Publicada no dia 29/09/2003 no jornal O Estado de Mato Grosso do Sul
Frei Betto: “Fome Zero está andando e não é assistencialismo”
Assessor especial do presidente Lula rebate críticas ao programa Fome Zero
O Assessor Especial da presidência e coordenador de Mobilização Social do Programa Fome Zero, Frei Betto, acompanhou o presidente Luiz Inácio Lula da Silva em sua viagem a Cuba, na semana passada. Frei Betto pronunciou conferência na Universidade de Havana, sobre o andamento do programa, a convite da Casa de las Américas. Foi na universidade, fundada pelos frades dominicanos no século XVII, que Fidel Castro se formou em Direito. Conselheiro e amigo do presidente Lula há duas décadas, Frei Betto falou a O Estado sobre o tema da conferência proferida na ilha.
Victor Barone
Após explicar aos cubanos o funcionamento do Fome Zero, o que o sr. pode dizer aos brasileiros, em um momento e que se questiona os resultados do programa?
O programa vai bem. As críticas acontecem por desinformação ou por ansiedade injustificada, uma vez que o programa está além das expectativas. Nos primeiros cinco meses de funcionamento, o programa já foi implementado em 191 municípios, nas áreas mais pobres do Brasil. Cerca de 850 toneladas de alimentos foram transformados em cestas básicas, foram liberados R$ 5 milhões para o atendimento a comunidades indígenas do Mato Grosso do Sul e Rio Grande do Sul. Além disso, houve construção de casas populares e investimentos em saneamento básico e programas de saúde. A imprensa ficou viciada em se alimentar de retalhos. É por isso que houve críticas ao Fome Zero, mesmo antes das pessoas o conhecerem. Imaginavam uma coisa que não era. E o cupom? E a nota fiscal? O programa é outra coisa. Imaginava-se uma grande distribuição de cestas básicas no Brasil afora, com carretas levando, com a gente via na época de campanhas anteriores, na época dos flagelados.
Por muitos anos o PT criticou o assistencialismo. Este programa não pode ser classificado desta forma?
O Fome Zero não é assistencialista. O forte do programa é a distribuição de renda e a inclusão social. Basta ver as dificuldades para o cadastro das famílias. As famílias foram inscritas tendo como base as informações do cadastro único para programas sociais do governo anterior. Com a formulação de um novo banco de dados demoraria mais tempo para que o Fome Zero fosse implementado. O cadastro tem que ser revisto com cautela para não prejudicar nenhuma família. Acontecem os casos de famílias cadastradas, mas que têm renda. Aconteceu no governo anterior, não fomos nós que cadastramos. Há uma incidência de aproximadamente 10% de erros ou abuso nos cadastros, mas estes logo são detectados, muitas vezes graças a denúncias da população e prontamente corrigidos.
Qual é a expectativa por parte do governo em relação ao número de famílias beneficiadas pelo programa?
Até dezembro o programa vai chegar a mil municípios, atendendo a dois milhões de famílias. Atualmente o Fome Zero está presente em 194 municípios do semi-árido nordestino e do Vale do Jequitinhonha (MG).
O Brasil é ainda um País de extremos ou o quadro que se pinta é pior do que a realidade?
Ao fazermos um balanço da situação em que vivem as pessoas abaixo da linha de pobreza no Brasil e em outros países, vemos que aqui os direitos humanos são um luxo. Aqui, ainda lutamos por direitos animais. O município de Guaribas (PI), por exemplo, primeiro município a receber o Fome Zero, era uma das cidades com maior índice de mortalidade infantil do mundo (59,9 em cada mim nascidos vivos). Desde março (data em que o programa foi estabelecido no município) nenhuma criança morreu. A erradicação da injustiça social é um desafio para os governos e para o terceiro setor. Aliás, o terceiro setor tem de agir com dinâmica de empreendedor social.
Cargos em ministérios facilitam trabalhos na área social ou a burocracia atrapalha?
Facilita e muito, pois são as ferramentas do Governo Federal. Mas a burocracia tende a dificultar porque a máquina do estado brasileiro foi feita de modo a não facilitar para o povo. Por isso, o presidente Lula faz questão de que o projeto Fome Zero fique ligado diretamente ao seu gabinete.
Qual a forma mais eficaz do cidadão contribuir com a erradicação da fome e da miséria?
Integrando-se aos movimentos sociais parceiros do Fome Zero ou atuando através de voluntariado. Tão logo o governo esteja instalado, o Fome Zero orientará o trabalho voluntário.
No que a experiência da Teologia da Libertação poderá contribuir com as ações sociais do governo?
O Governo Lula é também fruto da Teologia da Libertação. O presidente Lula, enquanto fundador do PT, sempre fez questão de frisar que as Comunidades Eclesiais de Base tiveram mais importância na organização do partido em todo o território nacional do que o sindicalismo, que foi a escola dele. A Teologia da Libertação articula duas dimensões muito presentes na maioria dos quadros políticos que compõem o novo governo: a fé e o compromisso de justiça.
A fome de poder impede a realização de projetos urgentes?
Acredito que não, porque estou convencido, pela amizade que me une a Lula, que o presidente tem fome de justiça, o que é uma bem-aventurança. Se algum membro do seu governo tiver apenas fome de poder, eu espero que ele tenha a presença muito curta no governo. Os projetos urgentes, como o combate à fome e ao desemprego, são prioritários para o presidente.
Quando a população poderá sentir, na prática, as mudanças que este governo propõe?
Olha, eu acho que a população já está sentindo. Pelo voto de confiança, pelo andamento da reforma da previdência, da tributária, enfim. O governo ainda é muito recente para a gente mostrar resultados mais palpáveis. Nem a gente está com esta preocupação porque não há uma lógica demagógica do governo. Nós vamos dar o passo de acordo com as pernas.
O Governo Lula vai ter dinheiro para dar prosseguimento ao Fome Zero?
Todos os indicativos que se apresentam é de que há verba sim. Está tudo dentro dos conformes. Há uma previsão de que teremos disponibilidade de aproximadamente R$ 45 bilhões destinados á questão social. Por outro lado, há também muitas parcerias internacionais sendo apresentadas, como a do Bird e a do Banco Mundial, por exemplo. Além disso, vamos contar também com uma grande mobilização voluntária por parte da população brasileira. Sentimos a cada contato com essa gente que há um entusiasmo com o projeto. De modo que acho que não haverá risco de que o Fome Zero seja atrapalhado por falta de recursos. O fato é que é óbvio aos olhos de qualquer brasileiro que há fome no País e que precisamos encontrar as políticas mais eficazes para combatê-la.
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