Semana On

segunda-feira, 14 de dezembro de 2009

O jogo do bicho e o silêncio da imprensa em MS

A reportagem exibida pelo Fantástico neste domingo (13 de dezembro), mostrando o jogo do bicho em Mato Grosso do Sul, causou surpresa apenas ao presidente do legislativo estadual sul-mato-grossense, deputado Jerson Domingos (PMDB), que, interpelado pelo repórter Maurício Ferraz sobre a existência de uma banca de jogo dentro da Assembléia Legislativa, gaguejou o seguinte: “Para mim isso é desconhecido. Banca de jogo do bicho aqui dentro da Assembléia Legislativa? Eu acho que é alguma informação... para mim isso aí, além de ser um absurdo e eu não ter conhecimento disso... eu vou solicitar a nossa segurança da Assembléia Legislativa... a presidência vai tomar medidas em relação a isso...”.

A pasmaceira tem razão de ser. O fato é que nada do que foi dito ali é novidade. É público que o deputado Jerson Domingos comanda o jogo do bicho no estado. É daquelas coisas que todo mundo sabe, mas ninguém fala. Daí, a presença do anotador “guguzinho” na Casa, devidamente munido de uma credencial de visitante ostentando o nome do deputado, ser apenas um detalhe do conjunto.

A forma como a reportagem foi recebida pela sociedade sul-mato-grossense se reflete na cobertura da grande imprensa do estado. Os dois principais sites de notícia de MS, o Midiamax e o Campo Grande News simplesmente ignoraram a pauta. O maior jornal de MS, o Correio do Estado, sequer deu uma linha sobre o assunto nesta segunda-feira (14), embora tenha divulgado a presença da equipe do Fantástico na Assembléia em sua edição do dia 9. O jornal Folha do Povo veio com uma tímida reportagem na página A4, reproduzindo apenas o óbvio. Entre os impressos o dia foi salvo (em parte) pelo jornal O Estado, que estampou o assunto na capa e na página 2 do primeiro caderno. As emissoras de tevê não deram espaço ao assunto em sua produção local.

O ponto comum na cobertura foi a falta de profundidade. Os poucos que entraram na questão se limitaram a reproduzir o material da reportagem do Fantástico, embora não faltem informações disponíveis que possibilitem um ponto de partida para investigar o envolvimento de graúdos do estado na jogatina.

O assunto foi levantado hoje (14) no twitter. Houve quem questionasse a mudez reinante (aqui, ali, por lá e acolá) e até quem apontasse seus motivos (aqui, ali e acolá). O fato é que, independente da preguiça que se instalou no nosso Jornalismo (salvo honrosas exceções), a pauta dificilmente seria encaixada nos veículos de comunicação que dominam a mídia no estado dado que quase todos dependem de dinheiro público para sobreviver, inclusive da mesada da Assembléia.

Trata-se de censura político-econômica, este sim um tema que mereceria ser alvo de combate por parte dos sindicatos que representam os jornalistas. Mas este é um assunto em que poucos se dispõem a meter a colher. Há pouco mais de um ano publiquei no Observatório da Imprensa o artigo “Quarenta anos depois do AI-5 continuamos sob censura”, no qual levantava esta mesma lebre. Disse na época que “os detentores do poder político e econômico sempre usaram e continuam usando todas as ferramentas disponíveis para estabelecerem mecanismos de controle sobre a liberdade de expressão...”. Continua valendo.

Hoje, em especial no interior do País, longe dos ‘jornalões’ e das cabeças de rede, o que impera é a censura econômica, por meio da qual os donos do poder definem o rumo das pautas de acordo com seus interesses. A fórmula é simples: divulga-se o que é do agrado dos poderosos e omiti-se o que vai contra seus interesses. Em contrapartida, jornais, rádios e emissoras de tevê locais passam a integrar o trem da alegria dos repasses de verbas publicitárias públicas (sem licitação, diga-se de passagem) e privadas (provenientes de empresas ligadas ao poder).

A censura econômica leva ao fortalecimento de uma prática sutil que sempre existiu e continua comandando o fazer jornalístico: trata-se da censura exercida pelo patrão sobre o profissional em seu próprio ambiente de trabalho. Esta censura, representada muitas vezes por um direcionamento editorial, tem colaborado mais para o apodrecimento do Jornalismo e de sua credibilidade do que qualquer outro tipo de manipulação externa.


Mas, se há culpa nas salas envidraçadas dos baronetes da comunicação, também somos todos culpados por nos mantermos inertes, passivos.

A jornalista Adriana Santana desenvolve como tese de doutorado uma pesquisa sobre o que classifica como “Jornalismo Cordial”. O termo, como ela explica em seu blog, remete ao conceito de “homem cordial” do historiador Sérgio Buarque de Holanda, e quer retratar “aquele profissional que, relegando apuração e compromisso com a busca dos fatos, numa postura de agradar a todos (ou não desagradar a ninguém), acaba por não cumprir sua função social de investigador e responsável por levantar e disseminar informações do interesse dos cidadãos”.

Em Mato Grosso do Sul estes dois cânceres – o do controle político-econômico da informação e o da auto-censura - se manifestam diariamente. A seguir cito dois exemplos recentes da omissão vergonhosa de nosso jornalismo que, somados ao silêncio que dominou nossas redações entre ontem e hoje mostram a qualidade do Jornalismo que praticamos.

Silêncio contra a homofobia

No dia 17 de dezembro de 2008, a Câmara Municipal de Campo Grande negou a concessão do título de Utilidade Pública à Associação das Travestis de Mato Grosso do Sul (ATMS), apesar de a entidade preencher os preceitos legais para receber o título. O motivo, implícito: homofobia.

Nossos veículos de comunicação poderiam, por exemplo, aproveitando o gancho dos 60 anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos, ter questionado os motivos que levaram a obstrução da aprovação do projeto. Uma leitura rápida da Declaração mostra, inequivocamente, que pelo menos seus Artigos I, II, VI e VIII foram violados.

Também seria possível analisar o fato de a Câmara ter aprovado inúmeros títulos de Utilidade Pública no mesmo período em que o negou à ATMS. Se a Associação tinha requisitos legais para requerer a utilidade pública municipal, por que motivo este benefício lhe foi negado, quando foi garantido a inúmeras outras associações?

Indo mais longe, os veículos de comunicação de Mato Grosso do Sul poderiam ligar a recusa dos vereadores em reconhecer a importância da entidade com os movimentos nacionais e internacionais de combate ao preconceito e pela discriminação aos homossexuais.

Nada disso ocorreu. O tratamento dado ao tema foi superficial. Os poucos veículos que o abordaram o fizeram sob um ponto de vista oficialesco, morno, sem contextualização.

Silêncio contra os poderosos

Recentemente, no dia 22 de setembro, outro assunto passou ao largo das pautas da imprensa sul-mato-grossense: a passividade bovina da Assembléia Legislativa, do Tribunal de Contas e do Ministério Público Estadual na disponibilização de informações para a população sobre os gastos do legislativo estadual. A denúncia, formalizada pela organização não-governamental Transparência Brasil (no estudo “Assembléias Legislativas sem controle") foi engavetada pelos nossos jornais, sites e tevês.

A rasa cobertura da imprensa sul-mato-grossense de uma pauta tão cheia de possibilidades e de significados pode sugerir três situações: 1) os jornalistas que compõem as redações destes veículos estão desligados do que ocorre à sua volta; 2) estão impregnados pelo câncer da auto-censura – que como disse o jornalista Carlos Castilho, recentemente, no artigo “Auto-regulação, autocensura e autonomia”, limita a nossa capacidade de pensar e anula a diversidade na troca de informações, uniformiza conteúdos a pretexto de preservar interesses e conveniências e, ao fazer isso, agride o jornalismo porque priva o público de dados, fatos e processos necessários para a formação de opiniões e tomada de decisões, ou 3) o editorial de nossos jornais, tevês e portais está agrilhoado pelos interesses do patrão.

O fato é que os três temas poderiam ter sido abordados de muitas formas, todas elas fugindo do que o jornalista Luis Weiss, no artigo “Desafio ao leitor - e ao jornalista”, classifica como “a saída pelo facilitário”, isto é, a abordagem óbvia e pouco desafiadora do fato.

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