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segunda-feira, 23 de novembro de 2009

As três faces obscuras do regime de Mahmoud Ahmadinejad

O presidente do Irã, Mahmoud Ahmadinejad, chega ao Brasil nesta segunda-feira para uma visita oficial de um dia. Além de encontros com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e os presidentes do Senado, José Sarney (PMDB-AP), e da Câmara, Michel Temer (PMDB-SP), Ahmadinejad virá acompanhado de 200 empresários. Mas não é o roteiro de Ahmadinejad que chama a atenção. O que tem eriçado a opinião pública são as políticas adotadas pelo presidente iraniano. Ahmadinejad executa homossexuais, frauda eleições, tortura opositores políticos, sustenta economicamente países falidos como Cuba e Nicarágua, para transformá-los em massa de manobra geopolítica. Ahmadinejad preside um país onde os direitos humanos não são respeitados, onde minorias religiosas e as mulheres são discriminadas.

De todas as questões que podem ser levantadas contra o regime de Ahmadinejad, entre elas o desenvolvimento de armas nucleares e a negação do holocausto judeu, três são irrefutáveis e odiosas: a perseguição aos homossexuais, a discriminação das mulheres e o cerceamento da liberdade de expressão e de pensamento.

Na entrevista concedida ao jornalista William Waack, quando indagado sobre suas declarações contra homossexuais, Ahmadinejad sorriu e disparou a seguinte insanidade: “Eu não espero que todas as pessoas do mundo concordem com minhas opiniões. As pessoas têm visões diferentes. Mas pensamos que homossexualidade é contra a natureza. Penso que se a homossexualidade se expandir a humanidade vai deixar de existir. É o caminho errado. É perverso. Todas as profecias divinas condenam esse caminho. Isso vai causar uma série de doenças físicas e sociais.

Não foi a primeira vez que o presidente do Irã expôs de forma tão clara sua posição totalitarista. Em 2007, durante um evento na Universidade Columbia, em Nova York, ele já havia desafiado a lógica ao dizer que não existem homossexuais no Irã. “Nós não temos isto em nosso país. No Irã, nós não temos homossexuais como no seu país (os EUA).

Em entrevista à BBC Brasil, pouco depois das declarações de Ahmadinejad em Columbia, o ativista Arsham Parsi, diretor executivo da IRQO (Iranian Queer Organization), uma organização iraniana que luta pelos direitos dos homossexuais, disse que os gays do Irã vivem sob constante ameaça não apenas da polícia e do governo, como também da sociedade: “A vida para um gay iraniano é muito dura, por falta de informação sobre o assunto e falta de segurança também. Ele tem que usar uma máscara 24 horas por dia. Você não pode ser jovem e gay no Irã.

Vivendo atualmente no Canadá, Parsi fugiu do Irã em 2005 quando descobriu que a polícia pretendia prendê-lo por suas atividades em devesa dos homossexuais: “Comecei a organização no Irã através de uma rede de e-mails. Ela foi crescendo e em 2005 recebi ameaças por ser ativista. Eu trabalhava em casa, tinha meu telefone divulgado, e a polícia havia me rastreado. Quando descobri, deixei o Irã em dois dias, e nunca mais voltei.

Segundo Parsi, de acordo com a sharia (conjunto de leis e regras de comportamento prescritas para os muçulmanos), os homossexuais podem ser perseguidos e condenados à morte por apedrejamento, forca, corte por espada ou sendo jogados do alto de um penhasco. Um juiz da corte islâmica decide como ele deve ser morto. “É impossível saber os números de execuções por homossexualidade, porque eles não são divulgados pelo Ministério da Justiça.

A QUESTÃO FEMININA

A questão feminina no Irã é outro ponto importante quando analisamos o regime representando por Ahmadinejad. Poucas são as mulheres iranianas que ousam desafiar as leis impostas desde a Revolução Islâmica. Algumas, no entanto, levantaram sua voz, como Azar Nafisi. Professora de literatura inglesa na Universidade Johns Hopkins, em Washington, ela é autora do livro Lendo Lolita em Teerã, um retrato sensível e chocante da situação das mulheres no Irã no início do século 21, que relata a experiência de Nafisi e de sete alunas da época em que ela lecionava na Universidade de Teerã. Por dois anos elas desafiaram a repressão do regime em encontros semanais onde discutiam autores proibidos no país, como Henry James e Vladimir Nabokov.

Os relatos de Nasifi sobre as condições do Irã logo após a revolução são um retrato melhorado do que ocorreu em outros países nos quais o fundamentalismo islâmico assumiu o poder, como o Afeganistão, onde um grupelho transformou em lei uma versão tacanha da sharia.

"A idade mínima para o casamento passou de 18 para 9 anos. O apedrejamento até a morte se tornou o castigo para o adultério e a prostituição. Nos ônibus, adotou-se a segregação. Destinaram-se às mulheres a porta traseira e os assentos no fundo do veículo… Um vestígio de maquiagem, uma mecha de cabelo para fora do véu e eles vinham, implacáveis. Prendiam-nos, arremessavam-nos para dentro de carros, deixavam-nos em prisões imundas, chicoteavam-nos. Por fim, jogavam-nos nas ruas. A situação era pior para as solteiras. Muitas de minhas alunas tiveram de passar por coisa pior, como o teste de virgindade. Não havia nada mais humilhante e nojento do que aquilo, feito em qualquer lugar, sem nenhuma assepsia, a qualquer hora. Quantas jovens não foram presas e chicoteadas só porque, sem querer, cruzaram o olhar com o de um guarda?"

A situação iraniana hoje é menos sufocante, as mulheres podem se dar ao luxo de usar véus coloridos e batom – mas as leis discriminatórias continuam as mesmas. Uma mulher vale a metade de um homem em depoimentos no tribunal e em casos de indenização. Na divisão da herança, uma filha pode levar apenas metade da quantia recebida por seus irmãos. Uma menina pode ser forçada a se casar a partir dos 13 anos, e seu marido pode proibi-la de trabalhar fora de casa ou estudar quando quiser. Para viajar ao exterior, é necessária uma permissão por escrito do marido. Caso se divorciem, ele ganha a custódia dos filhos com mais de 7 anos. Elas são proibidas de ser magistradas e não ocupam o posto de ministra há três décadas.

REPRESSÃO

O ex-vice-presidente reformista do Irã, Mohammad Ali Abtahi, acusado de fomentar protestos de rua após a eleição presidencial de junho, foi solto ontem (domingo, 22) depois do pagamento de uma fiança de 700 mil dólares. Ele havia sido condenado a seis anos de prisão. O Judiciário do Irã disse na semana passada que cinco pessoas foram condenadas à pena de morte e 81 à permanência de até 15 anos na prisão devido aos protestos e atos violentos após as eleições.

Esta é uma faceta macabra do regime iraniano, a total ausência de liberdade de exprimir convicções. Teerã não tolera a diferença. Durante os protestos de junho, o Twitter foi uma importante ferramenta de interação e de manifestação política, sustentando os opositores de Mahmoud Ahmadinejad, driblando a censura e levando ao mundo imagens da repressão.

Incapaz de conter as manifestações em massa da oposição, o governo iraniano ampliou o cerco à veiculação dos protestos. A Guarda Revolucionária emitiu um alerta a blogueiros e usuários de outras ferramentas de mídia online exigindo que todo conteúdo que “crie tensão” fosse eliminado de suas páginas na Internet. O ambiente virtual foi o refúgio das centenas de milhares de opositores diante da expulsão dos jornalistas estrangeiros e do silêncio da mídia estatal sobre a crise política no país.

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