Semana On

quarta-feira, 21 de abril de 2010

Um álbum às quartas

ALUCINAÇÃO
BELCHIOR
Baixe o álbum AQUI.

1. "Apenas Um Rapaz Latino Americano"
2. "Velha Roupa Colorida"
3. "Como Nossos Pais"
4. "Sujeito de Sorte"
5. "Como o Diabo Gosta"
1. "Alucinação"
2. "Não Leve Flores"
3. "A Palo Seco"
4. "Fotografia 3x4"
5. "Antes do Fim"

Segundo disco de Belchior, “Alucinação” traz clássicos deste grande cancioneiro popular, nosso Bob Dylan cearense que com tanta paixão cantou a juventude, o sonho, a estrada. As canções que compõem a obra estão impregnadas da década de 70, de seus sonhos, utopias, desejos de liberdade e um lirismo melancólico, mas rebelde.

A canção que abre o disco é “Apenas Um Rapaz Latino Americano", uma das muitas letras onde Belchior antecipa os samplers, incluindo aqui e ali citações, versos, momentos de outros cantores, compositores e escritores. A canção, uma das grandes da década de 70, é uma das mais importantes da carreira do bardo de Sobral.

Não me peça que eu lhe faça
Uma canção como se deve
Correta, branca, suave
Muito limpa, muito leve
Sons, palavras, são navalhas
E eu não posso cantar como convém
Sem querer ferir ninguém...


A segunda canção do disco, “Velha roupa colorida”, uma de minhas prediletas, foi eternizada na voz de Elis Regina. Mas é em “Alucinação” que ela surge pela primeira vez. Uma letra explosiva, também repleta de citações (Poe, Dylan), aliada a uma melodia bem encaixada (mais lenta e melódica que a versão de Elis).

Você não sente, não vê
Mas eu não posso deixar de dizer, meu amigo
Que uma nova mudança em breve vai acontecer
O que há algum tempo era novo, jovem
Hoje é antigo
E precisamos todos rejuvenescer


Outra canção de Belchior eternizada pelo furacão Elis é “Como nossos pais”, terceira faixa de “Alucinação”. O que dizer desta canção-manifesto? Um retrato do inconformismo dos anos 70, já impregnado pelo mofo das utopias não realizadas. A canção retrata as angustias e incertezas da juventude da época, suas dúvidas, sonhos e frustrações diante da mesmice, do enquadramento. Apesar de retratar o pensamento de uma geração, “Como nossos pais” se mantém atualíssima. Um retrato da esperança e da rebeldia inerente a jovens e velhos que questionam.

Você me pergunta
Pela minha paixão
Digo que estou encantada
Como uma nova invenção
Eu vou ficar nesta cidade
Não vou voltar pro sertão
Pois vejo vir vindo no vento
Cheiro de nova estação
Eu sei de tudo na ferida viva
Do meu coração...


Canção que dá nome ao disco, “Alucinação” traz uma letra consistente, novamente mostrando a verve questionadora de Belchior. A letra, um imenso poema musicado, traz uma das marcas características do autor: a leitura da realidade, a tentativa de compreender o mundo através da realidade do dia a dia. Violência, drogas, gente comum, gente abandonada, rock´n´roll, rebeldia.

Eu não estou interessado
Em nenhuma teoria
Em nenhuma fantasia
Nem no algo mais
Nem em tinta pro meu rosto
Ou oba oba, ou melodia
Para acompanhar bocejos
Sonhos matinais...


Quando Belchior solta sua característica voz fanhosa no primeiro dos dois refrões de “A palo seco”, não há – entre quem viveu os anos 70 e suas repercussões nos 80 – quem não se emocione. Eu, particularmente, me arrepio com esta canção.

Se você vier me perguntar por onde andei
No tempo em que você sonhava.
De olhos abertos, lhe direi:
- Amigo, eu me desesperava.
Sei que, assim falando, pensas
Que esse desespero é moda em 76.
Mas ando mesmo descontente.
Desesperadamente eu grito em português:

Tenho vinte e cinco anos de sonho e
De sangue e de América do Sul.
Por força deste destino,
Um tango argentino
Me vai bem melhor que um blues.
Sei, que assim falando, pensas
Que esse desespero é moda em 76.
E eu quero é que esse canto torto,
Feito faca, corte a carne de vocês.


Outra grande canção, arrepiante como “A palo seco”, é “Fotografia 3x4”. Poema maravilhoso, cru, sem floreios, apenas uma história de vida seca, emocionante, aliada a uma das mais belas melodias da moderna Música Popular Brasileira. Talvez esteja exatamente aí, no poder poético, o grande destaque de Belchior entre os músicos de sua geração.

A noite fria me ensinou a amar mais o meu dia
e pela dor eu descobri o poder da alegria
e a certeza de que tenho coisas novas
coisas novas pra dizer

Belchior

Antônio Carlos Gomes Belchior Fontenelle Fernandes nasceu em Sobral (CE), em 26 de Outubro de 1946. Durante a infância foi cantador de feira e poeta repentista. Estudou musica coral e piano com Acaci Halley. Foi programador de radio em Sobral, e em Fortaleza começou a dedicar-se a musica, após abandonar o curso de medicina.

Então, ligou-se a um grupo de jovens compositores e músicos – Fagner, Ednardo, Rodger, Teti, Cirino e outros – conhecidos como o Pessoal do Ceará. De 1965 a 1970 apresentou-se em festivais de musica no Nordeste. Em 1971, quando se mudou para o Rio de Janeiro RJ, venceu o IV Festival Universitário da MPB, com a musica Na hora do almoço, cantada por Jorge Melo e Jorge Teles, com a qual estreou como cantor em disco, um compacto da etiqueta Copacabana.

Em São Paulo, para onde se mudou, compôs trilhas para alguns curtas, continuando a trabalhar individualmente e com o grupo do Ceará. Em 1972 Elis Regina gravou sua composição Mucuripe (com Fagner).

Atuando em escolas, teatros, hospitais, penitenciarias, fabricas e televisões, gravou seu primeiro LP em 1974, na Chantecler. O segundo, Alucinação (Polygram, 1976), consolidou sua carreira, lançando canções de sucesso como Velha roupa colorida, Como nossos pais (depois regravadas por Elis Regina) e Apenas um rapaz latino- americano.

3 comentários:

L. Rafael Nolli disse...

Genial. Esse álbum é sem dúvida nenhuma uma obra-prima!

Lelec disse...

Oi Barone,

Belchior, sem dúvida alguma, é um dos personagens mais injustiçados da história da MPB. É visto pela maior parte das pessoas como um cantor brega, quando, na verdade, é autor de uma obra originalíssima, que injetou literatura e existencialismo no cancioneiro nacional. "Alucinação" é um disco perfeito.

Lembro outras composições importantes que estão em outros discos: "Conheço meu lugar", "Pequeno perfil de um cidadão comum", "Pequeno mapa do tempo", "Comentário a respeito de John", e outras...

Abraço e obrigado por destacar Belchior com a honra que ele merece.

Lelec

Barone disse...

Nolli e Lelec num post só é muita honra para este humilde espaço.