Semana On

quinta-feira, 22 de outubro de 2009

Para Lula, imprensa boa é imprensa domesticada

A entrevista exclusiva concedida pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva ao jornalista Kennedy Alencar, publicada hoje no jornal Folha de S.Paulo, é apavorante e entristecedora. Apavorante no que diz respeito à forma como a qual o presidente encara o papel da imprensa e entristecedora ao mostrar que Lula se sente muito à vontade em meio ao circo da política tradicional brasileira. Na entrevista, Lula endossa a síntese feita recentemente pelo jornalista Otávio Cabral no artigo “O dono do PT”, sobre a crise de identidade do partido e o domínio de Lula sobre ele. Segundo Cabral, as prioridades de Lula “pela ordem: Luiz Inácio da Silva, Lula e Lula”.

Os conceitos políticos do presidente assustam, embora não sejam novos. Eles permeiam a prática das velhas raposas que vivem cercando o galinheiro, mamando as tetas do estado, perpetuando sua influência na coisa pública. Os conceitos políticos do presidente assustam por ter Lula um passado que, teoricamente, não o credenciaria a estabelecer uma relação de normalidade com a anormalidade que rege a política brasileira. Lula não deve ser demonizado, ele não é pior do que os cercam, é igual.

Em janeiro de 2003 tive a oportunidade de entrevistar o presidente Luiz Inácio Lula da Silva pouco depois da sua posse. O PT tomava, finalmente, o comando da nação e alimentava em muitos brasileiros a esperança de um futuro melhor. Tendo isso em mente, perguntei ao presidente se ele temia a possibilidade de seu governo decepcionar os milhões de eleitores que sempre haviam apostado nele e no PT como a possibilidade de uma guinada radical no jeito de se fazer política neste País. Lula, como era de se esperar, respondeu que não e disse uma frase marcante: “Acredito que só tem sentido uma pessoa como eu chegar à Presidência da República se for para fazer diferente do que foi feito até agora”.

Uma pena que o presidente tenha ficado apenas em palavras vazias. Depois de sete anos no Governo, Lula falhou miseravelmente em sepultar as práticas corrosivas da política nacional no que ela ainda tem de pior: o clientelismo, o paternalismo e o personalismo.

Ao dizer a Kennedy Alencar que a manutenção de José Sarney na presidência do Senado foi uma “questão de segurança institucional”, que sua queda seria “o único espaço de poder que a oposição tinha” e que, se ela ocorresse, a oposição faria “um inferno neste país”, Lula diz claramente que o que importa não é combater a corrupção, mas criar mecanismos que mantenham seu grupo político no poder, custe o que custar.

Qualquer um que ganhar as eleições, pode ser o maior xiita deste país ou o maior direitista, não conseguirá montar o governo fora da realidade política. Entre o que se quer e o que se pode fazer tem uma diferença do tamanho do oceano Atlântico. Se Jesus Cristo viesse para cá, e Judas tivesse a votação num partido qualquer, Jesus teria de chamar Judas para fazer coalizão”, afirmou o presidente. Mais claro impossível.

Para o jornalista Clóvis Rossi, a posição do presidente apenas reforça a imagem de "metamorfose ambulante", que o acompanha desde a vitória eleitoral de 2002. “O triste é que Lula passou da metamorfose à rendição a uma realidade política horrorosa”, reflete e vai além “Que Lula tivesse obsessão com a governabilidade até dá para entender. Que desista de ao menos tentar reformar a ‘realidade política’ é um irremediável desastre”.

A imprensa

Em 2006, no artigo “Lula e a imprensa”, Mario Sergio Conti disse que Lula entende perfeitamente o papel dos jornalistas, mas que não possui o entendimento de que “não foi capaz de cumprir o prometido: começar a mudar o Brasil”. Creio que não. Penso que um olhar sobre a relação de Lula com a imprensa nos faz considerar esta análise e concluir que o presidente não compactua com a idéia de uma imprensa livre.

Foram muitos os momentos em que Lula espezinhou a importância da imprensa nestes sete anos, dando mostras de que tem uma visão “bolivariana” de seu papel: servir como porta voz do governo. Já nas primeiras críticas ao seu governo, o presidente fez questão de expressar seu desejo de criar “algum mecanismo de controle externo da mídia”, mostrando sua simpatia pelo autoritarismo que já começava a ser implantado na Venezuela de Hugo Chaves.

Em discurso proferido ano passado, em Nova York – onde recebeu o Prêmio Inter Press Service (IPS) International 2008, concedido a personalidades engajadas na luta pelos direitos humanos e pela justiça social – o presidente defendeu a liberdade de imprensa. “A liberdade de imprensa é uma garantia contra os desmandos do poder e eu sou o resultado da democracia e da liberdade de imprensa. Nunca teria chegado à Presidência da República do meu país e não seria o que sou se não fosse a democracia", afirmou na oportunidade. Foi para americano ouvir.

A declaração de Lula à Kennedy Alencar, segundo a qual o papel da imprensa não é o de fiscalizar, mas apenas o de informar, é preocupante. “Para ser fiscal, tem o Tribunal de Contas da União, a Corregedoria-Geral da República, tem um monte de coisas”, afirmou. Um Presidente da República que sequer imagine que a imprensa não deva fiscalizar as ações do governo não pode ter compromisso com a verdade.

Ao completar seu raciocínio, Lula tentou corrigir a derrapada: “A imprensa tem de ser o grande órgão informador da opinião pública. Essa informação pode ser de elogios, de denúncias sobre o governo, de outros assuntos. A única coisa que peço a Deus é que a imprensa informe da maneira mais isenta possível, e as posições políticas sejam colocadas nos editoriais”.

Ocorre que não é a primeira vez que o presidente sai da pista ao se referir a atuação da imprensa. Ano passado, durante a inauguração da segunda casa de força da usina hidrelétrica da Tucuruí, no Pará, Lula criticou a atuação da imprensa que, em sua opinião, destaca as coisas ruins em detrimento das boas. “Ou será que a nossa cabeça está condicionada a pensar que o bom é obrigação fazer e só o mal tem que mostrar”, questionou.

Fica claro que, na concepção do presidente, liberdade de imprensa é boa quando esta está alinhada aos interesses do governo.

5 comentários:

Anónimo disse...

E não é só pra ele meu amigo.
Bjs.

Ricardo disse...

Pô, o cara apanha do PIG o tempo inteiro, mas o tempo inteiro. E ele tem que achar a mídia corporativa brasileira o máximo?

Barone disse...

Ele pode achar o que quiser, não pode é - como Presidente da República - expressar um pensamento totalitário segundo o qual o qual a imprensa não pode fiscalizar.

O problema é que os poderosos (Lula entre eles) imaginam que QUALQUER denúncia, QUALQUER crítica faz parte de uma ação orquestrada para atacá-los.

Papo para boi dormir. papo de quem admira o totalitarismo (seja de direita ou de esquerda).

Al Machado disse...

Excelente artigo! Constrói uma linha de raciocínio clara e bem fundamentada que nos leva no final a ver o óbvio que está diante de nossos olhos: Lula não dá a mínima pra liberdade de imprensa! Só não vê isso quem não quer!

Barone disse...

Obrigado Machado, volte outras vezes.