Semana On

segunda-feira, 5 de janeiro de 2009

Para Azevedo, palestino bom é palestino morto

"Muito custa ao homem revelar-se mau, até aos seus próprios olhos; e não se atrevendo, faz-se hipócrita." (Jaime Balmes)

O blogueiro Reinaldo Azevedo é o tipo “dono da verdade”, principalmente a respeito de assuntos dos quais está confortavelmente afastado fisicamente. Em sua volta ao trabalho, nesta segunda-feira, resolveu comentar o ataque israelense sobre Gaza e o que se seguiu foi um festival de idéias pré-concebidas e preconceituosas, imbuídas dos mesmos predicados que ele costuma atribuir aos que dele discordam em sua verborragia virtual. Sentado confortavelmente em sua poltrona, quer nos fazer crer que o massacre de velhos, homens, mulheres e crianças em Gaza é aceitável.

Para justificar o genocídio cometido pelo exército israelense sobre os palestinos, Azevedo desencadeia uma série de argumentos estapafúrdios que têm a seguinte base: a ação militar israelense é legítima e proporcional aos ataques do Hamas e sem ela a existência do Estado de Israel estaria em jogo.

Segundo o blogueiro, o Hamas teria rompido a trégua com Israel. De fato, o Hamas rompeu a trégua ao disparar foguetes contra território israelense. Azevedo se esquece de dizer, porém, que Israel mantém um bloqueio absurdo sobre Gaza desde que o Hamas assumiu o controle da Faixa em junho de 2007, após expulsar as forças leais ao presidente da Autoridade Nacional Palestina (ANP), Mahmoud Abbas, líder do movimento nacionalista Fatah. Não estou defendendo o Hamas. Trata-se de uma entidade defensora do islamismo radical e terrorista. Devemos, por isso, apoiar o assassínio de 1,5 milhão de palestinos que vivem sob o seu tacão?

Para quem não compreende o que isso significa, tragamos a situação para a realidade brasileira. Seria como se o Governo do Estado do Rio de Janeiro estabelecesse um bloqueio sobre o Complexo do Alemão usando como argumento o fato de que o local está sob o domínio do tráfico de drogas. Assim, com a intenção de combater o tráfico, impediria-se a entrada de alimentos, remédios, combustível, etc. Qualquer reação dos traficantes (ou da população, desesperada pelo bloqueio) deveria ser respondida com bombardeios sob a região (usando-se para isso armas da mais alta tecnologia e letalidade), matando traficantes e gente comum. Para Azevedo, nada mais natural.

Outro argumento falacioso usado pelo “chapeludo” é que se pretende tirar de Israel o direito a auto-preservação, que se espera dos israelenses apenas passividade (devido ao sofrimento a que os judeus foram expostos durante a Segunda Guerra Mundial) e que todos os que se revoltam contra o genocídio palestino são anti-semitas defensores da destruição de Israel. Ora, os judeus têm tanto direito a viver em sua pátria quanto os palestinos. Defender este direito não significa apoiar o terrorismo. Precisa desenhar?

Azevedo chama de hipócritas os que fazem uma relação entre o sionismo radical e o nazismo. Hipocrisia é fechar os olhos para as suas similaridades. Assim como os judeus foram isolados, perseguidos e massacrados pelos nazistas, os palestinos também estão sofrendo o mesmo destino. A diferença, talvez, é que, levados ao desespero extremo e insuflados por radicais religiosos que se aproveitam do drama humano, os palestinos estão reagindo.

Em seu artigo de hoje o articulista da Veja esquece, convenientemente, que, apesar de legítima e necessária, a criação do Estado de Israel desalojou milhões de palestinos que viviam naquele território, que a própria criação de Israel foi precedida por ações terroristas por parte de (muitos) israelenses que hoje governam o País – ações do mesmo porte das que hoje são efetuadas pelo Hamas, ou piores - e que paulatinamente Israel bancou uma estratégia de ocupação de territórios legitimamente palestinos contrariando, inclusive, resoluções da ONU.

Simplificando o que não pode ser simplificado, ele pede clareza nas opiniões.

“Tudo seria mais fácil se as posições fossem aclaradas. Acatar ou não a legitimidade do estado de Israel ajudaria muitas nações e muitas correntes político-ideológicas a se posicionar e a se pronunciar com clareza: ‘Sim, admito a existência de Israel e penso que aquele estado, quando atacado, tem o direito de se defender’. É o que pensa este escriba. Ou: ‘Não! Fez-se uma grande bobagem em 1948, e os valentes do Hamas formam, na verdade, uma frente de resistência ao invasor; assim, quando eles explodem uma pizzaria ou um ônibus escolar ou quando jogam foguetes, estão apenas defendendo um direito’.”

A existência do estado de Israel tem, sim, que ser condição básica para qualquer negociação. Azevedo, no entanto, se esquece (mais uma vez) de dizer que a existência de um Estado Palestino (e o respeito a sua soberania) deveria ser, também, condição básica para que ambos os povos pudessem viver em paz. Mas parece que a lógica “azevediana” vale apenas para os que, segundo ele, estão com a verdade nas mãos.

Hipocrisia é uma condição que Reinaldo Azevedo gosta muito de atribuir aos outros. Mas hipocrisia é o que recheia seu texto, de cabo a rabo. Reclama que a imprensa brasileira maximiza a tragédia presente dos palestinos; minimiza a tragédia passada dos judeus; apaga da história o fato de que o Hamas é a força agressora, e Israel, o país agredido; equipara os judeus aos nazistas e sustenta que tudo isso cria uma equivalência “que aponta para uma indagação monstruosa: não seria o povo vítima do Holocausto um tanto merecedor daquele destino já que incapaz de aprender com a história?”.

Que festival de sandices. Quem maximiza a tragédia palestina? Em Gaza, 1,5 milhão de pessoas vivem amontoada em uma terra árida, bloqueadas por todos os lados, tratadas como seres humanos de segunda classe. Mais de 500 palestinos (todos do Hamas?) já morreram nestes poucos dias de conflito. Quem minimiza a tragédia judaica? Não há povo mais acarinhado e protegido nos dias de hoje que os judeus, exatamente por terem sido alvo da barbárie nazista. Isso não significa que podem fazer o que der na veneta (detalhe... os milhares de foguetes do Hamas, que Azevedo aponta como agressão monstruosa contra Israel, pouco mais são que rojões. Fazem vítimas mais por sorte do que por qualquer outra coisa).

O Hamas é tão culpado como Israel pela onda de violência. O que o “chapeludo” (de novo) esquece de dizer é que população civil palestina não pode ser atacada em nome do Hamas. Trata-se, sim, de uma entidade terrorista que deve ser combatida. Ocorre que o estado de Israel também está tomando atitudes de terrorismo (e isso não é de hoje, está nas origens de sua criação). Devemos passar a mão sobre suas cabeças como sugere o articulista?

O fato é que aos setores conservadores e religiosos de Israel (e aos hipócritas de plantão) não interessa um Estado Palestino como vizinho, mesmo que este estado seja laico.

Tergiversando, Azevedo quer fazer crer que quem defende a causa palestina é, inexoravelmente, apoiador do terrorismo e anti-semita. Isso sim é terrorismo da pior espécie, terrorismo intelectual.

Certa vez, em artigo publicado no Observatório da Imprensa, Cláudio Weber Abramo apontou o excesso de permissividade sobre certos discursos que, sem fundamento ou imbuídos de má intenção, se travestem de verdades e são divulgados como teorias válidas e passíveis de debate. Lembra Abramo que um dos direitos fundamentais do homem é o direito à informação e argumenta: “Ora, rigorosamente, a palavra informação pressupõe complementos, como honesta e correta. E é ou deveria ser um direito fundamental do homem ser protegido de informação mistificadora”.

Confesso que quando li o artigo pela primeira vez me senti acuado com as conseqüências deste pensamento. Afinal, quem poderia determinar se um tipo de informação é ou não formulada honestamente? Hoje, diante da hipocrisia e do maquiavelismo, começo a concordar com Abramo e com o que ele classifica como “disseminação do vale-tudo pragmático” onde, o que importa, de fato, é o objetivo a ser alcançado e não o debate de idéias.

“O que importa é o fim a que essa opinião serve, ou pretensamente serve. Nesse clima, o processo de debate deixou de se travar no território da racionalidade, transferido-se para o das intenções atribuídas ao interlocutor”, diz o autor. Incrível como Azevedo veste bem esta carapuça e conduz seus leitores para os caminhos que deseja que estes tracem sem, no entanto, ser honesto com os argumentos.

Sugiro que os se contaminaram pela verborragia do “chapeludo” leiam a “Carta aberta de Uri Avnery a Barack Obama”, onde, de forma consciente e racional, um israelense dá os caminhos para que a região saia do impasse no qual se encontra.

Quanto a Azevedo, lamentável a quantidade de maldade destilada e maquiada por detrás de um artigo que se pretende racional e ético.

Leia mais sobre o mesmo tema:
- Frases - XXX
- Para entender o ininteligível
- Carta aberta de Uri Avnery a Barack Obama
- Terrorismo de Estado
- Judeus e Palestinos
- Olmert abre portas ao entendimento
- Erros que não se justificam

8 comentários:

Adriana Godoy disse...

Você soube argumentar muito bem para se contrapor a Reinaldo de Azevedo, aliás, acho que seu texto deveria ser publicado em outros meios de comunicação, quem sabe, não abriria os olhos de muitos que estão cegos para certas verdades. Brilhante. Beijo.

Sem Papel e Tinta disse...

Tadinho do Reinaldo! Tão neurótico quanto os que ele acusa.

Unknown disse...

Victor, parabéns pelo texto! E concordo com Adriana. Azevedo e sua turma praticam atos absurdos com a palavra. Uma pena.

Você já deve conhecer, mas deixo aqui o link do dossiê sobre a Veja, preparado por Luís Nassif; http://luis.nassif.googlepages.com/

Rodrigo disse...

Olá.

Eu só gostaria de fazer uma ponderação: uma invasão pode ser sangrenta e condenável sem ser, necessariamente, "genocida". Ao usar o termo na questão de Gaza, você está cometendo uma impropriedade que pode vir a ser capitalizada por seus críticos.

Digo isso porque guerras, e essa em particular, exaltam muito as pessoas. Ter cuidado com o que se diz torna-se indispensável para convencer os demais da justiça de sua causa.

Um abraço,
R.

Barone disse...

Rodrigo Cássio, conheço o dossiê sim. Volte mais vezes.

Rodrigo, olá e obrigado pela participação. Sou obrigado a discordar de você. O que ocorre com os palestinos é, sim, genocídio.

Seu comentário me alertou para a necessidade de aprofundar o tema. Publicarei um artigo entre hoje e amanhã e lá poderemos ampliar este debate.

Um abraço.

Anónimo disse...

Sem querer entrar no mérito de cada um, não concordo com o assassinato de pessoas inocentes, porém só acho que o exemplo usando o Rio de Janeiro e as favelas não é tão retórico como se você usasse as FARC's tomando o poder na Bolívia e resolvendo atacar sistematicamente o Brasil, será que teríamos a mesma opinião? É uma questão para refletir. Além disso temos o exemplo dos EUA com Iraque, onde uma guerra foi travada e inocentes também morreram e ninguém está acusando os americanos de crime. Muito pelo contrário no início ainda foram aclamados pela população, só depois de muitas baixas americanas que começaram as críticas. Ora, tudo bem que Israel tem sua culpa e o Hamas nem se diga, mas vamos nos colocar no lugar deles. Com o exemplo dados com as Farc's...será que nós também não seríamos compelidos de raiva e patriotismo exarcebado e acabaríamos no mesmo caminho? O que a região precisa é de intervenção mundial de organizações sérias. Infelizmente a solução só se dará quando o Hamas sair do poder e Israel for contida.

Barone disse...

Olá João, a questão do conflito entre Israel e os palestinos é única e muito diferente da Guerra no Iraque ou das Farc na Bolívia. Ali, o que há é uma política de dominação que se arrasta por 60 anos. O Hamas e um grupo extremista, que não deve encontrar apoio em gente séria. Ocorre que na Cijordânia quem está no comando é a Autoridade Palestina, democraticamente eleita que aceita o Estado de Israel, e , ainda assim, Israel não dá o passo correto para solucionar o problema: cumprir as resoluções da ONU e retirar todos os assentamentos da Palestina Ocupada. Veja, o que se pede não é que Israel “dê” terras aos palestinos, mas que saia de uma região que não lhe pertence. Infelizmente a Israel não interessa isso. O que interessa a Israel é maximizar a crise para, paulatinamente, ampliar os assentamentos até que seja impossível aos palestinos estabelecer uma nação.

joao disse...

sinto muito, mas eu concordo com Reinaldo azevedo. Hamas sacaneia o próprio povo da faixa de Gaza atirando morteiros para Israel das próprias residencias dos moradores e eles não podem sair do local, para que Israel revide o ataque e o Hamas acuse Israel de genocídio, e os lideres safados do Hamas ficam nos porões de escolas e hospitais protegidos contra ataques de Israel, bando de Covardes, sinto muito meu amigo blogueiro da esquerda nas seu pensamento esta contaminado pela máxima marxista, acuse os do que você faz, e minta minta sempres, até virar verdade, de uma sortida maldade e ma fé.