Amanhã - sábado, 27 - acontece em Campo Grande (MS) a abertura do V Encontro Regional das Travestis e Transexuais da Região Centro-Oeste. Parte do Programa Nacional de DST e Aids (PN), o evento vai tratar de assistência social, emprego, trabalho e previdência social. Vem em boa hora, já que Campo Grande foi marcada no ano passado por um lamentável episódio de intolerância em plena Câmara Municipal, quando, devido à atuação da bancada católica e evangélica da Casa, foi negada à Associação das Travestis de Mato Grosso do Sul (ATMS) a concessão do título municipal de utilidade pública.
O brasileiro cultiva o germe da intolerância. Por mais que rejeitemos o rótulo, ele está estampado em nossa sociedade e é visto com mais clareza em pesquisas, como a que foi encomendada pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) e pela Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade (do MEC), segundo a qual 99,9% dos entrevistados têm algum tipo de preconceito e mais de 90% gostariam de manter algum nível de distanciamento social dos portadores de necessidades especiais, homossexuais, pobres e negros. Em maio, outra pesquisa apontou que um em cada quatro brasileiros tem preconceito contra pessoas Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Transgêneras (LGBT) e assume sua rejeição às identidades que compõem esta população.
São números alarmantes, que podem ser inflados com uma postura dúbia sobre o tema por parte da mídia – como apontou a jornalista Ligia Martins Almeida no artigo “A mídia e o preconceito contra os homossexuais”. No episódio que envolveu a ATMS e o legislativo municipal campo-grandense, a abordagem da imprensa foi morna, não esmiuçou o tema sob o ponto de vista da homofobia – mesmo diante do fato de a Câmara ter negado a concessão do título sem base ou argumento técnico que corroborasse a decisão.
O jornalista Irineu Ramos, que desde 2003 estuda a sexualidade e o gênero na mídia, desenvolveu em sua tese de mestrado uma análise do telejornalismo na cobertura da 11ª Parada do Orgulho LGBT de São Paulo, em 2007. Ele concluiu que das 48 reportagens sobre o evento, mais de 30 usavam abordagens pouco apropriadas sobre os homossexuais. Em entrevista ao site A Capa, ele fez a seguinte análise sobre a Parada Gay deste ano: “Como nos anos anteriores a mídia se prendeu em questões concretas, como o aumento nas vendas no comércio, lotação de hotéis, violência e nada mais. Há uma dificuldade significativa da grande imprensa em abordar as questões subjetivas das sexualidades. A grande imprensa reproduz um discurso heterocentrado e não deixa nenhum espaço para as diferenças de gênero.”.
Para ele, “a grande imprensa não se permite ir um pouco mais a fundo nas questões envolvendo a homossexualidade”.
Referindo-se as duas ocorrências de violência durante o evento neste ano, Irineu afirmou que a imprensa insiste em navegar por águas rasas quando aborda temas relacionados aos homossexuais: “A grande imprensa poderia pegar o gancho da bomba e explorar a questão da homofobia, com se forma isso no indivíduo, o que está por trás desta agressão, a conseqüência disso nas pessoas vítimas de homofobia etc. Mas não, restringiu tudo a uma questão policial.”. A mesma relação pode ser feita com a reação da imprensa sul-mato-grossense frente a flagrante homofobia patrocinada pela Câmara Municipal de Campo Grande contra a ATMS.
O jornalista carioca André Fischer, dono da marca Mix Brasil, vê melhoras nesta relação entre mídia e o universo LGBT, mas considera que há ainda um longo caminho a ser trilhado. Em janeiro, em entrevista ao Escrevinhamentos, citou a abordagem sobre o tema nas novelas: “É lá que esta discussão aparece de forma mais clara. Talvez, o melhor exemplo do tratamento dado pela mídia à questão esteja no tabu do beijo gay na tevê. A Globo é uma emissora comercial que é simpática aos gays, sempre retrata personagens gays em novelas de maneira positiva, mas tem um receio de ir além disso.”.
No último dia 12, durante um evento que reuniu profissionais de imprensa em São Paulo, a abordagem da homossexualidade nas redações foi um dos temas discutidos. Apesar de a maioria dos integrantes da mesa ter garantido que não há preconceito nas redações em relação ao enfoque de temas que envolvem o mundo LGBT, Ivan Martins - editor executivo da revista Época – afirmou: "Dizer que não há preconceito na redação é mentira. Existe uma pressão por parte de quem edita a revista para que abordemos pautas mais 'normais'. A grande imprensa ainda não sabe lidar com o tema".
Totalitarismo?
Esta postura negligente da mídia em relação ao preconceito de gênero e de opção sexual não é novidade, como aponta Victor Barroco no artigo “Mídia brasileira ignorou rebelião de Stonewall”, e surgiu novamente no dia 1º de junho, quando os jornais A Tarde, O Globo, Estado de S. Paulo e Gazeta do Povo publicaram o artigo Totalitarismo e Intolerância, do jornalista e professor Carlos Alberto Di Franco, que ataca as políticas públicas para o combate à homofobia no Brasil.
Di Franco critica medidas que integram o Plano Nacional de Promoção da Cidadania e Direitos Humanos de LGBT (lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais), documento firmado por representantes de 18 ministérios do governo Lula, entre elas a inclusão nos livros didáticos de temáticas relacionadas a famílias compostas por lésbicas, gays, travestis e transexuais; a recomendação da implantação de cursos de capacitação para evitar a homofobia nas escolas e pesquisas sobre comportamento de professores e alunos em relação ao tema.
Sustenta Di Franco: “os governos, num espasmo de totalitarismo, querem impor à sociedade um modo único de pensar, de ver e de sentir. Uma coisa é o combate à discriminação, urgente e necessário. Outra, totalmente diferente, é o proselitismo de uma opção de vida. Não cabe ao governo, com manuais, cartilhas e material didático, formatar a cabeça dos brasileiros.”. Segundo ele, “tal estratégia tem nome: totalitarismo”, e vai além: “O governo deve impedir os abusos da homofobia, mas não pode impor um modelo de família que não bate com as raízes culturais do Brasil e sequer está em sintonia com o sentir da imensa maioria da população.”.
É verdade, o governo não pode impor um modelo de família. No entanto, dizer que é isso o que ocorre a partir das diretrizes propostas pelo Plano Nacional de Promoção da Cidadania e Direitos Humanos de LGBT seria um contra-senso caso a afirmação viesse como simples opinião em um artigo. Mas é apavorante vindo de uma pessoa que – como aponta Leandro Colling no artigo “Opus Dei ataca homossexuais e os jornais dizem amém“ – “presta ou prestou assessoria a vários jornais brasileiros, inclusive para aqueles que publicaram seu texto claramente homofóbico”.
Colling lembra, ainda, que – segundo a revista Época – Di Franco já treinou mais de 200 editores brasileiros. “Talvez por isso não devamos estranhar a qualidade de nossos periódicos na atualidade”, espeta, e lembra: “Também fico a imaginar o que esse professor de ética está ensinando aos seus alunos. Seria ele mais ético se assinasse seus textos como representante da Opus Dei no Brasil.”.
Ora, um membro ativo da Opus Dei criticando a imposição de modelos de família é, no mínimo, muito estranho.
Leia mais sobre este tema:
- Orientação sexual em MS
- Entrevista: André Fischer fala da mídia e da comunidade gay
- Eles eram mais livres
- Preconceito e cidadania
- Imprensa fecha os olhos e fortalece homofobia em MS
- Obscurantismo ganha espaço em Campo Grande
- Campo Grande pode dar exemplo contra homofobia
- Melhor ser ladrão que viado
O brasileiro cultiva o germe da intolerância. Por mais que rejeitemos o rótulo, ele está estampado em nossa sociedade e é visto com mais clareza em pesquisas, como a que foi encomendada pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) e pela Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade (do MEC), segundo a qual 99,9% dos entrevistados têm algum tipo de preconceito e mais de 90% gostariam de manter algum nível de distanciamento social dos portadores de necessidades especiais, homossexuais, pobres e negros. Em maio, outra pesquisa apontou que um em cada quatro brasileiros tem preconceito contra pessoas Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Transgêneras (LGBT) e assume sua rejeição às identidades que compõem esta população.
São números alarmantes, que podem ser inflados com uma postura dúbia sobre o tema por parte da mídia – como apontou a jornalista Ligia Martins Almeida no artigo “A mídia e o preconceito contra os homossexuais”. No episódio que envolveu a ATMS e o legislativo municipal campo-grandense, a abordagem da imprensa foi morna, não esmiuçou o tema sob o ponto de vista da homofobia – mesmo diante do fato de a Câmara ter negado a concessão do título sem base ou argumento técnico que corroborasse a decisão.
O jornalista Irineu Ramos, que desde 2003 estuda a sexualidade e o gênero na mídia, desenvolveu em sua tese de mestrado uma análise do telejornalismo na cobertura da 11ª Parada do Orgulho LGBT de São Paulo, em 2007. Ele concluiu que das 48 reportagens sobre o evento, mais de 30 usavam abordagens pouco apropriadas sobre os homossexuais. Em entrevista ao site A Capa, ele fez a seguinte análise sobre a Parada Gay deste ano: “Como nos anos anteriores a mídia se prendeu em questões concretas, como o aumento nas vendas no comércio, lotação de hotéis, violência e nada mais. Há uma dificuldade significativa da grande imprensa em abordar as questões subjetivas das sexualidades. A grande imprensa reproduz um discurso heterocentrado e não deixa nenhum espaço para as diferenças de gênero.”.
Para ele, “a grande imprensa não se permite ir um pouco mais a fundo nas questões envolvendo a homossexualidade”.
Referindo-se as duas ocorrências de violência durante o evento neste ano, Irineu afirmou que a imprensa insiste em navegar por águas rasas quando aborda temas relacionados aos homossexuais: “A grande imprensa poderia pegar o gancho da bomba e explorar a questão da homofobia, com se forma isso no indivíduo, o que está por trás desta agressão, a conseqüência disso nas pessoas vítimas de homofobia etc. Mas não, restringiu tudo a uma questão policial.”. A mesma relação pode ser feita com a reação da imprensa sul-mato-grossense frente a flagrante homofobia patrocinada pela Câmara Municipal de Campo Grande contra a ATMS.
O jornalista carioca André Fischer, dono da marca Mix Brasil, vê melhoras nesta relação entre mídia e o universo LGBT, mas considera que há ainda um longo caminho a ser trilhado. Em janeiro, em entrevista ao Escrevinhamentos, citou a abordagem sobre o tema nas novelas: “É lá que esta discussão aparece de forma mais clara. Talvez, o melhor exemplo do tratamento dado pela mídia à questão esteja no tabu do beijo gay na tevê. A Globo é uma emissora comercial que é simpática aos gays, sempre retrata personagens gays em novelas de maneira positiva, mas tem um receio de ir além disso.”.
No último dia 12, durante um evento que reuniu profissionais de imprensa em São Paulo, a abordagem da homossexualidade nas redações foi um dos temas discutidos. Apesar de a maioria dos integrantes da mesa ter garantido que não há preconceito nas redações em relação ao enfoque de temas que envolvem o mundo LGBT, Ivan Martins - editor executivo da revista Época – afirmou: "Dizer que não há preconceito na redação é mentira. Existe uma pressão por parte de quem edita a revista para que abordemos pautas mais 'normais'. A grande imprensa ainda não sabe lidar com o tema".
Totalitarismo?
Esta postura negligente da mídia em relação ao preconceito de gênero e de opção sexual não é novidade, como aponta Victor Barroco no artigo “Mídia brasileira ignorou rebelião de Stonewall”, e surgiu novamente no dia 1º de junho, quando os jornais A Tarde, O Globo, Estado de S. Paulo e Gazeta do Povo publicaram o artigo Totalitarismo e Intolerância, do jornalista e professor Carlos Alberto Di Franco, que ataca as políticas públicas para o combate à homofobia no Brasil.
Di Franco critica medidas que integram o Plano Nacional de Promoção da Cidadania e Direitos Humanos de LGBT (lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais), documento firmado por representantes de 18 ministérios do governo Lula, entre elas a inclusão nos livros didáticos de temáticas relacionadas a famílias compostas por lésbicas, gays, travestis e transexuais; a recomendação da implantação de cursos de capacitação para evitar a homofobia nas escolas e pesquisas sobre comportamento de professores e alunos em relação ao tema.
Sustenta Di Franco: “os governos, num espasmo de totalitarismo, querem impor à sociedade um modo único de pensar, de ver e de sentir. Uma coisa é o combate à discriminação, urgente e necessário. Outra, totalmente diferente, é o proselitismo de uma opção de vida. Não cabe ao governo, com manuais, cartilhas e material didático, formatar a cabeça dos brasileiros.”. Segundo ele, “tal estratégia tem nome: totalitarismo”, e vai além: “O governo deve impedir os abusos da homofobia, mas não pode impor um modelo de família que não bate com as raízes culturais do Brasil e sequer está em sintonia com o sentir da imensa maioria da população.”.
É verdade, o governo não pode impor um modelo de família. No entanto, dizer que é isso o que ocorre a partir das diretrizes propostas pelo Plano Nacional de Promoção da Cidadania e Direitos Humanos de LGBT seria um contra-senso caso a afirmação viesse como simples opinião em um artigo. Mas é apavorante vindo de uma pessoa que – como aponta Leandro Colling no artigo “Opus Dei ataca homossexuais e os jornais dizem amém“ – “presta ou prestou assessoria a vários jornais brasileiros, inclusive para aqueles que publicaram seu texto claramente homofóbico”.
Colling lembra, ainda, que – segundo a revista Época – Di Franco já treinou mais de 200 editores brasileiros. “Talvez por isso não devamos estranhar a qualidade de nossos periódicos na atualidade”, espeta, e lembra: “Também fico a imaginar o que esse professor de ética está ensinando aos seus alunos. Seria ele mais ético se assinasse seus textos como representante da Opus Dei no Brasil.”.
Ora, um membro ativo da Opus Dei criticando a imposição de modelos de família é, no mínimo, muito estranho.
Leia mais sobre este tema:
- Orientação sexual em MS
- Entrevista: André Fischer fala da mídia e da comunidade gay
- Eles eram mais livres
- Preconceito e cidadania
- Imprensa fecha os olhos e fortalece homofobia em MS
- Obscurantismo ganha espaço em Campo Grande
- Campo Grande pode dar exemplo contra homofobia
- Melhor ser ladrão que viado
4 comentários:
Precisa ajustar mesmo, pois não é homossexualismo, é homossexualidade!!!!!
Caro anônimo,
perdão se errei. Errei? Não sei ainda... verificarei. Alguma crítica, sugestão ou dica sobre o "conteúdo" do material?
Interessante.
fiz uma rápida pesquisa e encontrei definições variadas para as diferenças entre homossexualismo e homossexualidade.
1- Homossexualismo (ou homossexualidade em sentido estrito) refere-se ao relacionamento amoroso ou ao sexo entre pessoas do mesmo sexo. Homossexualidade (em sentido amplo) baseia-se no conceito de "sexualidade", que psicologicamente é mais amplo que o sexo ou o relacionamento amoroso. Abrange todas as práticas em que uma pessoa tem prazer físico decorrente do contato com uma pessoa (no caso, no mesmo sexo).
Neste caso, não haveria motivo para trocar o título original deste artigo: “Imprensa precisa ajustar o foco ao tratar do homossexualismo”
2- Homossexualidade é um termo usado para citar os comportamento dos homossexuais. Homossexualismo é um termo extinto, era um termo patológico que caiu de desuso, pois ser gay não é uma doença.
Neste caso, e aí me preocupo em não ferir suscetibilidades, há uma questão a ser ponderada. Para não avançar neste debate, alterei o título.
Grato ao Anônimo - que da próxima vez poderia se identificar.
Se há amor, é humano. Se é humano, me pertence.
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