Semana On

terça-feira, 20 de julho de 2010

"A Estrada" - Cormac McCarthy

Um evento cataclísmico se abateu sobre o planeta terra, devastando-o completamente. Milhões de pessoas morreram em incêndios, inundações e violência enquanto outras sucumbiram de fome e desespero. O planeta encontra-se totalmente devastado, as cidades foram transformadas em ruínas e pó, as florestas se transformaram em cinzas, os céus ficaram turvos com a fuligem e os mares se tornaram estéreis. Com o sol coberto pela nuvem de detritos, o mundo perdeu suas cores. As plantações desapareceram e todos os animais foram devorados pelos poucos sobreviventes que vagam em bandos em busca de alimentos. A lei do mais forte prevalece e a luta pela sobrevivência leva muitos ao canibalismo.

Em meio ao caos, um homem e seu filho insistem em manter aceso o fogo interno da humanidade. Os protagonistas não têm nome. A catástrofe lhes tirou tudo, até mesmo suas identidades. São apenas O Homem e O Menino. Pai e filho. Não possuem praticamente nada, apenas uns cobertores puídos, um carrinho de compras onde amontoam latas de alimentos garimpados de casas abandonadas, e um revólver com algumas balas, com o qual procuram se defender dos bandos de assassinos que vagam em busca de alimento e roupas. Estão em farrapos, os rostos cobertos por panos para se protegerem da fuligem que cobre toda a paisagem. Eles tentam escapar do frio avassalador, sem saber, no entanto, o que encontrarão no final da viagem. O destino, na verdade, pouco importa. O cerne de suas vidas é a jornada propriamente dita, única coisa que pode mantê-los unidos, que pode lhes dar um pouco de força para continuar a sobreviver.

Este é o cenário de “A Estrada” (2006), romance de Cormac McCarthy, vencedor do Prêmio Pulitzer de 2007 (que ganhou versão cinematográfica homônima pelas mãos do diretor John Hillcoat e do roteirista Joe Penhall). Para quem não está ligando o nome a pessoa, vale dizer que McCarthy é o autor do livro “No Country For Old Men”, levado às telas pelos irmãos Coen com o seguinte título em português: “Onde os Fracos Não Tem Vez”.

A primeira pergunta que vem a mente do leitor é a origem daquilo tudo? Como a humanidade chegou àquele ponto? Guerra nuclear? Aquecimento global? Efeito estufa? Um meteoro? O livro não se preocupa em responder a estas questões. Pouco importa. O fato é que a civilização, tal qual a conhecemos, não existe mais.

Mas, enganam-se os que imaginam que o livro é “mais um subproduto na onda das profecias apocalípticas”. A única coisa que liga “A Estrada” a outras obras com tema pós-apocalíptico como “The last man on earth” (clássico de Richard Matheson que serviu de base a filmes como “Eu sou a lenda”, entre outros), “O livro de Eli”, “O dia depois de amanhã” ou “2012” é o caráter físico da destruição da civilização. A obra de McCarthy não gira em torno da catástrofe física, mas da catástrofe moral a que estão imersos os sobreviventes.

É, principalmente, uma história de amor entre um pai e seu filho e como o primeiro representa a segurança e o segundo a consciência que prende o primeiro ao que lhe resta de humanidade. Mais que um relato apocalíptico, “A Estrada” é uma comovente história sobre esperança. Seu verdadeiro tema está na relação entre um pai e seu filho, e o quão forte, íntima e profunda ela pode ser para ambos. É, também, uma história de perseverança, uma aposta nos valores humanos diante da selvageria.

O Escritor e crítico Roberto de Sousa Causo faz um paralelo interessante entre McCarthy e William Faulkner (1897 - 1962), o grande escritor do regionalismo (e do alto modernismo) americano, ao analisar a obra. Diz ele que “A Estrada” pode ter tido como gérmen o trecho final do discurso de aceitação de Faulkner, ao receber o Prêmio Nobel de Literatura:

"O escritor escreverá como se ele estivesse entre os homens a observar o fim do homem. Eu me recuso a aceitar o fim do homem. É fácil o bastante dizer que o homem é imortal porque ele resistirá: que, quando o último ding-dong do juízo final tiver soado e ecoado sobre a última pedra sem valor pairando imóvel no último anoitecer rubro e moribundo, que mesmo então ainda haverá mais um som: o som de uma voz fraca e inexaurível, ainda a falar. Eu me recuso a aceitar isso. Acredito que o homem não apenas resistirá: ele prevalecerá. É imortal não porque apenas ele entre as criaturas tem uma voz inexaurível, mas porque ele tem uma alma, um espírito capaz de compaixão e de sacrifício e de resistência."

Não é um livro fácil. A viagem de pai e filho é penosa, dura e, acima de tudo, triste. O livro termina com um toque poético de esperança, mas o retrato do apocalipse nos coloca diante de um espelho no qual o único reflexo é nossa irresponsabilidade diante do planeta em que vivemos.

4 comentários:

Adriana Godoy disse...

Esse livro me marcou de uma tal maneira que o coloco entre os meus preferidos...realmente é pesado, catastrófico, mas tem uma pegada fantástica. Esse cara é bom. Também recomendo.

Cria disse...

Bela descrição ! Beijos.

Flor de Lótus disse...

Olá Barone!Fiquei na dúvida se comentava no post atual ou no anterior,mas como as vezes esqueço de ler os comentários do post anterior resolvi comentar nesse mesmo,hihih.Adoro Kleiton e Kleidir, são meus conterrâneos, nossa essa música é linda mesmo, uma das minhas favoritas.
Beijos

Luiz Felipe Vasques disse...

Véio, só uma correção: The Last Man on Earth é já a adaptação com o Vincent Price, nos anos 60:

http://www.imdb.com/title/tt0058700/

da história original do Richard Matheson, que uma tal editora Novo Século publicou, ao lado de mais tantos contos do autor, chamada Eu Sou A Lenda/I Am Legend. Do livro eu resenhei aqui, caso tenha interesse:

http://blogdefc.blogspot.com/2010/06/eu-sou-lenda.html

Tem ainda uma adaptação com o Charlton Heston nos anos 70 chamada A Última Esperança da Terra/The Omega Man, que passava direto na Grobo antigamente.

Bela resenha!

Mas sim, parece haver uma certa ressurgência do pós-apocalíptico: tem um filme do Clive Owen sobre esterilidade humana (Filhos do Amanhã?), Babilônia (com o Vin Diesel) e O Livro de Eli. Bem, andam falando até em fazer mais um Mad Max, por ai vc vê... :)