Publicada no dia 26/01/04 no jornal O Estado de MS
Ramez analisa o futuro do PMDB como aliado de Lula
Senador fala também de política, ideologia e eleições
O senador Ramez Tebet integra a ala peemedebista que questiona os termos do apoio que o partido dará ao Governo Lula a partir do momento em que aceitou participar da administração federal. Para o senador, que possui uma vasta ficha de serviços prestados ao partido, o apoio à governabilidade que permite ao País caminhar sem os empecilhos causados por uma oposição raivosa, poderia acontecer sem a presença do PMDB no cerne do governo. Esta presença, segundo Ramez, preocupa alguns peemedebistas que acham que o futuro do partido pode ser comprometido. Este foi um dos assuntos tratados por Ramez Tebet em entrevista exclusiva concedida ao jornal O Estado no último sábado, em sua residência, na qual abordou também assuntos como ideologia, reforma política e eleições vindouras.
Victor Barone
Agora que o PMDB integra o Governo Lula, qual será o destino do partido?
Esta pergunta pode ser feita a qualquer partido. É muito difícil responder. Todo o partido busca o poder para realizar seu programa e o bem comum. Partido que não busca o poder não é partido político. O PMDB tem uma trajetória histórica, uma responsabilidade muito grande, reconstruiu a democracia no País. Ontem mesmo ouvi o Lula dizer que a chegada do PMDB era um prazer, pois, dizia ele, todos nós, um diz, pertencemos ao PMDB. Falo isso para mostrar que o partido tem uma história de luta pela democracia, e agora tem que procurar ajudar a melhorar as condições de vida do brasileiro. O PMDB vem sendo o coração da governabilidade. Não teria havido reformas sem o PMDB. E é bom dizer que em nenhum momento o partido aceitou o pacote pronto do governo. Ele procurou melhorar todas as propostas. Tomamos posição nas reformas, nos projetos de Lei, tentando melhorá-los. Muitas modificações foram feitas graças a nós. A próxima etapa, respondendo a sua pergunta concretamente, são as eleições municipais.
O que o PMDB quer?
Quer conquistar o maior número de Prefeituras, dentro do jogo democrático que no Brasil envolve um número muito grande de partidos. Evidentemente, o PMDB não tem pretensão de sair sozinho. Vamos formatar as alianças possíveis para chegarmos ao poder ou estarmos mais próximos a ele. Nunca o poder pelo poder, mas o poder para fazer algo pela coletividade. Este é o destino do PMDB.
Mas esse objetivo de ajudar o País precisava acontecer dentro do Governo Lula?
Não precisava. Tanto que eu pensava diferente. Achava que o PMDB não precisava ter ministério. A reforma ministerial acabou se transformando em uma reforma ampla. Tomara que isso dê certo, porque o Governo tem afirmado que o ano da dureza passou e que agora, como disse o presidente, não tem mais desculpa. Não é mais hora de falar “eu acho”, é hora de falar “eu faço”. Queremos ajudar que “se faça”, para o bem do Brasil. Não considero que, para ajudarmos neste objetivo, seria preciso ter ministérios. Mas acato a decisão do meu partido. Se o PMDB participar do núcleo do Governo no sentido de ajudar neste processo de “eu faço” tudo bem. Por outro lado, se não ajudar, é sinal de que pegou ministério por causa de emprego e então será melhor devolver.
Dentro dessa realidade política na qual é preciso fazer alianças, uma aproximação eleitoral com o PT, a partir da entrada do PMDB no Governo Lula, torna-se muito viável nos estados, inclusive em longo prazo, como para as eleições de 2006.
Fala-se nessa aliança com o PT, o próprio Lula já disse isso. O Brasil é um País gigante e eu não faria uma afirmativa dessa em hipótese alguma, nem de forma negativa e nem para confirmar. Não por qualquer tipo de radicalismo, mas porque cada município tem a sua realidade. Em Mato Grosso do Sul, por exemplo, nas últimas eleições municipais o PMDB, em alguns lugares, foi auxiliado pelo PT. É possível que em alguns municípios isso volte a ocorrer. Por outro lado, em outros municípios, podemos estar com o PSDB. Devemos obedecer sempre as peculiaridades de cada local.
Mas se houver uma verticalização para as próximas duas eleições, uma aliança entre PT e PMDB será tentadora em face da força política que ambos os partidos, unidos, teriam.
Acho que é muito difícil no Brasil estabelecer uma verticalização do processo político. O Brasil é um país dispare. Certas Leis, nem o povo e nem os partidos obedecem. A prova é que o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) baixou uma verticalização que não foi obedecida fora do horário de TV e rádio. Não adiantou de nada. As coligações são feitas de fato. E de fato é isso o que ocorre. A Lei tem que encarar a realidade. Temos que primeiro fortalecer os partidos no Brasil. Sem isso, qualquer decisão será fraudada de um jeito ou de outro. Será modificada na prática, como aconteceu na última eleição, quando se realizavam comícios em praça pública onde havia mistura de coligações, candidato a deputado federal apoiando governador de outras coligações etc. Isso só não foi feito na TV e nos rádios.
Com a ida do PMDB para a base de sustentação do Governo Lula o País fica apenas com dois grandes partidos na oposição, o PSDB e o PFL. Este desequilíbrio na balança do poder é positivo para a democracia?
Eu diria que nem o PFL e nem o PSDB podem se definir totalmente como partidos de oposição. E este é um momento de profunda análise. Nunca um presidente teve tanto apoio partidário quanto o Lula. A ponto de nós podermos afirmar que não há partido político hoje, verdadeiramente, e faço questão de frisar – verdadeiramente, na oposição. Até quem se diz oposição, como PSDB e PFL, não está fazendo oposição de forma unida. Muitos de seus quadros têm votado a favor do governo. Então, o leque de apoio que o Lula tem é muito grande e isso nos faz pensar no que vai acontecer no futuro. Muita gente afirma, e eu tenho lá os meus receios, que corremos o risco de um autoritarismo, de uma ditadura partidária, de uma “mexicanização”. Um partido forte (o PT) e os demais gravitando em torno dele. Acho que isso é passível de acontecer. É preciso ficar de olho, pois não seria bom para a democracia. Acredito que o PMDB tenha consciência de seu papel neste processo. Afinal de contas, o partido foi forjado na luta pelo estado de direito e por uma democracia representativa na qual todos os segmentos da sociedade estejam representados. Mas há este receio.
A cúpula do PMDB tem estratégias para combater esta “ameaça”?
Evidentemente que quem não cuida de si próprio não está cuidando de ninguém. O PMDB, para ter forma, tem que estar cuidando de seus interesses e de sua posição política. Esta posição hoje é de apoio ao Governo Federal. Agora, vamos ver se teremos condições de sustentar este apoio ou não. Pois pode acontecer de termos estes ministérios e não fazermos nada neles. O governo pode ignorar o PMDB na hora de decidir. E o partido não pode aceitar prato feito. Tem que sentar à mesa e colocar o seu tempero nas questões importantes.
Com todo esse apoio que o Governo Lula angariou a pressão pela realização de mudanças será maior. Se o Governo Federal não as realizar nos próximos três anos o que poderá acontecer no cenário político do País?
Vamos ver como o presidente vai aproveitar isso. Como ele mesmo disse, não há mais desculpas, não se pode mais dizer “eu não fiz tal coisa, pois não me permitiram fazer”. O Brasil já teve de tudo em sua direção. Teve o império, a monarquia, e depois da proclamação da República foi governado por militares, civis, todos oriundos de uma classe média abastada ou alta, uma elite. O Brasil experimentou de tudo. Mas pela primeira vez o País tem um operário na presidência da República. Daí, a responsabilidade. Se realmente o governo fracassar, haverá uma frustração geral e só o futuro vai dizer o quanto vamos pagar por isso, qual será a conduta do eleitor daí para frente. Resta-nos a certeza de que o Brasil, pela sua cultura, sempre soube enfrentar as maiores dificuldades. De sorte que esta frustração, se ocorrer, será ultrapassada. Mas ficará um descrédito, um desânimo prejudicial ao exercício da democracia no Brasil.
Até que ponto a chegada do PT ao poder alterou o espectro ideológico da política brasileira?
Acho que as contradições são muitas. Em pouco espaço de tempo o eleitor viu que a voz do povo tem razão. Viu que quando as pessoas chegam ao poder a situação muda totalmente. O discurso é um e a prática é outra. Até que isso foi bom para a democracia e para a sociedade, pois ninguém mais pode ser intitulado como o dono da verdade. Ninguém mais pode dizer que “não tem nada, que em mim não pega nada, que comigo não acontece, que o que eu falo eu sempre cumpro”. Então, vamos agir concretamente. As conseqüências deste pragmatismo do poder exercitado hoje no Pa só serão vistas mais à frente. Em relação à ideologia, é bom dizer que a nossa cultura política não é formada com base em partidos ideologicamente fortes. A ideologia acabou de uma vez por todas. Nunca um governo agiu como agora está fazendo o PT no Governo Federal. Ele está acolhendo em seus quadros aqueles que antes ele condenava abertamente, a quem chamava de antiéticos.
Quais as suas impressões a respeito da reforma política?
Não acredito na reforma política neste momento. Estamos em um ano eleitoral e qualquer reforma agora seria casuísmo. Portanto, vamos disputar as eleições com as regras atuais. Por outro lado, muitos dos políticos que falam nesta reforma não a querem de fato. Senão ela já teria saído. Uma reforma política envolveria uma série de temas que, por sua vez, envolvem vantagens e desvantagens a estes políticos. Gostaria de ver alguns pontos desta reforma aprovados, como o voto distrital misto. A lista partidária tem vantagens e desvantagens. Pode fortalecer os partidos, mas dará muita força aos caciques. Isso porque quem organiza a lista terá vantagens, a não ser que haja uma efetiva participação da militância partidária na escolha dos nomes. O financiamento público das campanhas terá que ser instituído daqui a algum tempo. No entanto, não acho ruim que ele ainda não tenha saído. Por quê? Porque o Brasil precisa de casas populares, melhorar o sistema de saúde, combater o desemprego, armar a polícia. Temos uma série de problemas para tratar antes de financiar campanhas com dinheiro público.
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