A grosso modo, define-se proporção como a igualdade entre duas razões. No caso dos conflitos humanos, no entanto, em especial no recente ataque israelense sobre a Faixa de Gaza, encontrar as razões que justifiquem a proporção do massacre perpetrado contra a população civil palestina é um desafio digno dos grandes matemáticos. Para lembrar aos mais esquecidos: cerca de 1300 palestinos (entre 40 e 50% crianças) morreram, assim como 13 israelenses. Uma proporção de 100 para um.
Salomão Schvartzman e Zevi Ghivelder tentaram desvendar o enigma em artigo publicado no jornal Folha de S.Paulo, no dia 13 de janeiro. Segundo eles, não há critério para definir proporção em um conflito armado: “Há algum critério, alguma tabela, que a caracterize? Será que existe um consenso universal segundo o qual Israel teria o direito de matar ‘y’ palestinos se contasse ‘x’ mortos por foguetes?”, questionaram.
Da mesma forma, Reinaldo Azevedo molda argumentos como peças de lego para convencer a si mesmo - e aos incautos - que os palestinos merecem a chibata e que os israelenses estão em seu direito ao ocuparem territórios que desde 1946 a ONU pede que sejam devolvidos aos verdadeiros donos: os palestinos.
Azevedo, propositalmente, assim como os que cultivam urticária ao pensar na possibilidade de que os palestinos (os palestinos, não o Fatah, o Hamas ou o Hezbollah) possam constituir seu Estado, induz seu leitor a imaginar que todos os habitantes da Faixa de Gaza ou da Cisjordânia são terroristas-suicidas prontos a explodir ônibus ou pizzarias repletas de civis. Irresponsabilidade, para ser comedido.
Um dos principais argumentos de Azevedo, Schvartzman e Ghivelder para defender que não existe desproporcionalidade nos cíclicos massacres de civis palestinos é que, por terem eleito o Hamas (um grupo extremista islâmico) nas últimas eleições, os habitantes de Gaza não teriam crédito para negociar com Israel. Afinal, o Hamas prega a destruição de Israel. Quer dizer que, por terem transformado o partido de extrema-direita Israël Beiteinu – que propõe a expulsão dos árabes-israelenses de Israel – na terceira força política de Israel nas últimas eleições os israelenses também não devem ser dignos de crédito? Ora, se o problema são os extremistas, que tal Israel retirar os grileiros da Cisjordânia já que lá os palestinos são governados pelo moderado Fatah?
A verdade é os Schvartzmans, Ghivelders e Azevedos da vida não tem coragem de dizer, de fato, o que pensam a respeito da questão palestina. O que eles pensam é o seguinte: Israel deve continuar incrementando a invasão de terras na Cisjordânia por meio de “assentamentos” ilegais (sim, são ilegais, vide as resoluções 181 e 242 da ONU ou os termos do acordo de paz de 1993) até que os palestinos não tenham outra opção que migrar para a Jordânia, o Egito ou seja lá para onde for.
Mas voltemos a falar de proporção.
No último dia 17 o jornal Folha de S.Paulo publicou um editorial no qual classificava a ditadura militar no Brasil (1964-1985) de “ditabranda”. Em meio ao confronto de idéias que se seguiu ao editorial, a proporção dos crimes cometidos no Brasil pelo regime autoritário foi comparada ao número de vítimas de outras ditaduras para, digamos, abrandar o terror.
Foi o que fez Azevedo, novamente ele: “Os militares argentinos mataram 30 mil pessoas. Se o Brasil tivesse seguido aquele padrão, os mortos aqui teriam sido 150 mil! Fidel Castro, o maior assassino em massa do continente, responde por 100 mil vítimas. Na ditadura brasileira, morreram 424! Se fizermos as contas por 100 mil habitantes, Fidel é 2.700 vezes mais assassino do que o regime brasileiro.”, afirma.
Diga-se (para evitar o principal argumento de Azevedo e Cia, segundo o qual todos que o contrariam são esquerdistas ou terroristas): ditadura, seja de esquerda ou de direita, é algo a ser combatido, sejam as vítimas poucas centenas ou muitos milhares. Simplesmente não é aceitável que um governo seja imposto a uma população ou que suas liberdades básicas de expressão, de ir e vir etc sejam tolhidas.
Curioso que Azevedo, tão preocupado em desvincular o conceito de proporção do belicismo israelense, faz questão de levantar esta bola quando o tema é o terrorismo de Estado imposto pelos militares no Brasil nas décadas de 60 e 70.
Lei de talião
Talvez esta relação entre número de vítimas e crimes de guerra, entre pesos e medidas, tenha um pé fincado em um passado remoto, lá atrás, na Lei de talião, “aquela do olho por olho, dente por dente”. De origem babilônica, foi incorporada pelos hebreus e pode ser vista ainda hoje em relatos sobre o modo como o qual alguns israelenses observam o conflito com os palestinos.
O jornalista e escritor Robert Fisk, por exemplo, em algumas passagens de sua obra “A grande Guerra pela civilização - A conquista do Oriente Médio”, mostra sua incompreensão pelo modo com o qual pedras são respondidas com tiros em Gaza e na Cisjordânia. Uma passagem, especialmente interessante relata um encontro de Fisk com um judeu nova-iorquino em Tel Aviv. Em meio à conversa, o estadunidense diz que se lhe atiram uma pedra, responderá com um tiro. Fisk responde: “Se você me atira-se uma pedra eu não lhe daria um tiro”. Seu interlocutor responde: “Então você deve estar ficando louco”.
É a Lei de talião mantida viva na cultura hebraica, mantendo no campo da normalidade o uso de balas contra pedras e de tanques, mísseis e metralhadoras contra foguetes de fundo de quintal. Única potência nuclear no Oriente Médio, o que impedirá Israel de usar ogivas contra seus inimigos ou desafetos, já que, para Schvartzmans, Ghivelders e Azevedos, proporção é assunto para esquerdistas e terroristas?
Salomão Schvartzman e Zevi Ghivelder tentaram desvendar o enigma em artigo publicado no jornal Folha de S.Paulo, no dia 13 de janeiro. Segundo eles, não há critério para definir proporção em um conflito armado: “Há algum critério, alguma tabela, que a caracterize? Será que existe um consenso universal segundo o qual Israel teria o direito de matar ‘y’ palestinos se contasse ‘x’ mortos por foguetes?”, questionaram.
Da mesma forma, Reinaldo Azevedo molda argumentos como peças de lego para convencer a si mesmo - e aos incautos - que os palestinos merecem a chibata e que os israelenses estão em seu direito ao ocuparem territórios que desde 1946 a ONU pede que sejam devolvidos aos verdadeiros donos: os palestinos.
Azevedo, propositalmente, assim como os que cultivam urticária ao pensar na possibilidade de que os palestinos (os palestinos, não o Fatah, o Hamas ou o Hezbollah) possam constituir seu Estado, induz seu leitor a imaginar que todos os habitantes da Faixa de Gaza ou da Cisjordânia são terroristas-suicidas prontos a explodir ônibus ou pizzarias repletas de civis. Irresponsabilidade, para ser comedido.
Um dos principais argumentos de Azevedo, Schvartzman e Ghivelder para defender que não existe desproporcionalidade nos cíclicos massacres de civis palestinos é que, por terem eleito o Hamas (um grupo extremista islâmico) nas últimas eleições, os habitantes de Gaza não teriam crédito para negociar com Israel. Afinal, o Hamas prega a destruição de Israel. Quer dizer que, por terem transformado o partido de extrema-direita Israël Beiteinu – que propõe a expulsão dos árabes-israelenses de Israel – na terceira força política de Israel nas últimas eleições os israelenses também não devem ser dignos de crédito? Ora, se o problema são os extremistas, que tal Israel retirar os grileiros da Cisjordânia já que lá os palestinos são governados pelo moderado Fatah?
A verdade é os Schvartzmans, Ghivelders e Azevedos da vida não tem coragem de dizer, de fato, o que pensam a respeito da questão palestina. O que eles pensam é o seguinte: Israel deve continuar incrementando a invasão de terras na Cisjordânia por meio de “assentamentos” ilegais (sim, são ilegais, vide as resoluções 181 e 242 da ONU ou os termos do acordo de paz de 1993) até que os palestinos não tenham outra opção que migrar para a Jordânia, o Egito ou seja lá para onde for.
Mas voltemos a falar de proporção.
No último dia 17 o jornal Folha de S.Paulo publicou um editorial no qual classificava a ditadura militar no Brasil (1964-1985) de “ditabranda”. Em meio ao confronto de idéias que se seguiu ao editorial, a proporção dos crimes cometidos no Brasil pelo regime autoritário foi comparada ao número de vítimas de outras ditaduras para, digamos, abrandar o terror.
Foi o que fez Azevedo, novamente ele: “Os militares argentinos mataram 30 mil pessoas. Se o Brasil tivesse seguido aquele padrão, os mortos aqui teriam sido 150 mil! Fidel Castro, o maior assassino em massa do continente, responde por 100 mil vítimas. Na ditadura brasileira, morreram 424! Se fizermos as contas por 100 mil habitantes, Fidel é 2.700 vezes mais assassino do que o regime brasileiro.”, afirma.
Diga-se (para evitar o principal argumento de Azevedo e Cia, segundo o qual todos que o contrariam são esquerdistas ou terroristas): ditadura, seja de esquerda ou de direita, é algo a ser combatido, sejam as vítimas poucas centenas ou muitos milhares. Simplesmente não é aceitável que um governo seja imposto a uma população ou que suas liberdades básicas de expressão, de ir e vir etc sejam tolhidas.
Curioso que Azevedo, tão preocupado em desvincular o conceito de proporção do belicismo israelense, faz questão de levantar esta bola quando o tema é o terrorismo de Estado imposto pelos militares no Brasil nas décadas de 60 e 70.
Lei de talião
Talvez esta relação entre número de vítimas e crimes de guerra, entre pesos e medidas, tenha um pé fincado em um passado remoto, lá atrás, na Lei de talião, “aquela do olho por olho, dente por dente”. De origem babilônica, foi incorporada pelos hebreus e pode ser vista ainda hoje em relatos sobre o modo como o qual alguns israelenses observam o conflito com os palestinos.
O jornalista e escritor Robert Fisk, por exemplo, em algumas passagens de sua obra “A grande Guerra pela civilização - A conquista do Oriente Médio”, mostra sua incompreensão pelo modo com o qual pedras são respondidas com tiros em Gaza e na Cisjordânia. Uma passagem, especialmente interessante relata um encontro de Fisk com um judeu nova-iorquino em Tel Aviv. Em meio à conversa, o estadunidense diz que se lhe atiram uma pedra, responderá com um tiro. Fisk responde: “Se você me atira-se uma pedra eu não lhe daria um tiro”. Seu interlocutor responde: “Então você deve estar ficando louco”.
É a Lei de talião mantida viva na cultura hebraica, mantendo no campo da normalidade o uso de balas contra pedras e de tanques, mísseis e metralhadoras contra foguetes de fundo de quintal. Única potência nuclear no Oriente Médio, o que impedirá Israel de usar ogivas contra seus inimigos ou desafetos, já que, para Schvartzmans, Ghivelders e Azevedos, proporção é assunto para esquerdistas e terroristas?
1 comentário:
Interessante seu ponto de vista. Também concordo que uma vida não pode ser medida pelo vínculo político. Não creio que um ser humano possa ter em suas mãos a decisão pela vida de um próximo. Isso não é minimamente razoável. A questão, ao meu ver, torna-se saber o que fazer para retirar dos campos os belicistas em favor daquilo que o homem sabe fazer de mais belo: O discurso. E quando falo homem penso que apenas pode ser qualificado assim aquele que aceita a inteligência como parte indissociável à criatura. Afinal, se o ser humano não pode pensar, podemos acreditar que ele não passa a ser mais que uma pedra — e que apenas ocupa lugar no espaço.
Porém, outra questão que se levanta por aqui é: Qual o número real de mortes da ditadura no Brasil em relação às ditaduras da Argentina e de Cuba, que ainda hoje mata? Não quero dar razão à ninguém, apenas saber que números são reais. Como falei antes, não acredito que um homem possa ter o poder de decidir sobre a vida de uma pessoa. E ratificando o que você disse, "Ditaduras devem ser combatidas sempre!"
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