Semana On

quinta-feira, 1 de junho de 2006

José Serra 16/02/04

Publicada no dia 16/02/04 no jornal O Estado de MS

José Serra questiona os rumos do Governo Lula
Presidente nacional do PSDB alerta para as contradições do PT


A visita do presidente nacional do PSDB, José Serra, ao Mato Grosso do Sul, na última sexta-feira, foi rápida, importante e recheada de momentos interessantes para quem quer entender a estratégia que o maior partido de oposição ao Governo Lula pretende implementar daqui para frente, com vistas á sucessão de 2006. Em meio à disputa por informações, a reportagem de O Estado teve a chance de formular alguns questionamentos ao líder tucano em sua chegada ao Aeroporto Internacional de Campo Grande. Única equipe da imprensa local a esperar o desembarque de Serra, pudemos fazer ao presidente do PSDB as perguntas que o leitor de O Estado tem o privilégio de acompanhar a seguir, com exclusividade.

Victor Barone

O presidente Lula disse ontem que o Brasil caminha para o bipartidarismo e que um dos partidos que estará figurando neste cenário será composto por membros do PT e do PSDB, pessoas que, segundo o presidente, têm pensamentos comuns, Qual sua análise sobre esta afirmação?
Veja que o Lula tem tempo até para fazer incursões na ciência política. Este é o lado, digamos assim, politólogo do presidente. Mas, realmente, eu prefiro debater com ele as questões que são de importância para o Brasil. Tomara que ele encontre tempo também para debater de forma séria o flagelo do desemprego, a desativação do programa de erradicação do trabalho infantil ou essa estranha idéia de utilizar o Fundo de Garantia para socorrer os desabrigados da chuva.

O presidente disse também que o PSDB está mais próximo ao seu governo do que pode imaginar. O sr. concorda?
O que o presidente entende por proximidade é, na verdade, o modo tucano de fazer oposição. O Lula deve estar surpreso com a nossa forma de fazer oposição. Não é aquela que o PT fazia, do “quanto pior melhor”. Nós criticamos e fiscalizamos, mas também estamos dispostos a trazer propostas que melhorem as coisas. Certamente, esta conclusão dele é em função desse nosso papel.

Qual sua posição sobre a afirmação do presidente de que o sr. não será candidato à Prefeitura de São Paulo pois “sabe que iria perder”?
Não sou candidato em São Paulo.

O sr. acredita que o PSDB poderá se reorganizar após a derrota eleitoral de 2002 a ponto de fazer frente ao PT nas eleições de outubro e, em especial, na sucessão presidencial de 2006?
O PSDB está unido em torno de idéias muito claras. Nossos objetivos são claros à sociedade e eles serão fortalecidos durante a campanha. Somos um partido que não tem problemas com o seu passado. Nós podemos falar do que fizemos, o que fazemos e o que vamos fazer com a cabeça erguida. Aquilo que nós dizemos em campanha nós fazemos, fazemos ou faremos quando no governo. Não precisamos ficar dando explicações. Isso é muito importante na vida pública. Não ter problemas com o seu passado. Nós mudamos segundo as mudanças de nosso País, que se fazem a médio e longo prazo. Mas não mudamos nosso discurso dois meses depois de eleitos.

O sr. acha que isto está ocorrendo no Governo Lula?
Eles (o Governo Lula) têm perdido muitas oportunidades por não saberem direito o que fazer. Estão deslumbrados, tomam medidas equivocadas. A única área na qual eles têm feito um bom trabalho é no marketing. O resultado mais notável é p sucesso do Fome Zero. Um programa que ninguém sabe direito o que é, que não existe concretamente, mas que do ponto de vista do marketing está sendo muito bem usado. Há 26 programas integrando o Fome Zero, 17 deles vindos do governo passado. Entre eles a velha merenda escolar, a alfabetização de adultos e o registro civil gratuito. Este fenômeno ainda será tema de teses de mestrado e doutorado nas faculdades de comunicação: como pôde um programa social puramente virtual se transformar num sucesso real, nacional e internacional. O Bolsa Família é outro caso de êxito publicitário. Até o jornal The New York Times acreditou que as transferências de renda às famílias pobres triplicaram, quando diminuíram em relação a 2002. Isso foi demonstrado com números. O programa não somou recursos novos. O cadastro único que estão usando também foi deixado pelo governo passado, mas até agora não aperfeiçoaram nada. Algumas ações até foram enfraquecidas, como o Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (Peti), a fim de direcionar recursos para programas fracassados, como a distribuição de leite, fonte de clientelismo político-eleitoral no passado. Sem falar na falta de critérios no atendimento a governadores e prefeitos.

Como assim?
O tratamento que o Governo Lula vem dando a governadores e prefeitos da oposição é discriminatório. Basta fazermos uma comparação com o que ocorre hoje em Brasília e o tratamento que Fernando Henrique Cardoso dava à oposição. Um bom exemplo está aqui, em Mato Grosso do Sul. O governador Zeca do PT cansou de fazer elogios mão Fernando Henrique. Isso porque, apesar de sermos do PSDB, no governo nós olhamos para o Estado pensando na sua necessidade de desenvolvimento e na sua população. Nunca sob as lentes partidárias. Nunca com discriminação. Quando governava, o PSDB não pensava que o governo de MS era do PT, mas sim da população. É uma relação oposta da que o PT tem hoje com os nossos governadores.

O PSDB estava a par das denúncias feitas contra o ex-subchefe de Assuntos Parlamentares da Presidência da República, Waldomiro Diniz, que teria recebido dinheiro para a campanha petista e para interferir em licitações?
Não sabíamos disso. Eu mesmo fiquei sabendo no avião, enquanto vinha para Campo Grande. O que deve ocorrer agora é uma investigação séria, sem protecionismos, sem procura por bodes expiatórios. O PSDB vai cobrar uma posição do governo. Nós já havíamos pedido uma investigação a este respeito no ano passado.

Apesar de todas estas críticas, o Governo Lula ainda apresenta bons índices de popularidade. Até quando o sr. acha que esta “lua-de–mel” entre o presidente e a população vai durar?
A verdade é que, até o momento, o Governo Lula desfrutou de uma situação afortunada. Na área internacional, os juros são os mais baixos em décadas, os preços das exportações altamente favoráveis e a demanda pelos produtos brasileiros, dinâmica. Internamente, há uma conjunção de fatores subjetivos. Um grande crédito de confiança dado por quem votou e por quem não votou no PT. Isso significa muita paciência e compreensão, no sentido de que o governo não pode tudo e é preciso dar-lhe tempo. Ás elites e a muitos setores que não votaram em Lula agradou o fato de o PT não ter feito nada do que sempre pregou em matéria econômica. O governo passou a ser bem visto pelo que não fez. Há um ambiente de imprensa favorável, o Ministério Público encerrou os excessos. Por fim, o governo tem enorme capacidade de centralizar e manejar a máquina de publicidade.

E o papel da oposição nesse processo?
A oposição está longe do “quanto pior, melhor”, marca da oposição que o PT fez a Fernando Henrique. A oposição procura e, por vezes, consegue aperfeiçoar as propostas. Nós não fazemos uma oposição negativa. Nosso interesse é fazer com que o País se desenvolva, e, nesse sentido, colaboramos quando temos que colaborar. Isso não quer dizer que estejamos apoiando as ações do governo em sua íntegra. Em verdade, em grande parte, estas ações não são vistas com bons olhos pelo PSDB. Muita coisa está errada.

Como o sr. analisa a dubiedade entre p discurso do PT antes da eleição de Lula e a sua prática política à frente do Governo Federal?
Esta dualidade entre discurso e prática, e entre as práticas, no fundo é uma estratégia. Reflete despreparo, confusão, mas é também funcional e útil. É como se cada lado do partido falasse a um público diferente. Veja os flagelados pelas enchentes. São confortados quando ouvem o presidente culpar governos passados e contar seus sofrimentos da juventude. Enquanto isso, instituições internacionais aplaudem o corte de investimentos, até contra enchentes, para garantir o aumento do superávit primário. Eu diria que o PT, no governo, tudo esqueceu e nada aprendeu. Não aprendeu com seus erros e nem com os dos outros, inclusive os nossos. Por isso, aplicam, orgulhosos, uma política de metas de inflação, como coisa de Primeiro Mundo. Aplicam de forma tosca e ignoram discussões a respeito do que ocorre no hemisfério norte, de onde veio a receita.

O sr. tem criticado a política econômica de Lula, embora ela repita a de Fernando Henrique Cardoso. O sr. faria algo diferente?
Não é produtivo o debate sobre o que eu teria feito, pos perdi a eleição. Relevante é analisar o que está sendo feito e apontar incoerências para ajudar o Brasil. Faz-se um discurso terceiro-mundista, denuncia-se o modelo perverso de desenvolvimento, fala-se mal da comunidade financeira internacional. Mas a política econômica segue à risca os manuais dessa comunidade. E, rigorosamente, nenhum novo modelo de desenvolvimento está sendo proposto ou praticado.

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