Semana On

domingo, 19 de agosto de 2012

A mendicância como arte: a dicotomia entre a beleza e o horror no velho mundo


Em Roma visitei a Basílica de São João, que abriga a chamada Escada Santa – parte do palácio de Pilatos, a escada teria sido trazida de Jerusalém, no século IV, por Santa Helena, mãe do imperador Constantino. Foi por ela, reza a lenda, que Jesus Cristo subiu, após ser flagelado, para ser apresentado ao povo. Impressionante. Movidas pela fé, as pessoas sobem de joelhos aqueles degraus agradecendo por graças recebidas ou clamando por ajuda ou perdão.

Na escadaria que dá acesso às portas da Basílica deparei-me com uma cena tão tocante quanto às demonstrações de fé que presenciei em seu interior. Uma cena comum nos pouco mais de 20 dias que passei na Europa entre julho e agosto. A mendicância. Uma senhora, apoiada em uma bengala, o corpo trêmulo, mão direita estendida, suplicava alguns euros aos transeuntes. Havia visto o mesmo em Florença, Pisa e Atenas. Veria o mesmo em Paris, poucos dias depois. Mas, a mendicância em Roma, de fronte aos suntuosos palácios levantados pela religiosidade é especialmente chocante.

Dirigi-me a um padre ao meu lado e perguntei a ele como a Igreja Católica lidava com esta dicotomia tão violenta entre a beleza dos monumentos sacros que se espalham pela cidade e o horror da pobreza às suas portas. Ele balançou a cabeça, me olhou e disse: “Eu não acredito nisso. Estas pessoas são exploradas por gangues de ciganos que as obrigam a mendigar. Há quem faça 300 euros em um dia”.

É fato que o tráfico de seres humanos é um problema grave na Europa, tanto para fins de exploração sexual como para a mendicância organizada. O tráfico humano para fins de mendicância têm como alvo principal os grupos de ciganos ROM, provenientes da ex-Iugoslávia e da Romênia, mas também pessoas vindas de Bangladesh, do Marrocos e da África Subsaariana.

É fato também que a maior parte da mendicância com que me deparei na Europa é estilizada ao extremo. Caminhando por Florença me deparei com uma senhora deitada sobre um meio fio. A metade inferior do corpo entre dois carros estacionados, a outra metade na calçada. A mão esticada, trêmula. Aquilo me atingiu violentamente. Tirei um euro do boldo e ofertei. Um dia depois, passando pela mesma rua, encontrei a mesma senhora, na mesma posição. Desconfiei. A maior parte dos mendigos europeus adota uma postura quase “artística”. Postam-se de joelhos, deitados, o rosto coberto, mãos esticadas, trêmulas, o restante do corpo imóvel. Um amálgama de expressão corporal e arquiteturas que se mesclam.

A pobreza é visível na Europa. Parte ou não de um esquema orquestrado, aquelas pessoas são vítimas, de qualquer forma. Vítimas de gangues organizadas e do caos econômico que as obriga a mendigar. De um jeito ou de outro, sua condição me agride a alma. Diante de tanta beleza e história, entre as imagens que mais marcaram minha viagem ao Velho Mundo está a destas pessoas anônimas.

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