Laranja
Mecânica faz parte da trindade distópica que coroa a ficção científica do
século 20. O livro de Anthony Burgess divide com 1984, de George Orwell, e
Admirável Mundo Novo, de Aldous Huxley, a honra de criar um dos cenários da literatura
de todos os tempos que mais estranhamento causam ao leitor.
A visão de
Orwell nos apresenta um mundo totalmente dominado pelo comunismo totalitário de
linha stalinista. O mundo de Huxley sugere uma sociedade rica e feliz mantida à
base de manipulação genética e drogas, mas que exclui e condena à miséria quem
não se adapta ao sistema: um espelho distorcido, mas que reflete parte das
sociedades do liberalismo capitalista hoje. Burgess, por sua vez, ambientou
Laranja Mecânica em uma Inglaterra localizada em um futuro próximo, num tempo
em que a violência adolescente atingiu um nível tão insuportável que gerou uma
repressão em igual medida da parte do governo, com técnicas pavlovianas de
condicionamento (leia-se: lavagem cerebral).
Talvez por
isso observemos em Laranja Mecânica reflexos mais identificáveis do mundo em
que vivemos, onde a vida vale cada vez menos e o ter sobrepuja o ser em grande
medida. Jovens que espancam pessoas inocentes, que incendeiam índios e
mendigos, adolescentes que espancam animais até a morte. Alguns destes horrores
fazem parte de nosso cotidiano, e também do cotidiano de Alex – o protagonista
de Burgess – e sua gangue de adolescentes.
Sim,
adolescentes. O filme de Stanley Kubrick
situa Alex e seus druguis (parceiros de crime) no início da fase adulta, lá
pelos vinte e poucos anos. Para Burges, no entanto, os jovens facínoras têm
entre 13 e 15 anos de idade, mais um correlato com a juventude hoje, tão
exposta a hipersexualização e a hiperviolência. A obra, escrita em 1961
e publicada pela primeira vez em 1962, parece prever parte do desenvolvimento
comportamental das sociedades modernas. Vale lembra que seis anos antes da
consagrada versão de Kubrick,
o livro já havia sido
adaptado para o cinema por Andy Warhol, que se baseou na história para escrever o roteiro
de Vinyl.
Narrada por Alex na estranha linguagem utilizada pela juventude, conhecida como Nadsat, Laranja Mecânica é a perturbadora confissão autobiográfica de Alex. Após involuntariamente cometer um homicídio, ele é capturado pela polícia. Na prisão, é submetido à Técnica Ludovico, uma terapia cuja finalidade é reeducá-lo psicológica e socialmente, eliminando seus impulsos violentos e seu comportamento desviante. Uma experiência extremamente dolorosa e tão desumana quanto a ultraviolência que o próprio Alex costumava praticar.
Trata-se de uma obra capital do século 20 e que nos ajuda a compreender também as relações entre cidadão e Estado, entre liberdade e totalitarismo, entre responsabilidade e hedonismo.
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