Semana On

sexta-feira, 11 de setembro de 2009

Turismo sexual, prostituição e a desconstrução da imagem feminina

Em dezembro passado escrevi um artigo intitulado “Toda brasileira é bunda?", no qual questionava a exposição da sexualidade feminina como ferramenta de marketing focada no turismo. O texto foi provocado por algumas situações ocorridas no exterior e no Brasil onde a mulher brasileira acaba sendo estigmatizada como uma “mulher fácil”.

Casos como o da editora Solcat (veja aqui e aqui) - que dá dicas a gringos de como “se dar bem” com uma mulher no Brasil - e o relato de uma astrônoma brasileira radicada na Inglaterra (veja mais á frente) mostram claramente o tormento que pode se abater sobre as mulheres brasileiras expostas a um estereótipo descabido, aqui e lá fora.

O assunto foi alvo de uma enquête (finalizada ontem) aqui no Escrevinhamentos, sob o seguinte questionamento: “A sexualização da mulher brasileira na mídia e na publicidade prejudica sua imagem no exterior?”. Oitenta e seis por cento dos participantes (63) disseram que sim, outros 10 internautas (13%) disseram que não.

Apesar de o artigo que deu origem a este debate ter surgido a partir de uma crítica à mídia, a questão da prostituição também tem papel preponderante na desconstrução da imagem da mulher brasileira. Não tenho nenhum preconceito em relação às mulheres que optam por vender o corpo para viver. No entanto, esta opção não pode ser estendida às demais mulheres como se fosse um padrão da brasileira. Assim como temos que respeitar quem opta por este tipo de vivência, temos que respeitar as mulheres que não optam por ela.

O desabafo da astrônoma (publicado originalmente no blog LLL e do qual reproduzo um trecho em seguida) é um resumo triste do que está acontecendo neste momento com nossas esposas, mães, irmãs e amigas, mulheres englobadas em um estereótipo de permissividade para cuja construção elas não colaboraram.

Esse eh um desabafo meu para todas as mulheres que sujam e arrasam com a imagem da mulher brasileira que poderia ser tao glamourosa. Grito em meu nome e em nome de todas as outras mulheres que estao aqui no exterior batalhando seriamente por uma vida melhor, constituindo uma familia amorosa honesta e tentando ser feliz.
Apesar do glamour, muitas vezes tenho vergonha de dizer que sou brasileira. Principalmente quando estou sem o Edu do lado e na presenca de homens solteiros que nao me conhecem de fato. Ja passei por varias situacoes desagradaveis em minha vida e ja escutei varias piadinhas de mal gosto durante minhas viagens mundo afora, mas devo confessar que nada foi tao direto e agressivo quanto o ocorrido em Oxford. ... Obviamente que ao saberem que sou brasileira, e bombardeados que estao sendo por todas as noticias (as mais degradantes) de carnaval vinda do Brasil, alguns individuos despreziveis falaram, estimulados pelo alcool, o que todo mundo pensa mas nao tem coragem de dizer quando estao em seu estado normal de consciencia.
Tive que aguentar varias piadinhas cafajestes sobre mulher brasileria e o pior, todas vindo de pessoas com um nivel cultural alto e bem esclarecidas, ou seja, estava falando com gente teoricamente inteligente. Um babaca com uma risadinha sacana me perguntou se as mulheres andavam peladas no Brasil porque era muito quente. Um imbecil frances disse que seria bom ir participar de uma reuniao no Brasil para poder “catar” as mulheres, afinal, as mulheres no Brasil estao assim disponiveis como qualquer mercadoria barata e descartavel, bastando escolher. O outro concordou e imaginou e descreveu uma cena bizarra dele saindo do aeroporto e sendo agarrado por tres mulheres desesperadas querendo leva-lo para cama. Um teve a cara de pau de dizer que se fosse ia voltar com umas tres para casa.

Quem não conhece alguma mulher brasileira que tenha sido alvo de piadinhas do gênero no exterior? Quase a totalidade das mulheres brasileiras que viajam para a Europa e os Estados Unidos já foram vítimas deste tipo de humilhação.

Há quem não concorde com a influência negativa do turismo sexual e da prostituição sobre a imagem da mulher brasileira. Alex Castro, do LLL, por exemplo, tem uma posição bastante definida sobre o tema e já escreveu sobre ele algumas vezes. De suas avaliações, extraio os seguintes trechos como contraponto:

Claramente, nosso povo tem talento para o sexo e há grande demanda mundial pelos nossos serviços. Já ouvi diversos estrangeiros comentarem que não existe prostituta como a brasileira: ela é quente, gostosa, linda, sensual, calorosa, parece uma namoradinha, enquanto as européias são como frias máquinas, vapt-vupt, negócios são negócios, no relógia, nem tem graça, etc.
Ou seja, país do futebol: pode. Berçario de super-models: nosso orgulho nacional! Capital mundial da cirurgia plástica: só comprova a excelência da nossa medicina! Meca do turismo sexual: cruzes, que vergonha!, que problema!, vamos resolver essa 'questão'!
Mas a resposta à sua provocação é bastante óbvia: não, eu não gostaria que minha filha fosse prostituta, mas também não gostaria que fosse enfermeira, faxineira, engenheira, seringueira, advogada, pagodeira.

Trecho do artigo “A questão do turismo sexual

Ou seja, brasileiro ir pra Europa estudar filosofia: pode. Jogar pelada ou dar voltinhas na pista: herói nacional, Ayrton Senna do Brasilll-illll-illll!! Palestrar em Harvard: que orgulho temos do nosso ex-presidente estadista poliglota! Dar o cú: meu deus, estão sujando o nosso bom-nome, o que meus amigos espanhóis vão pensar de mim?!
Oras, se existe demanda e se fazemos bem, por que não dar o cú?

Trecho do artigo “A questão das prostitutas brasileiras no exterior

Como já deixei claro, não condeno de forma alguma quem vende o corpo como profissão. Disse e repito, acho que cada um tem o direito de fazer o que quiser da própria vida. No entanto, o fato de eu respeitar este direito não significa que eu acredite que ele é bom (para quem opta por ele e para os demais) ou correto. Da mesma forma, defendo a descriminalização das drogas - quem quiser usar que use - mas não considero que o consumo de muitos delas sejam uma escolha inteligente e que beneficie a alguém.

Sim, faço um paralelo entre prostituição e uso de drogas (aqui me refiro as drogas realmente impactantes como cocaína, crack, heroína etc). Tanto a droga quanto a prostituição destroem uma parcela do ser humano. A droga arrebenta aquele tino que nos leva a discernir entre o que é ou não passível de ser limitado em nosso convívio com o outro. Penso nisso sempre que me deparo com relatos de gente que agrediu parentes, que vendeu tudo para saciar o vício etc. A prostituição, por outro lado, banaliza o afeto, coloca no mesmo nível amor (seja com conotação sentimental ou sexual) e comércio, duas coisas incompatíveis.

Não concordo de forma alguma com o argumento de que a questão social é o motor de arranque da prostituição. Fosse assim estaríamos dizendo que não há opções, quando há. Quem escolhe sair do Brasil para se prostituir na Europa passa longe de ser um “excluído”. Trata-se de uma opção, que eu respeito, mas não compactuo. Sobre quem opta por se prostituir aqui no Brasil a questão é mais além. É claro que o fator social incentiva uma opção pela prostituição, mas não pode ser apontado como o fator preponderante para esta escolha.

Ao invés de olharmos a prostituição e pensarmos “ok, temos que ganhar dinheiro, vamos então incentivar nossas mães, irmãs, filhas e mulheres a fazer fila nos aeroportos para caçar gringos”, seria mais produtivo cobrar dos governantes o que eles deveriam fazer para que o País crescesse e gerasse mais empregos.

Sim, acho péssimo que o Brasil seja visto como paraíso para o turismo sexual, sim, acho péssima a opção pela prostituição.

O turismo sexual é uma praga que deve ser combatida com rigor e execrada pela sociedade. Faz com que a mulher se transforme em uma mercadoria (barata), cria profundos obstáculos para o entendimento e a vivência do afeto, cria a falsa imagem de que tudo é permissível na busca pelo sustento e, pior, cria um modelo a ser seguido por crianças e adolescentes.

O fato de a prostituição ser legal e liberada no Brasil não a exime de crítica e nem significa que seja algo bom. Na verdade o fato de ser legal ou liberado pouco importa. Não me atenho ao que é permitido pela sociedade, ou ao que o Estado julga melhor para quem quer que seja. Mas sim de respeito para consigo mesmo.

Voltando ao ponto principal do artigo e da enquête - o reflexo da prostituição e do uso da imagem da mulher com fins turísticos sobre a forma como a mulher brasileira é vista no exterior - os casos de brasileiras que passaram por constrangimentos são muitos. De forma alguma considero o sentimento destas mulheres como o reflexo de um moralismo pequeno-burguês ou retrógrado. Trata-se de uma reação legítima de quem não quer ser tratada como objeto de consumo, de quem quer ser respeitada pelo que é e não pelo que carrega no meio das pernas.

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