Semana On

sexta-feira, 3 de outubro de 2008

Jornalismo e assessoria de imprensa: ética e realidade

“...chama-se informação um enunciado ou uma mensagem de interesse supostamente geral, e que emana da ordem anônima do mundo, enquanto a comunicação provém de empresas ou de grupos definíveis e serve claramente a interesses particulares”
Daniel Bougnoux

Uma questão que permeia o jornalismo e que divide opiniões é se a ética do jornalismo pode ser classificada da mesma forma que a ética da assessoria de imprensa. Há os que acreditam que sim - que a ética que se impõe ao jornalismo também incide sobre a assessoria de imprensa – e os que garantem que não – argumentando inclusive que se tratam de duas profissões diferentes. Os desafios dos profissionais que atuam em assessoria de imprensa os colocam diariamente em atrito com as especificidades éticas do jornalismo, pois estes estão sujeitos ao mesmo Código de Ética dos que atuam em outras áreas da profissão. O fato é que o assunto nos divide, nos coloca frente a frente com questões delicadas que nos forçam a olhar com mais cuidado para a profissão e os desafios inerentes a ela.

Antes de qualquer coisa é preciso compreender que a ética do profissional pode não corresponder à ética do patrão. Trabalhando em um jornal, em um site de notícias, em uma rádio, TV ou em uma assessoria de imprensa, o jornalista tem duas opções neste caso. Partindo do pressuposto de que não comungue com a ética apresentada pelo contratante cabe ao jornalista pedir demissão e procurar um emprego onde consiga conciliar ética e trabalho ou permanecer no trabalho mesmo que em algumas ocasiões isso viole suas convicções. Além do romantismo teórico não há outra opção.

Há, no entanto, quem aponte este dilema apenas para a assessoria de imprensa, como se o jornalismo não enfrentasse esta constante luta entre a ética e a realidade das redações. O jornalista Ricardo Noblat levantou a bola em seu artigo “Assim é, se lhe parece”, publicado na revista Comunicação Empresarial nº 47, da Associação Brasileira de Comunicação Empresarial (Aberje), onde sustenta que jornalista e assessor de imprensa são duas profissões distintas. Para Noblat, o jornalismo deve ser livre, crítico e, se necessário, impiedoso, o que não seria possível em assessoria de imprensa.

“O jornalismo supostamente praticado nas assessorias de imprensa pode ser livre? Pode ser crítico? E impiedoso, pode ser? Se for qualquer uma dessas coisas, ou todas ao mesmo tempo, não será um jornalismo de assessoria de imprensa. Porque não haverá assessoria de imprensa que sobreviva com um jornalismo desses. Ela simplesmente não terá clientes - nem de esquerda, nem de direita, nem de centro”, sustenta Noblat.


Haveria então uma disparidade de objetivos entre jornalistas e assessores de imprensa, um abismo medido pelos deveres de cada atividade. Caberia ao jornalista a missão de perseguir a verdade à exaustão, praticando um jornalismo independente, fiel a quem lhe paga o salário, ou seja, o leitor, o cidadão. A missão do assessor de imprensa, por sua vez, seria a de oferecer para divulgação a verdade que melhor sirva ao seu assessorado, e se preciso, ocultar a verdade quando ela lhe for nociva, praticando um jornalismo ligado aos interesses do assessorado.

“... quem paga o salário do jornalista é o público que consome o que ele apura e divulga. Quem paga o salário do assessor de imprensa é a empresa, entidade, governo ou figura pública que o contratou. No dia em que um assessor de imprensa for capaz de distribuir notícias contra seus clientes, estará fazendo jornalismo - e deixará de ser assessor de imprensa...”, finaliza Noblat em sua argumentação.

Eduardo Ribeiro, jornalista, assessor de imprensa e diretor secretário da Associação Brasileira de Agências de Comunicação concorda. No artigo “Assessor de imprensa e jornalismo” diz que “Quem está em assessoria vive essa eterna crise de identidade, sabedor, ainda que inconscientemente, de que ao passar para o outro lado do balcão passa a ter uma outra identidade profissional, com vários pontos em comum com o jornalismo, é certo, que parece jornalismo, mas que não é jornalismo”.


O jornalista Eugênio Bucci, em seu artigo “Profissões diferentes requerem códigos de ética diferentes” também defende a separação profissional entre jornalismo e assessoria de imprensa, diz ele: “Separar os ofícios de assessoria de imprensa e de jornalismo será um grande benefício para a profissão de jornalista, que terá direito a um Código de Ética sem ambigüidades... Será um benefício para os assessores de imprensa, que poderão aprofundar, num código específico, as particularidades do seu fazer. Mas, acima de tudo, será um grande benefício para o cidadão que tem direito à informação de qualidade”.

Neste caminho vale citar jornalistas importantes como Ricardo Setti e Bernardo Ajzemberg que já discutiram a relação entre mídia, empresas e poder e vão mais fundo na radicalização do abismo ético que separa jornalismo e assessoria de imprensa. Para Setti, empresas e suas assessorias de imprensa existem para conspurcar a pureza da verdadeira mídia. Ajzemberg, por sua vez, alerta para os perigos exercidos pela assessoria de imprensa para o “verdadeiro jornalista”. Os dois partem do princípio de que há, de fato, um jornalismo imparcial, puro.

Paralelo a esta visão há quem opte por pensar a assessoria de imprensa dentro dos mesmos moldes éticos do jornalismo, lançando ao campo das suposições as características inerentes (e práticas) a função, como a filtragem de informações de interesse do assessorado. Vale como exemplo a opinião de um dos editores da revista Veja, Thales Guaracy, que “acredita” que a maioria dos assessores funciona como um filtro de seus cliente usando as informações de acordo com os interesses destes; na mesma linha está Nair Keiko Suzuki, coordenadora de área do jornal Gazeta Mercantil, que diz também “constatar um certo filtro” no trabalho das assessorias de imprensa.

Ocorre que o próprio Manual Nacional de Assessoria de Imprensa da Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj), ao proibir que o jornalista exerça cobertura jornalística pelo órgão em que trabalha, em instituições públicas e privadas onde seja funcionário, assessor ou empregado (capítulo II, artigo 7, VI), põe por terra visões românticas que tratam a filtragem de informações por parte das assessorias de imprensa apenas como uma possibilidade e não como fato. Ora, se houvesse dúvidas sobre se a assessoria de imprensa filtra a informação de acordo com os interesses do assessorado não haveria motivo para a proibição da Fenaj. A própria Federação atesta, desta forma, uma disparidade ética entre jornalismo e assessoria de imprensa.

Jornalista e Doutor em Comunicação pela UFRJ, Boanerges Lopes amplia o debate ao questionar em seu artigo “Assessor de Imprensa é jornalista?”, em que área do jornalismo há autonomia de fato. “Com todo respeito ao posicionamento de Noblat, podemos simplesmente perguntar: será que existe autonomia necessária para se praticar jornalismo em algum canto do mundo? Difícil responder”, diz Lopes, para quem a grande parte da experiência prática na área e da produção acadêmica sustentam que não.

O jornalista e sociólogo Jayme Brenner acompanha o mesmo pensamento ao sustentar que não há possibilidade de manter imparcialidade ou independência (e, por conseguinte, manter-se ético) no jornalismo. Ele cita exemplos de sua experiência nos jornais Folha de São Paulo e Correio Braziliense, quando teve que amaciar reportagens que iam contra os interesses dos veículos e desafia: “... atire o primeiro ‘lead’ quem não deu uma forcinha para uma fonte, um político, um amigo ou uma empresa em suas matérias. A rigor, atire a primeira pedra quem jamais discutiu uma matéria com uma fonte de confiança...”.

Quem tem a mínima experiência dentro de uma redação sabe que a ética acaba no momento em que começa o interesse do patrão. Manter o público e o privado caminhando lado a lado, sem tropeços nestas searas é tarefa hercúlea. Mais uma vez, restaria ao jornalista optar entre a busca por um trabalho que possa adequar suas obrigações com sua ética ou deixá-la de lado em certas ocasiões.

Em minha experiência profissional – em redações e em assessoria de imprensa - posso citar inúmeros momentos em que precisei dar as costas a vários artigos do nosso Código de Ética sob pena de ter que optar por deixar o emprego. Como editor de política e geral dos jornais O Estado e Diário do Pantanal em várias oportunidades fui forçado pela direção de ambos os veículos a deixar de publicar material relativo a políticos e partidos que não figuravam entre os interesses da Casa. Como editor do site de notícias Midiamax tive que fazer vista grossa sobre erros médicos, pois o tema era proibido ali, visto que um parente do dono do site tinha sob seus ombros dezenas de processos por mutilar mulheres na mesa de cirurgia. Da mesma forma, como assessor de imprensa, inúmeras vezes fui “orientado” pelo assessorado a filtrar informações e, até mesmo, omitir algumas.

Pesquisador do Núcleo de Estudos sobre Mídia e Política (Nemp) da Universidade de Brasília, o professor Venício A. de Lima dá uma espanada na teoria fincando pé firme na realidade das redações e das assessorias: “Qualquer estudante de jornalismo sabe (ou deveria saber), que imparcialidade e objetividade são princípios irrealizáveis na prática concreta da apuração e da redação de notícias, sejam elas de política ou de outra editoria. O que se busca no jornalismo sério e responsável é minimizar a contaminação da cobertura pelas preferências pessoais do(a) repórter e pelos interesses dos donos dos jornais, expressos nos editoriais e nas colunas de opinião dos respectivos veículos”.

Portanto, a questão não é como deve se portar eticamente o jornalista em assessoria de imprensa, mas como podemos fazer frente, nós, simples mortais, às exigências do poder midiático enclausurado não nas mãos do leitor, mas do patrão. É nesse contexto que as relações entre mídia, poder, interesses econômicos e assessoria de imprensa deve ser debatido. No contexto das relações de interesse que encontram, se separam, batem de frente ou não, de acordo com o momento. Como diz Brenner, “singramos por entre interesses privados, públicos, pessoais, confessáveis e inconfessáveis”, em busca do equilíbrio e da decantada imparcialidade ética.
Victor Barone

3 comentários:

Alice Salles disse...

Parece-me que ser jornalista hoje em dia não é fácil. Ou você não concorda e acaba passando em suas atitudes essa sua verdade ou simplesmente obedece. O mundo está para os fortes, literalmente. Penso que deve ser complicado para qualquer jornalista ser ético na hora de repassar informação.

C. Brayton disse...

Sempre estranho, esse debate, para quem vim dos EUA, como eu. Lá, jornalista e assessor de imprensa tem formações distintas, e entidades de classe distintas. Você sabe muito bem que pode usar um chapéu ou outro, mais nunca os dois à mesma vez. Isso não quer dizer que não tem pessoas misturando chapéus, seja dito. Mais aqui, ambas profissões tem a mesma diploma e a mesma entidade de classe, FENAJ. A promiscuidade parece uma coisa estrutural. O dono do jornal eletrônica jurídico é chefe da agência públicitaria cujas clientes recebem cobertura no jornal. Ue.

C. Brayton disse...

Sempre estranho, esse debate, para quem vim dos EUA, como eu. Lá, jornalista e assessor de imprensa tem formações distintas, e entidades de classe distintas. Você sabe muito bem que pode usar um chapéu ou outro, mais nunca os dois à mesma vez. Isso não quer dizer que não tem pessoas misturando chapéus, seja dito. Mais aqui, ambas profissões tem a mesma diploma e a mesma entidade de classe, FENAJ. A promiscuidade parece uma coisa estrutural. Dono do jornal eletrônico é tambem dono da agência de propaganda cujas clientes recebem cobertura no jornal -- ou até colaboram com textos.