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quinta-feira, 1 de junho de 2006

Heloísa Helena 08/12/03

Publicada no dia 08/12/2003 no jornal O Estado de Mato Grosso do Sul.

Resquícios de um PT que deixa saudades
Em entrevista a O Estado, a polêmica senadora alagoana fala de política, traições e do futuro


A senadora Heloísa Helena (AL) deve ser expulsa do Partido dos Trabalhadores (PT). Apesar dos apelos contrários, ela não será perdoada por ter votado contra a reforma da previdência. A avaliação do Palácio do Planalto é que o perdão poderia gerar uma crise com setores moderados e radicais da legenda, que discordam das políticas do Governo, mas votam a favor delas no Congresso. Uma simples repreensão à senadora acabaria por arranhar a autoridade di presidente Lula e do presidente do partido, José Genoíno. Apesar da decisão tomada, o fato, ao ser consumado, deixará uma ranhura na imagem do partido e deve enterrar para sempre os últimos resquícios que o definiam como um partido de centro-esquerda. Em entrevista a O Estado, a senadora Heloísa Helena sua situação no partido e fala, também, do futuro.

Victor Barone

O líder do PMDB no Senado, Renan Calheiros (AL), convidou-a para se filiar ao partido. Há esta possibilidade?
Como disse ontem, isso só pode ser uma brincadeira. Não há essa hipótese.

Se a senhora for expulsa do PT, ingressará em qual partido?
Não estou pensando nisso ainda. Quando o PT não representar mais os sonhos de todos os lutadores do povo que o ajudaram na sua construção, sem dúvida eu irei me predispor a construir algo novo. Podem até colocar a negrinha no tronco, mas vão ter de se esforçar muito para fazer com que eu saia. O PT não é patrimônio de uma burocracia dos palácios, nem de uma cúpula. É patrimônio de quem o construiu.

A senhora pretende mesmo fazer sua defesa durante o processo de expulsão (que deve ocorrer no dia 13, com a presença do presidente Lula)?
Não estou preocupada com isso. Sobre o fato de Lula poder estar presente, é absolutamente normal. Afinal ele é como eu, membro do diretório nacional. Isso não muda em absolutamente nada a minha posição. Aliás, acho engraçado o fato do meu julgamento estar marcado para o dia 13 de dezembro (dia do decreto do AI-5, ato institucional que cassou direitos políticos durante a ditadura militar). Espero que esse exemplo de intolerância da história do País não se repita.

Quando a senhora proferiu o seu voto contra a reforma da previdência, sabia que estava assinando sua expulsão do partido? Ou havia esperança?
No meu discurso, disse que sabia o significado que este gesto poderia ter. Mas disse, também, que queria que todas as pessoas que por mim têm carinho, afeto, respeito, soubessem que, apesar da tristeza profunda que senti naquele momento, me sentia também feliz por ser uma mulher livre.

Houve uma tentativa, uma pressão, para que a senhora se sentisse culpada naquele momento?
Foi como eu disse. Se a cúpula palaciana ou a base de bajulação quer ostentar melhor a estrelinha do PT no peito, não vai poder ostentar mais do que eu, que tenho o direito a faze-lo também, porque dei os melhores anos da minha vida para construir o Partido dos Trabalhadores, enfrentando o crime organizado, enfrentando a oligarquia degenerada, decadente e cínica. Como disse no meu discurso no dia da votação, não compartilhei com a suposta coexistência pacífica e cínica entre carreiristas obsecados, entre neoliberais de carteirinha, entre prisioneiros dos cárceres do poder, porque sou uma mulher livre e sei que a liberdade ofende! A liberdade ofende os que têm que se justificar, os que têm que abrir mão de suas convicções. Por isso, votei como o PT votou seis vezes quando combateu, em 1998, a reforma que Fernando Henrique apresentou.

Pelo estatuto do PT, o parlamentar tem de seguir o voto da bancada. Isso não é motivo suficiente para que o partido adote uma medida punitiva contra a senhora?
Eu pedi para que não solicitassem de mim uma posição típica da vigarice política. Do jeito que a reforma está eu não poderia votar a favor.

O argumento é de que a senhora estaria incentivando a indisciplina partidária.
Não faz sentido. Ninguém pode querer que eu vá contra coisas que eu defendi a vida toda. Não podem querer que eu mude o meu comportamento em relação às críticas que tenho feito contra as reformas constitucionais. Não sou oposição ao governo, mas existe uma diferença muito grande entre ser base de sustentação e base de bajulação. Eu não teria coragem de olhar nos olhos dos meus filhos sendo integrante da base de bajulação. Uma das coisas que mais me machucam é ver alguns delinqüentes da política brasileira ao lado do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

O tratamento que o PT vem dando aos seus adversários históricos tem sido diferente do que vem dispensando a senhora?
Alguns dirigentes do PT foram mais atenciosos e carinhosos com Antônio Carlos Magalhães do que comigo.

A senhora acha correto fazer parte da base de apoio ao Lula e, mesmo assim, ser contra o que os líderes consideram interesse do governo?
A sociedade está disposta a discutir as reformas e é isso o que eu estou tentando fazer. Discutir os projetos, expondo os meus pontos de vista. Nossa experiência mostra que não podemos ficar como reféns dos gigolôs do FMI, que vivem do parasitismo do mercado financeiro. A minha coerência política não me permite ficar calada em relação às reformas como estão sendo propostas pelo governo. Na época do presidente Fernando Henrique Cardoso, eu sempre critiquei alguns pontos das reformas e não havia contestação por parte do PT. Critico hoje as mesmas coisas e não posso, não admito, ser chamada de vigarista política simplesmente porque não aceito tudo como está.

Então o PT a elegeu como “exemplo”?
Na idade média, as bruxas eram queimadas nas fogueiras, não apenas para promover um grito de dor ou uma angústia pessoal. Era para que os gritos de dor e as labaredas avisassem aos demais rebeldes que isso poderia acontecer a eles. Estão trabalhando um clima de ameaça, de intolerância, que colide com a história de democracia interna do PT. O PT não é isso. Ele nasceu criticando a experiência do centralismo burocrático. Do ponto de vista estatutário, é um desrespeito com a história do partido.

A senhora acha que foi traída?
Me sinto muito desrespeitada. Dediquei a minha vida para construir este partido. Durante estes três anos como senadora, defendi bravamente, em todos os momentos, a honra do companheiro Lula e dos dirigentes em momentos extremamente difíceis. Eram, praticamente, brigas de tapa quando as lideranças do Governo FHC atacavam a honra e a dignidade do companheiro Lula. Ser expulsa porque estou defendendo o que eu aprendi no PT? A minha concepção programática de reforma eu não aprendi em cartilha pessoal. As convicções e a visão do mundo eu aprendi na minha militância dentro do Partido dos Trabalhadores. Se alguns querem mudar, têm todo o direito de fazê-lo. Mas não imponham a mim que eu crie um abismo entre o que defendi alguns meses atrás e o que defendo hoje. Se alguém mudou, não tem problema. Reconheça os erros perante a opinião pública, reconheça a mudança do conteúdo programático que foi apresentado à sociedade. Agora, não queira agir com a minoria de forma truculenta.

Qual a sua opinião sobre a influência do presidente nesta questão?
Prefiro não trabalhar com a individualidade. Eu sei que a subjetividade humana é muito complexa, mas estou profundamente triste com esta situação.

A senhora vai se candidatar à Prefeitura de Maceió?
Não sei. Eu gostaria muito de ser candidata à prefeita. Todo mundo sabe que eu queria muito disputar.

A senhora foi contra a aliança com o PL, mas, ultimamente, o grande crítico da política de juros do Governo Lula tem sido o vice-presidente José Alencar, que é do Partido Liberal.
O vice José Alencar era o meu vizinho de gabinete. Eu sempre tive com ele uma relação muito tranqüila e de respeito. Quando ele me procurou para comunicar que iria ser o9 candidato a vice de Lula, eu lhe era contra a política de aliança. Afinal, ela não era compatível com o que, ao longo da história, nós defendemos. Mas o que ele está a defender hoje, ele já p fazia quando estava no Senado. Nos três anos que estou lá, sempre vi o vice-presidente defendendo – tanto na Comissão de Assuntos Econômicos quanto no plenário – a queda da taxa de juros, a desoneração do setor produtivo e a reforma tributária.

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