Lula: “Teremos um Brasil melhor”
Em entrevista exclusiva, o presidente da República fala de seus projetos para o País
Victor Barone
Eleito com mais de 52 milhões de votos, Luiz Inácio Lula da Silva representa a esperança de um Brasil melhor para uma geração de brasileiros. Após a ressaca de festividades e comemorações pós-eleições, a realidade de administrar um país repleto de problemas volta à pauta, exigindo do novo presidente reações imediatas. Confira a seguir quais as pretensões de Lula em áreas que atingem diretamente o dia a dia da população.Desde o restabelecimento da democracia no Brasil o Partido dos Trabalhadores luta para chegar à presidência. Nestes 15 anos o partido cresceu, conquistou prefeituras e administrações estaduais. Agora chega à presidência da República. Dentro deste prisma, o que o brasileiro pode esperar de diferente em um governo do PT em âmbito nacional?
A população do Brasil pode esperar um país muito melhor - e sem nenhum brasileiro passando fome. No nosso governo vamos combater a pobreza e acabar com a fome que ainda castiga quase 50 milhões de pessoas em nosso país. Isso significa possibilitar que a grande maioria do povo brasileiro obtenha cidadania, que os jovens não tenham que enfrentar as incríveis dificuldades que eu e tantas pessoas passamos na vida. Melhorar o Brasil significa mudar de rumo, afastando o nosso país da situação de vulnerabilidade a que foi levado pela atual política econômica. Significa retomar o desenvolvimento com distribuição de renda e justiça social. Significa inserir de modo soberano o nosso país em nível mundial.
O PT alimenta em muitos brasileiros a esperança de um futuro melhor. Apesar de tantos anos de experiência política, esta responsabilidade pesa? Afinal, a realidade econômica pode inviabilizar muitos projetos do partido para o país e corre-se o risco de decepcionar estes milhões de eleitores que apostaram no PT.
Em primeiro lugar, quero deixar claro que nossas propostas de governo não são simplesmente promessas de campanha, mas compromissos que assumi publicamente com o povo brasileiro. Nosso programa vem sendo construído há vários anos, com projetos amplos, elaborados juntamente com especialistas e lideranças dos mais amplos setores de toda a sociedade. Acredito que só tem sentido uma pessoa como eu chegar à Presidência da República se for para fazer diferente do que foi feito até agora. Por isso fiz questão de apresentar por escrito as nossas propostas, como já fizemos com as diretrizes para a educação, para a criação de milhões de empregos e de luta contra o racismo e contra a fome. Sempre quis contribuir com a minha vida e experiência política para melhorar o País. Conheço o Brasil e o povo brasileiro como poucos políticos do nosso país. Visitei os recantos de todas as regiões, de todos os Estados. Dialoguei com todos os setores sociais, pobres e ricos, olho no olho. Fiz durante anos as Caravanas da Cidadania, estudando os problemas concretos de cada lugar e debatendo alternativas. Coordenei projetos que oferecem soluções viáveis para alguns problemas fundamentais, como moradia, fome, segurança pública, educação, ciência e tecnologia, e energia. O Programa de Governo que apresentamos é fruto de tudo isso. Minha origem, trajetória política e compromissos não me permitirão frustrar as expectativas que o povo brasileiro tem em relação a um governo democrático e popular.
Como combater a desigualdade social e a injusta distribuição de renda no Brasil?
O PT tem se destacado, e isso é reconhecido mundialmente, pelo desenvolvimento de políticas públicas que visam à redução da desigualdade social brasileira. Programas como o Bolsa-Escola, Renda Mínima, Começar de Novo, Primeiro Emprego, entre outros, têm gerado resultados expressivos. Isso, aliado às reformas que estamos propondo - tributária, agrária, política, trabalhista, do judiciário e da previdência -, e a retomada do crescimento vão dar força às mudanças que queremos para melhorar a vida dos brasileiros. Tenho dito sempre que vou batalhar para que cada pessoa no Brasil faça pelo menos três refeições ao dia. E o Projeto Fome Zero, que fizemos no Instituto Cidadania e foi incorporado ao nosso Programa de Governo desde o início, mostra como acabar com a fome de cerca de 50 milhões de brasileiros em quatro anos. Nós temos um compromisso histórico com a justiça social e com a decência e vamos cumpri-lo.
O que um governo petista, dentro da realidade econômica do país, pode fazer de concreto em quatro anos de mandato na área da educação?
É meta do nosso programa promover a Educação Infantil a um novo estatuto, para que todas as crianças tenham os meios para sua formação intelectual igualmente assegurados. Além disso, devemos formular uma nova política para o Ensino Médio que inclua os jovens trabalhadores. Para tanto, o FUNDEF (Fundo de Desenvolvimento do Ensino Fundamental) deve ser ampliado para FUNDEB (Fundo de Apoio ao Ensino Básico) e contar com recursos suplementares do governo federal. São tarefas inadiáveis a ampliação significativa das vagas nas universidades públicas, a reformulação do sistema de crédito educativo vigente e a criação de Programa Nacional de Bolsas de Ensino Superior (PNBES) para os estudantes carentes.
E em relação à habitação?
Nossas propostas para a área de habitação estão detalhadas no Projeto Moradia, elaborado pelo Instituto Cidadania e agora incorporado ao nosso Programa de Governo. Acredito que ter uma moradia digna é um direito do ser humano. Mas, no Brasil, milhões de famílias estão excluídas desse direito. A equipe do nosso programa de governo sabe que não poderemos fazer tudo de uma vez porque, para erradicar o nosso déficit habitacional, será necessário construir mais de 5 milhões de moradias. A nossa proposta também é começar de imediato o investimento na melhoria de habitações em mau estado e na reconstrução das cidades deterioradas pela ocupação irregular do solo. Achamos mais eficiente concentrar o financiamento da habitação nos Fundos de Moradia (nacional, estaduais e municipais), porque assim articulamos as diferentes fontes de recursos e uniformizamos os critérios de financiamento. A Caixa Econômica Federal será a gestora operacional desse sistema. Ao mesmo tempo, vamos tomar medidas para baratear a produção e facilitar o acesso ao crédito para as camadas médias e baixas. No caso dos mais pobres, não tem outra saída senão subsidiar a moradia, porque eles não têm renda suficiente para pagar. A prioridade será atender as famílias com renda de até 12 salários mínimos e as regiões com maior déficit habitacional. Não temos dúvida de que esse programa de habitação vai contribuir decisivamente para gerar emprego e puxar o crescimento econômico, que é uma tarefa urgente diante da vulnerabilidade em que o governo deixou o país.
Em relação à saúde, quais as prioridades de um governo liderado pelo Sr.?
A saúde também é nossa prioridade. Vamos buscar garantir o acesso universal e integral às ações e serviços de saúde, e dar atenção especial a políticas sociais preventivas, que promovam melhor qualidade de vida, investindo em saneamento básico e no combate à desnutrição infantil. Nosso governo vai estimular a participação dos diversos segmentos da sociedade e respeitar o controle social dos Conselhos de Saúde espalhados pelo país. Aos poucos, vamos também reverter os malefícios causados à população pela atual política de privatização e de terceirização dos serviços públicos de saúde, em especial estimulando a ampliação da capacidade já instalada, principalmente dos municípios, por meio de ações de cooperação com governo federal.
A questão da violência e da segurança pública tem ocupado as manchetes da grande mídia. O governo federal pode (ou deve) atuar em parceria com os governos estaduais no combate ao crime organizado?
Acredito que só existe uma maneira de diminuir a violência no Brasil. É preciso ter vontade política dos governantes e compromisso de combater a criminalidade não apenas quando morre uma pessoa famosa. Do presidente da República ao governador, prefeito, Ministério Público e Poder Judiciário. Em segundo lugar, precisamos acabar com a corrupção na polícia. Sabemos que existem policiais bons e competentes, mas também há policiais envolvidos com a criminalidade. Nossa proposta para mudar esse quadro envolve a criação de uma secretaria federal de segurança pública, ligada à Presidência da República, responsável por coordenar todo o sistema de segurança pública no Brasil, junto com os estados e municípios. Defendemos ainda um sistema único de polícia, um comando unificado. Tudo isso está bem definido no nosso Projeto de Segurança Pública para o Brasil, considerado, até por autoridades do governo, como a melhor proposta já elaborada sobre o assunto em nosso país.
Os empresários rurais, os grandes fazendeiros e latifundiários, estão prontos para conversar com um governo do PT que pretenda implantar de vez a reforma agrária?
Se não estiverem, é bom que se preparem. Não faremos um governo vesgo, que olhe só para um lado. Os grandes fazendeiros serão contemplados na nossa política agrícola. Esses latifundiários sabem que o PT leva a sério as coisas do campo, porque um país socialmente justo só se constrói a partir de uma política agrária séria. Há 50 milhões de famintos no Brasil. Essas pessoas não têm renda para consumir as 2.225 calorias por dia que a Organização Mundial de Saúde determina como necessárias à sobrevivência humana. Então, cabe ao Estado tentar promover uma grande política de solidariedade para que chegue alimento a esse cidadão. Em caráter emergencial, essa política tem de ser a distribuição de cestas básicas. Depois, aumento da produção de alimentos. O objetivo a ser alcançado, porém, é fazer com que esse cidadão que hoje é faminto coma às custas de seu trabalho. Isso não é assistencialismo - é política de cidadania. O faminto não tem apetite de revolução. Quando você dá comida, ele fica subserviente. Não se pode viciar o homem com cestas básicas. Temos é de dar condições para que ele comas as custas de seu suor.
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