Semana On

quinta-feira, 12 de março de 2009

Ainda, as cotas

No último dia 5, no post Cotas, o leitor Ale M. fez algumas considerações sobre o tema que penso serem importantes. Por isso, reproduzo aqui minhas considerações sobre seus argumentos.

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A concessão de privilégios raciais tem sido base para todos os tipos de injustiças na história das nações. No conceito de raça repousa o germe da intolerância e para comprovar isso não é preciso olhar muito longe. Se analisarmos os últimos 200 anos pinçaremos inúmeros casos onde a questão racial foi o ponto de eclosão para situações que nos envergonham enquanto seres humanos que somos.

Ao admitirmos que o conceito de raça seja o ponto de partida para políticas de inclusão, estaremos abrindo precedentes perigosos, que podem gerar resultados graves em longo prazo.

No manifesto “Cento e treze cidadãos anti-racistas contra as leis raciais”, intelectuais, sindicalistas, empresários e ativistas dos movimentos negros e de outros movimentos sociais expõem sua preocupação com esta tendência de “racializar a vida social no país”.

Raças humanas não existem segundo já comprovou a genética. A cor da pele, uma adaptação evolutiva aos níveis de radiação ultravioleta vigentes em diferentes áreas do mundo, é expressa em menos de 10 genes. Não foi a existência de raças que gerou o racismo, mas o racismo que fabricou a crença em raças. A distribuição de privilégios segundo critérios etno-raciais inculcou a raça nas consciências e na vida política, semeando tensões e gestando conflitos que ainda perduram.

“Ok”, você pode argumentar, “mas o fato é que os seres-humanos são esteticamente diferentes uns dos outros e alguns grupos são historicamente discriminados por isso”. É verdade. A discriminação racial existe e prejudicou certas fatias populacionais, entre elas (no Brasil) os negros e os índios.

Será, então, que a aplicação das políticas de cotas pode gerar mais efeitos positivos que negativos na tentativa de abrandar estas desigualdades? Não é o que a experiência tem demonstrado.

Nos Estados Unidos, modelo das políticas de cotas raciais, Thomas Sowell demonstrou, com o estudo “Ação afirmativa ao redor do mundo: um estudo empírico (Univer Cidade, 2005)”, que as cotas raciais não contribuíram em nada para reduzir desigualdades, mas aprofundaram o cisma racial na sociedade norte-americana. Para Sowell, com base em exemplos de inúmeros países, a distribuição de privilégios segundo critérios etno-raciais tende a retroalimentar as percepções racializadas da sociedade.

A Suprema Corte dos Estados Unidos declarou inconstitucionais as políticas educacionais baseadas na aplicação de rótulos raciais. No seu argumento, o presidente da Corte, juiz John G. Roberts Jr., disse que “o caminho para acabar com a discriminação baseada na raça é acabar com a discriminação baseada na raça”, apontando que a inversão do sinal da discriminação consagra a raça no domínio da lei, destruindo o princípio da cidadania.

No Brasil, difunde-se a promessa sedutora de redução gratuita das desigualdades por meio de cotas raciais para ingresso nas universidades. Nada pode ser mais falso: as cotas raciais proporcionam privilégios a uma ínfima minoria de estudantes de classe média e conservam intacta, atrás de seu manto falsamente inclusivo, uma estrutura de ensino público arruinada”, afirma o documento dos 113. A meta nacional deveria ser proporcionar a todos um ensino básico de qualidade e oportunidades verdadeiras de acesso à universidade.

Há pobres e remediados de todas as cores no Brasil. De acordo com dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) de 2006, entre 43 milhões de pessoas de 18 a 30 anos de idade, 12,9 milhões tinham renda familiar per capita de meio salário mínimo ou menos. Neste grupo mais pobre, 30% classificavam-se a si mesmos como “brancos”, 9% como “pretos”, e 60% como “pardos”. Desses 12,9 milhões, apenas 21% dos “brancos” e 16% dos “pretos” e “pardos” haviam completado o ensino médio, mas muito poucos, de qualquer cor, continuaram estudando depois disso. Basicamente, são diferenças de renda, com tudo que vem associado a elas, e não de cor, que limitam o acesso ao ensino superior.

Portanto, critérios sociais – estes sim – seriam benéficos para uma política de inclusão. Iniciativas em favor de jovens de baixa renda de todas as cores, como a oferta de cursos preparatórios gratuitos e a eliminação das taxas de inscrição nos exames vestibulares das universidades públicas, seriam bem vindas.

Na Universidade Estadual Paulista (Unesp), por exemplo, o Programa de Cursinhos Pré-Vestibulares Gratuitos, destinado a alunos egressos de escolas públicas, atendeu em 2007 a 3.714 jovens, dos quais 1.050 foram aprovados em concursos vestibulares, sendo 707 em universidades públicas. Medidas como essas, que não distinguem os indivíduos segundo critérios raciais abomináveis, têm endereço social certo e contribuem efetivamente para a amenização das desigualdades.

Finalmente, sobre a questão da meritocracia, diz a Constituição Federal, no seu Artigo 19: “É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios criar distinções entre brasileiros ou preferências entre si”. Nada mais justo.

Você questiona: “...o mérito do abastado classificado na 65ª posição é realmente maior que a do ferrado que, mesmo com todas as dificuldades, se classificou em 150ª?”. Com este questionamento parte-se do pressuposto de que, necessariamente, os melhores classificados são pessoas “abastadas”, desmerecendo o esforço gente que batalhou e conseguiu ”chegar lá” mesmo diante de adversidades financeiras e sociais.

Além disso, pergunto: o fato de ter condição financeira remediada, boa ou excelente é condição de desmerecimento para um aluno? Ter obtido uma boa formação deve ser motivo para punição?

1 comentário:

Anónimo disse...

Concordo.
Com (quase) tudo.

Porém, dizer que “(...) o mérito do abastado classificado na 65ª posição é realmente maior que a do ferrado que, mesmo com todas as dificuldades, se classificou em 150ª?” não é presumir, necessariamente, que melhores classificados são pessoas abastadas.

De forma alguma.

Ao dizer isso só estou questionando o que é “mérito”. Estou dizendo, na prática, que não necessariamente o classificado na 65ª posição teve mais mérito que quem se classificou em 150ª, visto que não necessariamente os dois concorreram em igualdades de condição. Esse é o (meu) ponto.

Mas de resto, tendo a concordar com tudo.
Abs