Semana On

terça-feira, 1 de junho de 2010

Assassinato de dez deteriorará ainda mais imagem de Israel

Por Gustavo Chacra

Israel assassinou dez pessoas de uma frota que levava ajuda humanitária para Gaza. A ação ocorreu quando os militares israelenses tentavam obstruir os barcos que seguiam para a costa do território palestino. Segundo o governo de Israel, os comandos teriam sido vítimas de linchamento por parte dos membros da denominada “frota da paz” que utilizavam “barras de ferro e facas”, segundo o Haaretz. Neste caso, onde supostamente haveria risco de os soldados morrerem, o Exército autoriza os disparos.

De acordo com os primeiros relatos, não houve uso de armas de fogo por parte dos ativistas, aparentemente. Mas não tenho condições de saber quem diz a verdade ou se as informações são corretas. Apenas sei que pelo menos dez pessoas morreram, assassinadas pelos militares israelenses.

Israel teria condições de usar armas de efeito moral, e não letais. Há como evitar ataques de faca sem matar uma pessoa. Além disso, os israelenses haviam invadido uma embarcação e os tripulantes normalmente tendem a resistir em qualquer lugar do mundo. De qualquer maneira, eu não estava no barco, não sei como estava o cenário e até que ponto era questão de vida ou morte para os israelenses. Pode ser que sim, poder ser que não. Apenas o tempo, a análise das imagens e uma investigação independente poderá nos dizer.

Claramente, o episódio não precisava ter chegado ao ponto da confrontação. Conforme afirmou o jornal israelense Haaretz, o Exército de Israel poderia ter chegado a um acordo antes para apenas verificar a carga em alto mar e deixado eles passarem, e não obrigá-los a desembarcar na costa israelense. Seria uma iniciativa pró-paz e, certamente, a frota, que levava um Nobel da Paz, parlamentares europeus e um sobrevivente do Holocausto, não carregava mísseis para o Hamas. Sem falar que não são apenas armamentos que os israelenses banem de Gaza, mas também alguns alimentos banais.

O vice-ministro das Relações Exteriores de Israel, Danny Ayalon, diz que membros da Al Qaeda estavam no barco. Neste caso, não consigo acreditar. A Al Qaeda nunca se envolveu com a questão palestina (nunca realizou um atentado em Israel), é inimiga do Hamas, odiada pelos palestinos e, acima de tudo, a Turquia, integrante da OTAN e radicalmente contra o terrorismo islâmico, não permitiria a entrada de membros da rede de Bin Laden no barco.

Independentemente do que tenha ocorrido, a imagem de Israel já se deteriorou ainda mais em países da Europa e de todo o mundo, onde o governo israelense aos poucos começa a ser tratado como pária. A alta comissária da União Européia para Assuntos Internacionais pediu o fim imediato do bloqueio a Gaza. Dois integrantes da ONU dizem que a operação israelense foi realizada em águas internacionais – não sei se é verdade. A França e a Alemanha se disseram “chocadas” e os EUA lamentaram as mortes. Outros países convocaram embaixadores israelenses para prestar esclarecimento.

Jornais de São Paulo a Nova York, de Paris a Beirute, dão manchete para “Israel mata ativistas” nas suas edições na internet. É isso que os israelenses querem? A imagem de assassinos?

A frota era uma tática de propaganda de organizações pró-Palestina. Eles pretendiam mostrar ao mundo como funciona o bloqueio israelense. Em vez de lançar foguetes, como o Hamas, optaram por um ato de resistência pacífica – caso realmente não tenham usado armas, mas seria impensável um grupo de civis querer lutar contra os bem treinados soldados israelenses.

Não imaginavam, certamente, que Israel se superaria e mataria dez pessoas. No fim, os israelenses multiplicaram a importância do episódio. Na cabeça de muitos ao redor do mundo, Israel passou a ser “o mau” do conflito com os palestinos. Os ataques de foguetes realizados por organizacões palestinas são ignorados, mesmo porque, na Guerra de Gaza, o Hamas matou menos israelenses – por sua incapacidade, que fique claro – do que Israel ontem no ataque à frota da “paz”.

Segundo reportagem de capa da revista New York Review of Books, uma das mais prestigiadas dos EUA, as ações de Israel (sem incluir a de ontem, claro) estão levando à apatia dos jovens judeus liberais americanos, que não se identificam mais com os israelenses. Pesquisa do Comitê Judaico Americano indica que apenas 16% dos judeus adultos não-ortodoxos dos EUA se sentem “muito próximos” a Israel. O número cresce para 79% entre os ortodoxos. Entre os jovens, diz o texto, a diferença é ainda maior.

“Os governos israelenses vêm e vão, mas a coalizão de Netanyahu é produto de uma tendência de longo prazo na sociedade de Israel – uma população ultra-ortodoxa que cresce dramaticamente, um movimento de colonos crescente e envolvido na burocracia e no Exército de Israel e uma comunidade de imigrantes russa que é anti-árabe”, escreveu o professor Peter Beinart na revista, lida pela elite judaica de Nova York. E os jovens judeus liberais de Nova York não têm nada a ver com o Avgdor Lieberman. Esta figura radical, na chancelaria israelense, não representa a comunidade judaica americana, sempre defensora da democracia e da liberdade e, atualmente, eleitora de Barack Obama.

Uma pena que a Israel idealista, do kibutz, ficou para trás. Hoje a imagem de Israel é dos assentamentos e do Exército. O marco teria sido a Guerra de 1967.

Lembro que Israel retirou seus assentamentos de Gaza, mas mantém o controle aérea e marítimo. Também, com a ajuda do governo de Hosni Mubarack, do Egito, isola Gaza pela via terrestre.

1 comentário:

Adriana Godoy disse...

Inaceitável, abominável, execrável! O que estão fazendo não é semelhante ao que Hitler fez? O mundo deveria execrar a nação de Israel, mas o poder econômico israelense e o apoio dos EUA, mesmo se colocando contra esse massacre, impedem uma atitude realmente condizente contra essa barbárie a que assistimos e a que o povo palestino vem sendo submetido há tanto tempo! Nada justifica esse e outros atos do Exército de Israel. Excelente artigo, Barone.