs 217/218)
“O primeiro viajante-repórter da época de D. João VI foi o mineralogista inglês John Mawe. Seu livro, Viagens ao interior do Brasil, publicado em Londres em 1812, foi um sucesso instantâneo”. (Pág 261)
“’O Brasil não é lugar de literatura’, afirmou James Henderson. ‘Na verdade, a sua total ausência é marcada pela proibição geral de livros e a falta dos mais elementares meios pelos quais seus habitantes possam tomar conhecimento do mundo e do que se passa nele. Os habitantes estão mergulhados em grande ignorância e sua conseqüência natural: o orgulho’”. (Pág 269).
“Por fim, proclamaram a liberdade de imprensa – uma grande novidade no Brasil, onde as idéias, o direito de opinião e a publicação de livro haviam sido controlados com rigor nos três séculos desde o Descobrimento”. (Pág. 289)
“Na Inglaterra, os revolucionários tentaram obter o apoio do jornalista Hipólito José da Costa, fundador do Correio Braziliense, oferecendo-lhe o cargo de ministro plenipotenciário da nova república. Hipólito recusou. Como já foi visto, sem que os pernambucanos soubessem, a Coroa portuguesa havia feito um acordo secreto com o dono do Correio em 1812, que previa a compra de um determinado número de exemplares do jornal e um subsídio para o próprio jornalista, em troca de moderação nas suas críticas contra a monarquia. Num despacho oficial de Londres, o embaixador português, D. Domingos de Souza Coutinho, avaliava os resultados do acordo: ‘Eu tenho-o contido em parte até aqui com a esperança da subscrição que pede. Eu não sei outro modo de o fazer calar’. O historiador Oliveira Lima, ao avaliar essa relação secreta, dizia que Hipólito José da Costa, ‘se não foi propriamente venal, não foi todavia incorruptível, pois se prestava a moderar seus arrancos de linguagem a troco de considerações, de distinções e mesmo de patrocínio oficial’”. (Págs 290/291)
Napoleão Bonaparte, nas suas memórias escritas pouco anets de morrer no exílio da Ilha de Santa Helena, referindo-se a D. João VI, Rei do Brasil e de Portugal
Em dez anos, o jornalista Laurentino Gomes leu e pesquisou 150 livros e fontes impressas e eletrônicas sobre a fuga da família real portuguesa para o Brasil durante as convulsões sociais geradas pelo avanço das forças de Napoleão Bonaparte sobre as monarquias européias. O resultado desta extensiva pesquisa foi o best-seller 1808, publicado no ano passado pela editora Planeta.
O livro faz um apanhado das circunstancias mais pitorescas do périplo da família real e sua corte fugitiva, de como o ocorrido influenciou Portugal - lançando o reino em anos de fome e incerteza – e sua influência na construção da nação brasileira. Laurentino lança luzes sobre este importante momento da história do Brasil e de Portugal, analisando a fraqueza de Portugal enquanto nação, a manipulação inglesa sobre o fraco aliado, a implantação de uma corte corrupta e perdulária – que daria origem aos vícios que se perpetuam hoje no Estado brasileiro.
“Era uma corte perdulária e voraz. Em 1820, ano anterior ao retorno a Portugal, consumia 513 galinhas, frangos, pombos e perus e 90 dúzias de ovos por dia. Eram quase 200 000 aves e 33 000 dúzias de ovos por ano, que custavam cerca de 900 contos de réis ou quase 50 milhões de reais em dinheiro atual”, diz o autor na página 189, mostrando que a gula de nossas excelências tem raiz histórica.
Senhores e escravos, na lida e na imprensa
O escravagismo é protagonista de alguns momentos interessantes da obra. Dados como o preço de um escravo, o custo do aluguel de um serviçal são informações que Laurentino traz e que aguçam a curiosidade. “O viajante alemão Ernst Ebel contou que, ao chegar ao Rio de Janeiro, em 1824, alugou um negro por 700 réis ao dia – o equivalente a pouco menos de 30 reais atualmente.”, diz na página 248.
Os escravos rebeldes eram punidos com violência, alguns a açoite proferido por um carrasco que ganhava uma pataca (antiga moeda de prata no valor de 320 réis – menos de 15 reais atuais) por cem chibatadas.
Ainda citando o alemão Erst Ebel, o autor relata os primórdios da publicidade no país.
“Insatisfeito com o serviço, demitiu-o depois de algum tempo e colocou um anúncio no Diário Fluminense procurando ‘uma negra que soubesse lavar e passar a ferro’. Conseguiu contratar uma ‘pretinha’, segundo sua própria definição, de dezesseis anos chamada Delfina, que lhe saia por 11 000 réis mensais, sendo 6 000 em dinheiro e o restante em comida e outras necessidades diárias. Por esse valor, que hoje equivale a aproximadamente mio salário mínimo, ‘eu dispunha de alguém que não somente me lavava a roupa como a consertava e, em caso de necessidade, entendia um pouco de cozinha, ficando em casa, de mais a mais, o tempo todo, para minha maior segurança’, escreveu Ebel.” (Pág. 248)
1808 é um livro fascinante em diversos aspectos, embora repetitivo em alguns momentos e superficial em outros. Um aspecto em especial me chamou a atenção: os trechos referentes aos primeiros momentos de nossa imprensa. A seguir, alguns trechos que deixam a mostra as origens "pouco republicanas" do jornalismo brasileiro.
“Uma nova impressora, que tinha sido recentemente comprada em Londres, também foi embarcada a bordo da nau Medusa como chegara da Inglaterra, sem sair da caixa. Nesse caso, era uma carga irônica: para evitar a propagação de idéias consideradas revolucionárias na colônia, o governo português havia proibido expressamente a existência de impressoras no Brasil. Para fugir da censura, o Correio Braziliense, primeiro jornal brasileiro criado pelo jornalista gaúcho Hipólito José da Costa, em 1808, seria impresso e distribuído em Londres.” (Pág. 75)
“Para fugir à censura, o Correio Braziliense, primeiro jornal brasileiro, era publicado em Londres. Seu fundador, o jornalista Hipólito José da Costa, nasceu no Rio Grande do Sul e deixou o Brasil quando tinha dezesseis anos. Formou-se em Coimbra e morou dois anos nos Estados Unidos. Voltou para Lisboa e foi preso em 1803 por integrar a maçonaria. Processado pela Inquisição, fugiu para a Inglaterra em 1805 onde criou o Correio três anos mais tarde.” (Pág. 135)
“O mesmo Hipólito que defendia a liberdade de expressão e idéias liberais acabaria, porém, inaugurando o sistema de relações promíscuas entre imprensa e governo no Brasil. Por um acordo secreto, D. João começou a subsidiar Hipólito na Inglaterra e a garantir a compra de um determinado número de exemplares do Correio Braziliense, com o objetivo de prevenir qualquer radicalização nas opiniões expressas no jornal. Segundo o historiador Barman, por esse acordo, negociado pelo embaixador português em Londres, D. Domingos de Souza Coutinho, a partir de 1812 Hipólito passou a receber uma pensão anual em troca de críticas mais amenas ao governo de D. João, que era um leitor assíduo dos artigos e editoriais da publicação. ‘O público nunca tomou conhecimento desse acordo’, afirma o historiador.” (Págs. 135/136).
“No começo do século XIX, havia 278 jornais em circulação em Londres. Esse número incluía periódicos ingleses, como o já venerável The Times, e também uma infinidade de jornais em língua estrangeira, ali publicados para fugir à censura e à perseguição em seus países de origem, caso do brasileiro Correio Brazliense, de Hipólito da Costa.” (Pág 206)
“A Gazeta do Rio de Janeiro, primeiro jornal publicado em território acional, começou a circular no dia 10 de setembro de 1808, impresso em máquinas trazidas ainda encaixotadas da Inglaterra. Com uma ressalva: só imprimia notícias favoráveis ao governo: ‘A julgar-se o Brasil pelo seu único periódico, seria um paraíso terrestre, onde nunca se tinha expressado uma só crítica ou reclamação’, observou o historiador John Armitage. Hipólito da Costa, que lançou o seu Correio Braziliense em Londres três meses antes da estréia da Gazeta no Rio de Janeiro, reclamava de se ‘gastar tão boa qualidade de papel para imprimir tão ruim material’ e que ‘melhor se empregaria se fosse usado para embrulhar manteiga’”. (Págs 217/218)
“O primeiro viajante-repórter da época de D. João VI foi o mineralogista inglês John Mawe. Seu livro, Viagens ao interior do Brasil, publicado em Londres em 1812, foi um sucesso instantâneo”. (Pág 261)
“’O Brasil não é lugar de literatura’, afirmou James Henderson. ‘Na verdade, a sua total ausência é marcada pela proibição geral de livros e a falta dos mais elementares meios pelos quais seus habitantes possam tomar conhecimento do mundo e do que se passa nele. Os habitantes estão mergulhados em grande ignorância e sua conseqüência natural: o orgulho’”. (Pág 269).
“Por fim, proclamaram a liberdade de imprensa – uma grande novidade no Brasil, onde as idéias, o direito de opinião e a publicação de livro haviam sido controlados com rigor nos três séculos desde o Descobrimento”. (Pág. 289)
“Na Inglaterra, os revolucionários tentaram obter o apoio do jornalista Hipólito José da Costa, fundador do Correio Braziliense, oferecendo-lhe o cargo de ministro plenipotenciário da nova república. Hipólito recusou. Como já foi visto, sem que os pernambucanos soubessem, a Coroa portuguesa havia feito um acordo secreto com o dono do Correio em 1812, que previa a compra de um determinado número de exemplares do jornal e um subsídio para o próprio jornalista, em troca de moderação nas suas críticas contra a monarquia. Num despacho oficial de Londres, o embaixador português, D. Domingos de Souza Coutinho, avaliava os resultados do acordo: ‘Eu tenho-o contido em parte até aqui com a esperança da subscrição que pede. Eu não sei outro modo de o fazer calar’. O historiador Oliveira Lima, ao avaliar essa relação secreta, dizia que Hipólito José da Costa, ‘se não foi propriamente venal, não foi todavia incorruptível, pois se prestava a moderar seus arrancos de linguagem a troco de considerações, de distinções e mesmo de patrocínio oficial’”. (Págs 290/291)
4 comentários:
Considero um bom livro, fascinante pra mim é muito, com todo respeito a sua opinião.
Bjs querido
Olá Fátima. Fascinante não pela qualidade do texto, mas pelo panorama que traça a respeito das origens do Brasil. Bjs.
“’O Brasil não é lugar de literatura’, afirmou James Henderson. ‘Na verdade, a sua total ausência é marcada pela proibição geral de livros e a falta dos mais elementares meios pelos quais seus habitantes possam tomar conhecimento do mundo e do que se passa nele. Os habitantes estão mergulhados em grande ignorância e sua conseqüência natural: o orgulho’”. (Pág 269).
Uhmmmmm... por isso que vale a pena estudar a história. A gente acaba vendo exatamente onde tudo começou.
É verdade Bruno.
Enviar um comentário