Semana On

segunda-feira, 8 de março de 2010

"Memórias à beira de um estopim" - Rafael Nolli

Eu caço belas palavras com as quais lapido feios poemas.
(Pág. 50)

Li neste final de semana a poesia de Rafael Nolli, poeta de Araxá (MG), autor de versos incendiários, inconformados, sujos e, ao mesmo tempo, dono de um lirismo raro. O livro “Memórias à beira de um estopim” (Editora JAR), lançado em 2005, traz toda a sua verve, sua ácida crítica social mesclada a momentos de doçura contemplativa.

Desde as primeiras páginas, onde brinca com o leitor ao apresentar um prefácio escrito pela persona Luther Blisset, e por todas as 107 páginas do livro, Nolli nos oferece a sua prosa-poética, seus poemas repletos de referências pessoais, frases rascantes, cruas, vibrantes.

Vinte anos fardados ditaram meu fardo. O leite que mamei na teta mecânica do mundo
(Pág. 23)

A poesia de Nolli traz o germe da utopia. Em seus poemas-manifesto, olha com olhos novos velhos sonhos que aguardam germinar a mente dos homens. O poeta engajado usa sua arte como arma, suas palavras são fuzis, suas letras munição que não economiza.

Sonha (o poeta)
Em noites clareadas por relâmpagos,
Entre jogos de guerra e lutas de amor,
O sonho que seu vizinho iria sonhar se às seis horas não
O escravizasse
(Pág. 24)

A preocupação social, o inconformismo com a pasmaceira reinante, a angústia que domina os que olham a loucura de frente e a reconhecem, também estão implícitas nos seus poemas tortos, na sua prosa rasgada.

Nas prateleiras frias,
As comidas presas em cárceres metálicos,
Sacos plásticos e códigos de barra
Vão sonhando com estômagos com fome
E despensas vazias
(Pág. 79)

Nolli conversa com sua poesia, estabelece uma relação, um entendimento, uma análise que abarca até mesmo sua gênese poética. Está ali, em seus versos, a estupefação diante do criar, do surgimento da palavra poetizada.

O poema de amanhã descansa em meu peito
(Pág. 81)

O homem que fugiu de casa ontem passou pelo meu verso numa correria desatada...
(Pág. 33)

E em meio a toda volúpia revolucionária que domina a poesia do autor, há, ainda, um lirismo maravilhoso, uma sensibilidade que aflora em momentos inesperados, um olhar amoroso por entre o lixo e os cacos com que emoldura sua poesia.

A única inocência que existe está nos olhos de Joana; a única treva que persiste são as trevas dos cabelos negros de Fernanda.
(Pág. 39)

Trata-se, enfim, de um belo poeta. Não um produto pronto a ser descoberto, mas um poeta de combate, cuja obra deve ser garimpada aos poucos, nos espaços virtuais e pequenas tiragens que nos oferece a massificação da informação e da arte na atualidade.

Nolli é um poeta jovem, nasceu em 1980, meteu-se no movimento estudantil mineiro, arriscou-se como batera de bandas de rock’n’roll, organizou movimentos literários nas gerais. E entre tantas atividades rabisca seus delírios poéticos que já renderam peças de teatro (“O devorador de morangos”, 2000), romances (“Stella”, 2001), contos (“Realidade catatônica”, 2002) e ensaios (“Verdade Provisória”, 2004). “Memórias” é a segunda investida de Nolli na poesia. Anteriormente havia publicado “Vol. 4”, em 2003. Ele também participa da comunidade Poema Dia, onde brinda os leitores com sua poesia todo dia 24.

7 comentários:

L. Rafael Nolli disse...

Barone, eu nem sei como agradecer por essas palavras tão simpáticas ao meu livro. Fiquei sem palavras. Por uma dessas que me animo continuar produzindo, isso aqui foi um puta incentivo! Só tenho a agradecer!

Larissa Marques - LM@rq disse...

Conheço o trabalho de Nolli de longa data e sou fã incondicional desse revolucionário!
Ai que me perder no caminho, mas abrir mão de minha loucura, jamais!
Parabéns pela resenha, Barone!
Parabéns pelo trabalho, Nolli!

Assis de Mello disse...

Pela amostra que tenho dos poemas do Nolli, você, Barone- conhecedor da boa poesia- foi, como um urubu tarimbado, direto nos olhos. Excelente resenha. Agora preciso conhecer o livro pois, poesia com cheiro de papel é sempre mais interessante.
E viva o Nolli !!!
Abraço do Chico.

Adriana Godoy disse...

Admiro muito os poemas do Nolli. Muito bom esse artigo. Que ele não desista.
Parabéns aos dois. Bj

Glauber Vieira disse...

Pois é, conheço o trabalho do Nolli há uns dois ou três anos, foi uma grata surpresa que tive ao me aprofundar na internet. Ele foge do lugar comum e tem uma temática realista e uma abordagem profunda.

Poeta Incerto disse...

Tive o prazer de ler o Livro Memórias à beira de um estopim do grande Rafael Nolli . Uma obra que mostra traços de uma intelectualidade bem elaborada , na beleza de uma escrita poética . Parabéns pela resenha

Paola Vannucci disse...

Adorei ler este livro, e o trabalho do Nolli realmente é admirável.

Beijos