Semana On

terça-feira, 23 de junho de 2009

Rede de espionagem do Irã na internet conta com tecnologia ocidental

Por Christopher Rhoads em Nova Iorque e Loretta Chao em Beijing
Tradução de Victor Barone
Publicado originalmente no
Wall Street Journal

O regime iraniano desenvolveu, com o auxilio de empresas de telecomunicação européias, um dos mais sofisticados mecanismos de controle e censura para a internet, que permite ao governo examinar o conteúdo de comunicações individuais online em escala maciça.

Segundo especialistas em tecnologia do Irã e de outros países, os esforços do governo iraniano em monitorar o conteúdo da internet vão muito além do simples bloqueio de acesso a sites ou do corte de conexões.

Segundo estes especialistas, para confrontar a instabilidade política que consome o país desde a semana passada, o governo iraniano se engajou em práticas que permitem as autoridades não apenas bloquear as comunicações, mas, também, monitorá-las a ponto de colher informações individuais dos usuários, além de alterá-las em uma guerra de contra-informação.

Este monitoramento foi viabilizado, ao menos em parte, a partir do segundo semestre de 2008, por uma joint venture chamada Nokia Siemens Networks, reunindo a Siemens AG, um conglomerado alemão, e a Nokia Corp, companhia finlandesa de telefonia celular, garante Bem Roome, porta voz da joint venture.

Segundo Roome, o centro de monitoramento, instalado junto à empresa estatal iraniana de telecomunicações, é parte de um grande contrato com o Irã que inclui tecnologia de rede de telefonia celular. “Se você vende redes, você também pode vender a capacidade de interceptar qualquer comunicação feita a partir dela”, afirmou.

A venda destes equipamentos ao país já havia sido divulgada no ano passado pelo web site Futurezone, dedicado à tecnologia de informação.

O governo iraniano fez, recentemente, breves experiências com o equipamento, mas ainda não havia usado suas capacidades ostensivamente até os recentes distúrbios.

Não sabíamos que eles podiam fazer tanto com estes equipamentos”, disse um engenheiro de redes em Teerã. “Agora sabemos que eles têm equipamentos poderosos que permite que eles façam rastreamentos muito complexos pela rede”.

Estas capacidades envolvem rastreamento de dados online de e-mails e chamadas de telefone virtuais, imagens e mensagens feitas por meio de redes sociais com Facebook e Twitter. Cada pacote de informações é desconstruído, examinado com palavras–chave e reconstruídos em milésimos de segundos. No caso do Irã, esta pesquisa é feita em todo o país por meio de um único provedor, segundo os engenheiros de rede familiarizados com o sistema do país.

Todos os olhos estão voltados para a internet nesta crise iraniana, assim como para as tentativas governamentais de combater a troca de informações online entre os dissidentes. A infiltração no tráfico de informações online no Irã pode explicar a razão pela qual o governo permitiu que a Internet continuasse a funcionar – e, também, porque a velocidade de acesso caiu pela metade nos dias seguintes a divulgação dos resultados da votação presidencial que impulsionou os distúrbios no país.

Usuários iranianos da internet reportaram esta diminuição na velocidade do acesso a uma proporção de décimo do normal. A análise de dados por meio dos mecanismos de espionagem atrasa a transmissão de dados online a não ser que seja acompanhada por um grande aumento no poder de processamento, dizem os analistas.

O Irã está “escavando sua opinião pública”, afirmou Bradley Anstis, diretor de estratégia técnica da Marshal8e6 Inc., uma companhia de segurança em internet situada em Orange, Califórnia. Ele e outros especialistas entrevistados examinaram o fluxo do tráfico online entrando e saindo do Irã e concluíam que ele possui características de monitoramento: “Parece que eles estão um passo à frente do que qualquer outro país esta fazendo, inclusive a China”, afirmou.

A China gaba-se de seu “Grande Firewall”, considerado o mais avançado e caro programa de censura à internet no mundo, e que também envolve inspeções nos moldes do que foi desenvolvido pela Nokia Siemens Networks. No entanto, na China, estas técnicas estão sendo desenvolvidas de forma mais descentralizada, ao nível dos provedores de acesso à internet, ao invés de um único centro de filtragem, dizem os especialistas. Isso sugere que esta filtragem não seja tão uniforme quanto a que acontece no Irã.

A diferença, ao menos em parte, tem a ver com a escala: a China possui cerca de 300 milhões de usuários de internet, mas que qualquer país. O Irã, onde se estima um contingente de 23 milhões de usuários, é capaz de rastrear toda a comunicação online em um único lugar, o Telecommunication Infrastructure Co., parte do monopólio estatal de telecomunicações iraniano. Todos os links internacionais rodam por meio desta companhia.

Filtros

Paralelamente ao que ocorre no Irã, membros da embaixada estadunidense em Beijing encontraram-se na sexta-feira com representantes chineses para expressar sua preocupação quando as novas exigências de que todos os computadores vendidos na China a partir de 1º de julho sejam equipados com software de filtragem de dados.

Se um governo quiser controlar o fluxo de informações através de suas fronteiras é necessário mais que bloquear o acesso a web sites localizados em outros locais. Agora, com a troca de dados por meio das redes sociais se tornando cada vez mais populares, regimes repressores estão se voltando para tecnologias que permitem analisar as informações produzidas e recebidas por seus cidadãos, mensagem por mensagem.

Grupos de direitos humanos têm criticado a venda deste tipo de software ao Irã e a outros regimes considerados repressores, pois eles podem ser usados para controlar dissidentes, com evidencia a crise iraniana. Questionado sobre o tema, Roome disse que a companhia “não pode escolher com quem faz negócios” e que “acredita ser melhor proporcionar às pessoas, onde quer que elas estejam, os meios de se comunicar do que deixá-las sem opção de serem ouvidas”.

Países com governos repressores não são os únicos interessados neste tipo de tecnologia. A Inglaterra tem uma lista de sites bloqueados, e o governo alemão está considerando medidas similares. Nos Estados Unidos, a National Security Agency tem esta capacidade – utilizada durante o Governo Bush por meio do "Terrorist Surveillance Program". A Casa Branca não comenta oficialmente se o programa tem sido usado pelo Governo Obama.

O governo da Austrália está experimentando filtros de internet para proteger seus jovens da pornografia online e tem recebido críticas dos que consideram a ação uma tentativa de censura.

Tecnologias de análise de conteúdo e filtragem já são comuns entre corporações, escolas e outras instituições, como parte dos esforços para bloquear spams e vírus, assim como de assegurar que os empregados e estudantes sigam as diretrizes de uso estabelecidas por estas entidades. Famílias também usam filtros em suas casas, para proteger seus filhos de sites indesejados, como os dedicados à pornografia e ao jogo.

A censura à internet no Irã foi desenvolvida com esta justificativa inicial, de bloquear a pornografia online, entre outros materiais considerados ofensivos pelo regime, segundo os que têm estudado o histórico da censura online no país.

O Irã tem apertado o cerco deste controle desde que a internet ampliou sua presença no país para além das universidades e das agências de governo no final dos anos 90. Neste período, o governo tentou limitar a vibrante blogosfera do país obrigando os blogeiros a obterem uma licença governamental. A medida provou-se de difícil implantação, segundo a OpenNet Initiative, uma parceria entre universidades que estudam a filtragem e vigilância sobre a internet (integram a parceria as seguintes instituições: Harvard University, University of Toronto, University of Cambridge e University of Oxford).

A partir de 2001, o governo do Irã requisitou aos provedores que instalassem sistemas de filtragem e também que todas as conexões internacionais fossem dirigidas a uma única gateway controlada pelo monopólio estatal de telecomunicação, segundo a OpenNet. Desde então o país bloqueou mais de cinco milhões de sites, de acordo com estimativas da ONG Repórteres sem Fronteiras.

Nas eleições presidenciais de 2005, o governo derrubou a internet por horas, responsabilizando um cyber ataque vindo de fora do país, que mais tarde provou-se ser uma acusação falsa de acordo com engenheiros de Teerã.

Alguns anos depois, uma pesquisa da OpenNet descobriu que o governo iraniano estava usando equipamentos de filtragem provenientes da empresa estadunidense Secure Computing Corp, apesar do embargo de comércio imposto pelos Estados Unidos ao Irã, em vigor desde a revolução islâmica de 1979. A Secure Computing Corp, agora incorporada pela McAfee Inc. negou, na época, qualquer conhecimento sobre uso de seus produtos no Irã. A McAfee, por sua vez, afirmou ter realizado diligências antes da aquisição da empresa, não tendo observado nenhum contrato com o Irã.

A construção de uma estrutura online de alcance nacional e coordenada de um ponto central requer imensos recursos, incluindo técnicos capazes, grande poder de processamento de dados e energia, garantem especialistas em internet.

A Nokia Siemens Networks proveu o Irã com equipamentos no ano passado, dentro do conceito internacionalmente aceito de "lawful intercept", afirmou Roome. A interceptação de dados para fins de combate ao terrorismo, pornografia infantil, tráfico de drogas e outras atividades criminosas exercidas pela internet é algo que muitas, senão todas as companhias de telecomunicação, possuem, afirmou o porta-voz.

O centro de monitoramento que a Nokia Siemens Networks vendeu ao Irã é descrito no catálogo da empresa como capaz de “monitorar e interceptar todos os tipos de comunicação por voz ou dados em todas as redes”. A joint venture deixou o ramo dos equipamentos de monitoramento, classificados como “soluções inteligentes”, em fins de março, vendendo o negócio para a Perusa Partners Fund 1 LP, uma empresa de investimentos baseada em Munique. Segundo Roome, a companhia decidiu que o ramo não seria mais parte de seus negócios.

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