
Em meio ao caos, um homem e seu filho insistem em manter aceso o fogo interno da humanidade. Os protagonistas não têm nome. A catástrofe lhes tirou tudo, até mesmo suas identidades. São apenas O Homem e O Menino. Pai e filho. Não possuem praticamente nada, apenas uns cobertores puídos, um carrinho de compras onde amontoam latas de alimentos garimpados de casas abandonadas, e um revólver com algumas balas, com o qual procuram se defender dos bandos de assassinos que vagam em busca de alimento e roupas. Estão em farrapos, os rostos cobertos por panos para se protegerem da fuligem que cobre toda a paisagem. Eles tentam escapar do frio avassalador, sem saber, no entanto, o que encontrarão no final da viagem. O destino, na verdade, pouco importa. O cerne de suas vidas é a jornada propriamente dita, única coisa que pode mantê-los unidos, que pode lhes dar um pouco de força para continuar a sobreviver.
Este é o cenário de “A Estrada” (2006), romance de Cormac McCarthy, vencedor do Prêmio Pulitzer de 2007 (que ganhou versão cinematográfica homônima pelas mãos do diretor John Hillcoat e do roteirista Joe Penhall). Para quem não está ligando o nome a pessoa, vale dizer que McCarthy é o autor do livro “No Country For Old Men”, levado às telas pelos irmãos Coen com o seguinte título em português: “Onde os Fracos Não Tem Vez”.
A primeira pergunta que vem a mente do leitor é a origem daquilo tudo? Como a humanidade chegou àquele ponto? Guerra nuclear? Aquecimento global? Efeito estufa? Um meteoro? O livro não se preocupa em responder a estas questões. Pouco importa. O fato é que a civilização, tal qual a conhecemos, não existe mais.
Mas, enganam-se os que imaginam que o livro é “mais um subproduto na onda das profecias apocalípticas”. A única coisa que liga “A Estrada” a outras obras com tema pós-apocalíptico como “The last man on earth” (clássico de Richard Matheson que serviu de base a filmes como “Eu sou a lenda”, entre outros), “O livro de Eli”, “O dia depois de amanhã” ou “2012” é o caráter físico da destruição da civilização. A obra de McCarthy não gira em torno da catástrofe física, mas da catástrofe moral a que estão imersos os sobreviventes.
É, principalmente, uma história de amor entre um pai e seu filho e como o primeiro representa a segurança e o segundo a consciência que prende o primeiro ao que lhe resta de humanidade. Mais que um relato apocalíptico, “A Estrada” é uma comovente história sobre esperança. Seu verdadeiro tema está na relação entre um pai e seu filho, e o quão forte, íntima e profunda ela pode ser para ambos. É, também, uma história de perseverança, uma aposta nos valores humanos diante da selvageria.
O Escritor e crítico Roberto de Sousa Causo faz um paralelo interessante entre McCarthy e William Faulkner (1897 - 1962), o grande escritor do regionalismo (e do alto modernismo) americano, ao analisar a obra. Diz ele que “A Estrada” pode ter tido como gérmen o trecho final do discurso de aceitação de Faulkner, ao receber o Prêmio Nobel de Literatura:
"O escritor escreverá como se ele estivesse entre os homens a observar o fim do homem. Eu me recuso a aceitar o fim do homem. É fácil o bastante dizer que o homem é imortal porque ele resistirá: que, quando o último ding-dong do juízo final tiver soado e ecoado sobre a última pedra sem valor pairando imóvel no último anoitecer rubro e moribundo, que mesmo então ainda haverá mais um som: o som de uma voz fraca e inexaurível, ainda a falar. Eu me recuso a aceitar isso. Acredito que o homem não apenas resistirá: ele prevalecerá. É imortal não porque apenas ele entre as criaturas tem uma voz inexaurível, mas porque ele tem uma alma, um espírito capaz de compaixão e de sacrifício e de resistência."
Não é um livro fácil. A viagem de pai e filho é penosa, dura e, acima de tudo, triste. O livro termina com um toque poético de esperança, mas o retrato do apocalipse nos coloca diante de um espelho no qual o único reflexo é nossa irresponsabilidade diante do planeta em que vivemos.
4 comentários:
Esse livro me marcou de uma tal maneira que o coloco entre os meus preferidos...realmente é pesado, catastrófico, mas tem uma pegada fantástica. Esse cara é bom. Também recomendo.
Bela descrição ! Beijos.
Olá Barone!Fiquei na dúvida se comentava no post atual ou no anterior,mas como as vezes esqueço de ler os comentários do post anterior resolvi comentar nesse mesmo,hihih.Adoro Kleiton e Kleidir, são meus conterrâneos, nossa essa música é linda mesmo, uma das minhas favoritas.
Beijos
Véio, só uma correção: The Last Man on Earth é já a adaptação com o Vincent Price, nos anos 60:
http://www.imdb.com/title/tt0058700/
da história original do Richard Matheson, que uma tal editora Novo Século publicou, ao lado de mais tantos contos do autor, chamada Eu Sou A Lenda/I Am Legend. Do livro eu resenhei aqui, caso tenha interesse:
http://blogdefc.blogspot.com/2010/06/eu-sou-lenda.html
Tem ainda uma adaptação com o Charlton Heston nos anos 70 chamada A Última Esperança da Terra/The Omega Man, que passava direto na Grobo antigamente.
Bela resenha!
Mas sim, parece haver uma certa ressurgência do pós-apocalíptico: tem um filme do Clive Owen sobre esterilidade humana (Filhos do Amanhã?), Babilônia (com o Vin Diesel) e O Livro de Eli. Bem, andam falando até em fazer mais um Mad Max, por ai vc vê... :)
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