“Aqui há um ditado popular que diz que ninguém é mais que ninguém”
“Conhecer
Mujica é constatar o quanto estamos submetidos a deformações de poder que
transformaram nossos governantes em semi-deuses perdulários e insinceros,
cercados de aparatos e ostentação, como se estivessem em outra esfera humana
cumprindo (?) missões além da nossa compreensão” diz Miguel Ángel Bastenier no
prefácio de Mujica: a revolução tranquila, ensaio biográfico do jornalista Mauricio
Rabuffetti sobre a vida do ex-presidente Uruguaio.
A obra trata da
trajetória do ex-guerrilheiro Tupamaro que alçou-se a presidência do país com
um discurso no qual os valores de esquerda se debruçaram sobre a luta pelas
liberdades individuais. “Uma verdadeira política progressista, aquela em que a
esquerda é a esquerda, e que afeta a redistribuição de renda e a igualdade de
oportunidades é virtualmente impossível em um mundo dominado pelo capitalismo neoliberal.
Por isso, alguns homens de esquerda adotaram o discurso da esquerda moral, a
dos direitos individuais”, afirma Bastenier resumindo bem o governo de Pepe
Mujica.
Compreender o fenômeno
Mujica é saber separar o discurso da prática. Não no mal sentido, de quem age
de forma hipócrita diante do próprio discurso, mas no sentido pragmático, de
compreender que há um caminho correto a ser seguido, mas, ao mesmo tempo, ser
consciente de que há limites estruturais, educacionais e sociais que não podem
ser superados sem o envolvimento da própria sociedade.
“Prometemos
uma vida de excessos e desperdícios, que no fundo, constitui uma contagem regressiva
contra a natureza, contra a humanidade no futuro. Civilização contra a simplicidade,
contra a sobriedade, contra todos os ciclos naturais e, pior, civilização
contra a liberdade que significa ter tempo para viver as relações humanas e as
únicas que importam: amor, amizade, aventura, solidariedade, família. Civilização
contra o tempo livre que não tem preço, não se compra, e que nos permite
contemplar e observar o cenário da natureza”, disse Mujica em um discurso na
ONU em 2013.
Sua retórica
anti-consumista, em prol de uma nova relação entre desenvolvimento, meio
ambiente e felicidade, esbarrou inexoravelmente na prática governamental. Seu
Governo não fracassou, mas não pode avançar em direção a políticas que
reconstruíssem a dinâmica da economia, que invertessem a lógica do consumo
desenfreado tão duramente criticada por ele.
Por outro lado,
no campo dos direitos individuais, Mujica foi um campeão. A política de
regulamentação da maconha, pioneira, é uma experiência que deve ser fruto de
aprofundados estudos. A regulamentação do aborto, independente de nossas
convicções pessoais, mas como um direito da mulher, foi outra luta bem sucedida
de seu governo. Da mesma forma, a regulamentação do casamento entre pessoas do
mesmo sexo transformou o Uruguai em um dos países mais tolerantes das Américas.
“Vivemos em um
mundo no qual se acredita que aquele que triunfa deve possuir muito dinheiro,
ter privilégios, uma casa grande, mordomos, muitos servidores, férias
superluxuosas. Entretanto, eu acho que esse modelo de sucesso é apenas um modo
idiota de se complicar a vida. Eu acho que quem passa a sua vida acumulando riqueza
está doente assim como um toxicodependente, deveria se tratar”, diz Mujica.
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