Semana On

quinta-feira, 1 de junho de 2006

Cristovam Buarque 23/10/05

Publicada no dia 23/10/05 no jornal A Crítica

Uma revolução pela educação

O senador Cristovam Buarque (PDT-DF) inaugurou a debandada de parlamentares do Partido dos Trabalhadores e, em sua nova legenda, agora encontra espaço para defender suas idéias e sustentar uma possível candidatura à presidência da República nas eleições do ano que vem. Em entrevista exclusiva concedida ao jornal A Crítica, o senador fala da necessidade de priorizar a educação para fortalecer o processo de construção de um Brasil mais forte e solidário, do atual papel da esquerda e sustenta as críticas que vinha fazendo ao PT mesmo antes de deixar suas fileiras.

Victor Barone

Qual é a revolução necessária para a educação no Brasil?
Primeiro: não ter uma criança fora da escola. Ainda temos um milhão e meio. Segundo: fazer com que a escola seja capaz de atrair as crianças para ali ficarem até o final do ensino médio, todas elas. Porque no Brasil se fala que temos 95% das crianças na escola, mas o que temos é 95% das crianças matriculadas, muitas não vão à escola, ou vão até a 4ª série e abandonam. Terceiro: fazer com que estas crianças cheguem até o final da 4ª série em escolas de qualidade.

Como fazer isso?
É preciso fazer com que a educação básica seja uma preocupação nacional, federal e não uma preocupação apenas municipal. Porque há prefeituras ricas e pobres, há prefeitos que gostam da educação e prefeitos que não gostam da educação. Então, é necessário criar um sistema nacional de educação, criar uma Escola Brasil. Não existe a Petrobrás? Não existe o Banco do Brasil? Porque não a Escola do Brasil?

Como se daria esta Escola do Brasil?
Mantém-se a descentralização gerencial nas mãos dos municípios, mas define-se quatro padrões mínimos que todas as 180 mil escolas brasileiras terão que cumprir. O primeiro padrão é o de salário e formação. Quem decide a formação mínima de um professor não é o município, é a União, quem paga o salário padrão dos professores é a União e não o município. O segundo ponto diz respeito à educação e equipamento. Nenhum prefeito fará escolas sem banheiro, sem luz elétrica, sem janela, com piso de areia, com teto de zinco, como hoje existem 30 mil no Brasil. O terceiro padrão é o de conteúdo. Toda escola tem que ter um conteúdo mínimo para cada uma das séries. No primeiro grau tem que saber os números, na 3º série tem que ter aprendido a ler, etc. O quarto padrão a ser seguido é uma Lei de Responsabilidade Educacional a ser seguida pelos prefeitos.

Como ela seria aplicada?
Do mesmo modo que há uma Lei de Responsabilidade Fiscal na qual o prefeito não pode deixar de pagar ao banco, teríamos de ter uma Lei de Responsabilidade Educacional onde o prefeito não poderia deixar de alfabetizar. Defina-se metas razoáveis, não milagrosas, que ele terá que cumprir.

Para tudo isso é preciso dinheiro.
Sim. Para que tudo isso aconteça é preciso que o Governo Federal coloque mais dinheiro na educação básica. Hoje, o Governo Federal praticamente só coloca dinheiro na educação superior e técnica. Dos R$ 22 bilhões aplicados na educação, apenas R$ 5,8 bilhões vão para a educação básica. Mesmo assim é só para comida, merenda, transporte e livros. Não é para salário, para fiscalização, para uma bolsa-escola séria. Para que tudo isso seja feito, o Governo Federal tem que ter um Ministério da Educação Básica, assim como há em muitos paises. Enquanto o MEC cuidar de universidade e de escola básica, só quem mandará é a universidade. A educação básica ficará de fora. No Brasil o ministro da Educação não tem nada a ver com a educação básica, o presidente não tem nada que ver com a criança, é o prefeito o único responsável. É engraçado isso. Temos que fazer com que a criança que nasça em qualquer cidade do Brasil seja brasileira. Hoje ele é não é brasileira, ela é municipal.

Porque esta visão revolucionária da educação não foi aplicada por um governo do qual se esperava tantas revoluções?
Porque o PT nunca foi o partido da educação. O PT chegou a ser o partido dos professores, por ser um partido sindical. Eu sempre disse isso, faço questão de ressaltar. Não estou dizendo isso agora porque estou fora do PT. Sempre disse. A diferença é que antes eu acreditava ser possível mudar o PT. Sempre disse que via três gerações no PT: a geração heróica, no começo, a geração reivindicatória e a geração propositiva. Nós não conseguimos trazer a geração propositiva à tona, ficamos na reivindicatória. Então, o PT não é um partido da educação.

E o Lula? Como o senhor avalia o interesse dele pela educação?
O Lula não se interessa pela educação básica. Interessante isso. Ele só se interessa pela universidade, mesmo assim por causa das pressões sindicais. Porque universidade tem sindicatos. Então ele se preocupa com estes sindicatos. Mas com educação básica não há uma preocupação. O que eu consegui fazer como ministro, por exemplo, a certificação federal de professores, o programa de erradicação do analfabetismo, a implantação da chamada Escola Integral que ia revolucionar a cidade inteira - era como se fosse um CIEP do Brizola, mas não de uma escola e sim de uma cidade inteira. Tudo isso eu fiz por conta e risco meu. Aliás, mais risco do que conta. Nunca tive apoio e assim que saí do Ministério da Educação tudo isso parou. O PT não é um partido da educação. Isso é uma das coisas que me atrai do PDT. O PDT, diga-se o que quiser, sempre foi um partido que colocou a educação em primeiro lugar. O Brizola foi o único dos grandes lideres, e aí incluo Getúlio e Goullart, que colocou a educação como o centro do seu projeto.

Qual o futuro do PT?
Nos próximos 5, 6 ou 10 anos, haverá uma luta interna fratricida que poderá levar, inclusive, a divisão da legenda em dois ou três partidos. Uma luta interna querendo encontrar um rumo que não tem hoje. Depois, creio, se o partido se mantiver e for capaz de formular um conjunto de idéias que saiam da visão simplesmente de São Paulo para uma visão brasileira, que for capaz de incluir os interesses populares e não apenas os interesses dos trabalhadores, que for capaz de ver que os interesses do povo não estão apenas nas migalhas da bolsa-família, mas sim na transformação através de uma boa educação, que for capaz de enfrentar as corporações em nome do povo brasileiro, aí eu acho que poderá o PT poderá vir a ser um grande partido.

O senhor acha o PT e o presidente Lula frustraram o povo brasileiro com as promessas feitas e a realidade prática do seu Governo?
Frustraram, sem dúvida alguma. Frustraram o povo, às classes médias. Não frustraram aqueles que estão recebendo a bolsa-família, que não tinham nenhuma expectativa. Os que tinham expectativa foram frustrados. E é claro, superaram do ponto de vista positivo aqueles que temiam a irresponsabilidade fiscal, o descontrole financeiro. Neste sentido, foi ao contrário da frustração. Os que esperavam se frustraram, os que temiam, creio, estão satisfeitos.

O que sobrou para a esquerda hoje?
O que sobrou para a esquerda é uma grande perplexidade de grupos de seres humanos que queriam mudar o mundo a serviço das massas, mas que no processo do neoliberalismo foram incorporados entre os beneficiários e se distanciaram das massas. Aumentou a desigualdade entre o trabalhador industrial, o operário, e o povo pobre. Esta brecha crescente fez com que a esquerda se transformasse na esquerda dos trabalhadores modernos. Tem uma metáfora melhor. A esquerda mundial hoje se transformou na esquerda branca que havia na África do Sul, que defendia altos salários para os trabalhadores brancos, mas que queria manter o apartheid. A esquerda que esta aí é a esquerda do mundo do apartheid, fazendo parte do lado dos privilegiados. Por exemplo, a esquerda européia que não autoriza a imigração dos africanos e nem quer abrir mão de privilégios para que se invista na África. É uma esquerda egoísta. Uma esquerda da classe trabalhadora, mas não das massas.

Há saída para a esquerda?
Temos que descobrir uma maneira de ter uma esquerda que seja a ponte entre os trabalhadores e as massas excluídas. Através de políticas públicas e não apenas através de salário. Uma esquerda, finalmente, que entenda que a mais valia que Marx descobriu, hoje, não é mais bipolar (capitalista e trabalhador) ela é triangular e engloba capitalistas, trabalhadores e massas excluídas. Existe uma exploração dos trabalhadores aliados aos capitalistas contra o povo excluído.

Como o senhor está se sentindo na nova casa, o PDT?
Posso dizer que me sinto em um quarto diferente, mas a casa é a mesma: das forças progressistas brasileiras. Eu sempre disse que eu era um petista brizolista. Em 1989, eu votei em Brizola. Somente no segundo turno votei em Lula. Eu não era filiado ao PT e a nenhum outro partido. Muita gente pensa que já fui do PDT. Não: eu sempre fui brizolista e um discípulo de Darcy Ribeiro. Eu me sinto em casa no bloco da esquerda brasileira e, ao mesmo tempo, me sinto em casa no partido que foi do Brizola e que sempre colocou a educação em primeiro lugar.

A escolha baseou-se nas chances do senhor ser candidato a presidente da República?
Não, porque não podemos garantir que o partido terá candidato. Acho que será um só do PDT, do PPS e do PV. Além disso, quem entra agora, como eu, não tem direito de exigir nada. O Jefferson Peres (senador pelo Amazonas) tem muito mais tempo de PDT e é um nome capaz de ser esse candidato. E outros podem surgir com mais condições de influenciar, atrair pessoas novas. Já existe muita conversa, mas os detalhes cabem às direções partidárias. E eu não me considero ainda um dirigente do PDT, mas espero vir a ser e participar desse processo.

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