Semana On

quinta-feira, 29 de julho de 2010

Sem diploma, mas jornalista porreta

Fiquei muito feliz ao saber que meu amigo Silvio de Andrade venceu o Prêmio Famasul de Jornalismo na categoria Impresso/Revista, recebendo, ainda, o Prêmio Master do concurso. Silvio, que hoje mora em Corumbá, é jornalista porreta, daqueles que estão rareando nas redações. Modesto por detrás dos seus 39 anos de profissão, atribuiu a conquista ao critério da “idade”. Boa praça, sempre pronto a um sorriso, de bobo Silvio não tem nada, absolutamente nada, e resumiu o motivo da premiação dizendo o seguinte: “A contribuição que o prêmio traz é estimular a reportagem, algo que está morrendo no Estado”.

Apesar da conquista, de possuir um dos melhores textos jornalísticos entre os profissionais de imprensa no Estado, de ter um faro aguçado para a notícia, de não se envolver em episódios que diminuem a nossa profissão, enfim, de ser um jornalista de fato, Silvio, assim como muitos outros jornalistas Brasil afora, é visto por alguns coleguinhas iluminados – em especial na academia – como, digamos assim, um jornalista de segunda categoria.

Explico.

O problema não está na sua capacidade comprovada, na sua competência inequívoca e no seu amor por esta maltratada profissão. Não, isso não se questiona. O problema que alguns elencam é que Silvio não cursou a universidade, não estudou jornalismo, não é diplomado.

A síntese deste pensamento equivocado está no artigo “Jornalista profissional diplomado”, publicado no jornal O Estado de Mato Grosso do Sul nesta quinta-feira (29 de julho), de autoria do jornalista Gerson Luiz Martins, professor da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS).

No artigo, ele enumera o que considera ser o cabedal de conhecimentos que o jornalista obtém no curso superior de jornalismo e que seria a condição primordial para o exercício da profissão: “Para que todos saibam, o jornalista profissional diplomado, ou seja, aquele que fez o curso universitário de jornalismo aprende sociologia, psicologia, filosofia, economia, semiótica, fotografia, artes, estética, ética, as mais diversas teorias da comunicação e do jornalismo”.

Ufa! Talvez fosse o caso de extinguirmos os cursos de sociologia, psicologia, filosofia, história, letras e belas artes. Afinal, o jornalista, este iluminado, domina todos estes campos do conhecimento, graças ao curso de jornalismo.

Peço perdão pela ironia. O tema é sério, não permite leviandades.

É como disse certa vez o jornalista Cláudio Abramo, 40 anos de profissão sem diploma de jornalismo e autor de um livro que está no currículo de 9 entre 10 cursos de jornalismo no país (Mas como? Ele não tinha diploma!) : "Para ser jornalista, é preciso ter uma formação cultural sólida, científica ou humanística. Mas as escolas são precárias. Como dar um curso sobre algo que nem eu consigo definir direito?".

Gerson, no entanto, parece crer que formação cultural sólida, científica ou humanística é algo que só se pode obter no curso de jornalismo.

O fato é que, deixadas de lado honrosas exceções, a esmagadora maioria da massa de jornalistas formada nas nossas universidades sequer arranha estes conhecimentos. A garotada não sai da universidade dominando sociologia, psicologia, filosofia, história ou o que quer que garanta um diferencial no exercício da profissão. Isso é uma falácia sem tamanho.

No finalzinho de seu texto, Gerson diz que passará a assinar seus artigos referindo-se a si mesmo como “jornalista profissional diplomado”. Esta seria, segundo ele, uma forma de se distinguir dos que “se autoproclamam e assinam como jornalistas sem passarem pelo menos um dia numa faculdade de jornalismo”. Ele vai além, e garante que sua atitude ocorre “em defesa da formação universitária em jornalismo”.

Penso que mais importante que defender a formação universitária em jornalismo seja defender o jornalismo. O último não está atrelado ao primeiro.

Mais importante que exigir diploma de jornalismo seja, talvez, exigir que os jornalistas que estão ensinando a profissão nas universidades tenham um mínimo de experiência prática no ofício. Muitos deles, mestres e doutores, jamais passaram um dia dentro de uma redação.

Não me alongarei nem transformarei esta reflexão em um emaranhado de citações. Fico apenas com Benjamin Bradlee, (vice-presidente do jornal The Washington Post, onde foi editor-chefe de 1968 a 1991 e responsável pela cobertura do Caso Watergate) que em entrevista a Paulo Sotero (O homem que derrubou o presidente dos EUA - O Estado de S. Paulo, 30/10/1999, Caderno 2) disse o seguinte:

Não gosto disso [a obrigatoriedade do diploma de jornalismo no Brasil]. Menos da metade dos jornalistas do Post estudaram em escola de jornalismo. Se você me perguntar quem eu contrataria para trabalhar aqui, entre um jovem saído de Amherst College, com uma boa formação humanística e geral, ou uma pessoa com um diploma da escola de jornalismo da Universidade de Arizona, escolherei sempre o candidato de Amherst College, mesmo que ele ou ela não saiba muito sobre jornalismo. Isso, eu ensinarei a eles, na redação”.

Victor Barone é jornalista, formado (embora isso não o faça melhor do que o Silvio)

3 comentários:

Sem Papel e Tinta disse...

Barone, muito bom! Vou copíar e colar no meu blog. Parabéns ao Silvio!

Sem Papel e Tinta disse...

Barone, muito bom! Vou copíar e colar no meu blog. Parabéns ao Silvio!

Dan Jung disse...

Pois é Barone... a questão do especialismo é um sério problema. A instituição Jornalismo é legitimada em detrimento da sua prática que é instituinte por revelar uma emergência, qual seja ir ao foco (“locus”) da notícia com luta e vigor. O conhecimento formal do jornalista não é anterior a sua subjetividade que está associada a informação. Decerto este movimento contraria o rigor institucional do conhecimento mostrando o buraco existente na sua constituição. Rogério Sganzerla (Premiado cineasta de “O Bandido da Luz Vermelha”, “A Mulher de Todos”, “Nem Tudo é Verdade”, etc.), antes de 20 anos escrevia para o Estadão e com um pouco mais de 20 já fazia o seu primeiro curta-metragem ("Documentário"). Por outro viés Vilem Flusser (que escreveu "História do Diabo", "Filosofia da caixa Preta", "O Mundo Codificado” entre outros) era um virtuose. Depois de anos assumindo o cargo de professor tiular da USP, após reforma política, teve seu contrato rescindido. O argumento era o não reconhecimento de sua titulação acadêmica. Flusser foi um grande conhecedor da Teoria da Comunicação e ministrou palestras a respeito em grandes universidades no mundo. O Flusser Archiv que agora faz parte do acervo da “Berlin University of the Arts”, hoje aos cuidados do professor Siegfried Zielinski, é cultuado e acessado por intelectuais do mundo inteiro ilustrando suas teses de doutorado e suas pesquisas de pós-doc.