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terça-feira, 16 de dezembro de 2008

Obscurantismo ganha espaço em Campo Grande

A Câmara Municipal de Campo Grande perdeu nesta terça-feira a oportunidade de dar um exemplo de tolerância aprovando o projeto de Lei 6353/07, de autoria do vereador Athayde Nery (PPS), que concederia o título de utilidade pública para a Associação das Travestis de Mato Grosso do Sul (ATMS). O vereador Pastor Sergio (PMDB), integrante da bancada evangélica da Casa, pediu vistas ao projeto com o intuito de postergar sua votação para o ano que vem.

A manobra causou descontentamento entre representantes e simpatizantes da ATMS, e alegria em meio aos evangélicos presentes na sessão. Os vereadores Athayde e Edmar Neto (PSDB) argumentaram contra o pedido de Sérgio e a Mesa Diretora optou por colocar a solicitação sob a votação do plenário.

O clima esquentou quando, durante a defesa pela imediata votação da Lei, Athayde foi vaiado pelos evangélicos. Indignado, o vereador do PPS disse que “fé cristã e discriminação são duas coisas que não combinam” e, diante da pressão dos religiosos, soltou uma frase que fez ir pelos ares o clima que já era de confronto: “Evangélico que apóia a discriminação está a serviço do capeta e não de Jesus Cristo”, alfinetou.

Foi o bastante para que a vereadora petista Thais Helena mostrasse sua indignação acusando Athayde de ter quebrado o decoro parlamentar. O bate boca se prolongou no plenário e na platéia até que a sessão foi interrompida. Ainda não se sabe qual será o destino do projeto. Provavelmente será arquivado.

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A notícia poderia findar aqui, seca, isenta, morna. Ocorre que, para qualquer um dotado de compromisso social, isso não é possível.

O que se viu na Câmara Municipal de Campo Grande nesta terça-feira foi uma demonstração camuflada de homofobia digna de grupos como o God Hate Fags.

Homofobia

Em 1971 o psicólogo George Weinberg cunhou o termo homofobia, um neologismo combinando a palavra grega phobos ("fobia") com o prefixo homo para definir a aversão ou repulsa aos homossexuais. Ou seja, preconceito.

Preconceito é um juízo preconcebido, manifestado geralmente na forma de uma atitude discriminatória perante pessoas, lugares ou tradições considerados diferentes ou "estranhos". Costuma indicar desconhecimento pejorativo de alguém ao que lhe é diferente. As formas mais comuns de preconceito são: social, racial e sexual. De modo geral, o ponto de partida do preconceito é uma generalização superficial, chamada estereótipo: "todos os alemães são prepotentes", "todos os americanos são arrogantes", "todos os ingleses são frios", "todos os baianos são preguiçosos", "todos os paulistas são metidos", etc.

Pode-se atribuir a origem da homofobia às mesmas motivações que fundamentam o racismo e qualquer outro preconceito. Uma oposição instintiva a tudo o que não corresponde à maioria com que o indivíduo se identifica e a normas implícitas e estabelecidas por essa mesma maioria. Pode-se até mesmo dizer que a homofobia é uma forma de xenofobia na sua definição mais estrita: medo a tudo o que seja considerado estranho.

Vale tudo?

A pergunta que deve ser feita é se há níveis de preconceito e de homofobia aceitáveis. É lícito uma pessoa ser agredida ou assassinada pelo simples fato de ter uma opção sexual diferente de outra? É aceitável que um casal homossexual tenha que implorar na justiça por direitos básicos de cidadania? É correto negar um título de utilidade pública a uma associação apenas porque se discorda da orientação sexual que ela se propõe defender?

A homofobia pode ser explicitada de diversas maneiras, algumas sutis, outras violentas. Palavras com conotação discriminatória, gestos e mímicas obscenas, falta de cordialidade, antipatia no convívio social, insinuações, ironia, sarcasmo e agressão física não são piores que a negação de direitos civis através do poder político.

De fato, não há níveis aceitáveis de preconceito e discriminação. Eles existem ou não.

Trazendo o assunto novamente para o que ocorreu nesta terça-feira no legislativo municipal campo-grandense, seria de bom tom se todos os parlamentares – como sugeriu Athayde Nery – manifestassem abertamente seu posicionamento sobre o tema e os explicassem em detalhes. Representar a igreja católica ou evangélica não pode ser motivo para que um homem público assuma posições homofóbicas. Quem assim se porta está na contramão da história.

No Brasil, além da Constituição de 1988 proibir qualquer forma de discriminação de maneira genérica, várias leis estão sendo discutidas neste momento a fim de proibirem especificamente a discriminação aos homossexuais. Uma delas é o PLC 122/06, que criminaliza a homofobia em nível nacional.

Em pesquisa realizada pelo instituto Data Senado - entre 6 e 16 de junho, a partir de entrevistas com 1.222 pessoas com idade superior a dezesseis anos - 70% dos entrevistados se declararam favoráveis ao projeto. No que se refere à religião, a criminalização de atos de preconceito contra homossexuais foi defendida por 55% dos evangélicos. Entre os entrevistados de outras religiões, o que inclui a católica, mais de 70% defendem a aprovação da proposta.

Eu não

É curioso perceber que os mesmos vereadores que optaram por não trabalhar pela aprovação do projeto de Lei 6353/07, que concederia o título de utilidade pública para a ATMS, não se consideram homofóbicos.

O fenômeno de atribuir os preconceitos aos outros sem reconhecer o próprio é comum e esperado, já que, por definição, a atitude preconceituosa é politicamente incorreta. No Brasil esta característica pode ser percebida por meio da pesquisa “Diversidade Sexual e Homofobia no Brasil, Intolerância e respeito às diferenças sexuais nos espaços público e privado” – da Fundação Perseu Abramo, em parceria com a alemã Rosa Luxemburg Stiftung – realizada em junho passado.

A pesquisa mostra que 93% da população brasileira acredita que existe preconceito contra travestis (muito preconceito para 73% e pouco para 16%), 91% contra transexuais (respectivamente 71% e 17%), 92% contra gays (70% e 18%), 92% contra lésbicas (para 69%, para 20%) e 90% contra bissexuais (para 64% muito, para 22% um pouco).

No entanto, quando perguntados se são preconceituosos, apenas 29% admitem ter preconceito contra travestis (só 12% admitem ter muito preconceito), 28% contra transexuais (11% muito), 27% contra lésbicas e bissexuais (10% muito para ambos) e 26% contra gays (9% muito).

Atitudes como esta – de negação ao preconceito - apenas acirram a discriminação contra os homossexuais, colaborando para ampliar a violência que coloca o Brasil como um dos líderes mundiais em agressões homofóbicas. É o que assegura o professor Luiz Mott, do departamento de Antropologia da Universidade Federal da Bahia – e autor do estudo “Homofobia: A Violação dos Direitos Humanos de Gays, Lésbicas & Travestis no Brasil” - para quem a homofobia no Brasil é uma "epidemia nacional".

Obscurantismo

Ainda caminhamos por searas obscuras no que se refere aos direitos civis básicos para homossexuais, apesar de distante o ano de 1870, quando o psiquiatra alemão Carl Westphal, em seu trabalho intitulado "As Sensações Sexuais Contrárias", definiu a homossexualidade em termos psiquiátricos como um desvio sexual, uma inversão do masculino e do feminino, abrindo as portas para que a homossexualidade fosse descrita como uma degeneração.

Esta visão esteriotipada da sexualidade foi questionada desde o século passado. Em abril de 1974 a Associação Americana de Psiquiatria (American Psychiatric Association, APA) retirou a homossexualidade da lista de doenças mentais e em 1992 a Organização Mundial da Saúde seguiu o mesmo exemplo.

Ainda assim, ser homossexual ainda é crime em 75 países. Em sete (Afeganistão, Arábia Saudita, Iémen, Irã, Sudão, Mauritânia e Paquistão) o “crime” é punido com a pena de morte e em quase duas dezenas as penas ultrapassam os dez anos de cadeia.

Será este o objetivo inconvessável dos homofóbicos campo-grandenses?

Leia mais sobre o mesmo tema:
- Campo Grande pode dar exemplo contra homofobia
- Melhor ser ladrão que viado

1 comentário:

Alice Salles disse...

É uma tristeza em pleno ano 2008 ainda termos gente que tenha esse preconceito! É fora de contexto e incomprensível! Grande reportagem, Victor.