Semana On

quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010

Israel assume uso de fósforo branco em Gaza e inicia guerrilha de informação

Ela estava brincando com seu telefone celular e então, de repente, um foguete veio por cima dela e a queimou. Um pedaço de estilhaço grudou no rosto dela e a queimou até o osso. E daqui até aqui todo seu estômago foi queimado. Não havia mais nada nela. Ela não chorou em nenhum momento, nem uma lágrima caiu dos seus olhos. Ela nem gritou. Eles a trouxeram para o hospital, mas ela morreu. Estávamos sentados em um círculo quando a bomba veio e nos atingiu. Meu avô foi partido ao meio. A bomba de fósforo começou a cair sobre a casa. Um pedaço acertou minha irmã e a matou. Meu primo estava sentado na porta. Uma bomba o atingiu nos olhos e o queimou também.

O relato acima é de Ayman al Najar, 13 anos. Ele perdeu a irmã, o avô e um primo em um bombardeio com fósforo branco no dia 14 de janeiro de 2009, em Khoza'a, sudoeste de Gaza.
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O Exército israelense submeteu dois oficiais a punição disciplinar por terem autorizado a utilização de fósforo branco no bombardeio ao bairro de Tel El Hawa, no dia 15 de janeiro de 2009, durante a ofensiva contra o Hamas na qual morreram 13 israelenses e 1400 palestinos (960 civis – boa parte crianças e adolescentes, 239 policiais e 235 militantes) e que deixou outras 6 mil pessoas feridas. Segundo o documento enviado à ONU pelo Exército israelense, um general de brigada e um comandante de divisão sofreram “punição disciplinar” por terem "arriscado vidas humanas".

Apesar de ONGs de defesa dos direitos humanos exigirem que Israel nomeie uma comissão independente para investigar os atos do Exército e não considerarem suficientes as investigações internas, esta foi a primeira vez que Israel admitiu a utilização de fósforo branco sobre alvos civis na Faixa de Gaza. Mas, não se iluda o leitor, este não é um ponto de inflexão na política de Israel para com os territórios palestinos ocupados, não é um mea culpa pelas atrocidades contra a população civil. Trata-se apenas, como aponta o jornalista Alastair Macdonald, da Reuters, de uma nova política para fazer frente ao enorme desgaste sobre a imagem do país após o Conselho de Direitos Humanos da ONU ter aprovado o Relatório Goldstone.

O documento, assinado pelo ex-promotor do tribunal internacional de crimes de guerra, o juiz sul-africano Richard Goldstone – e por 14 juristas – concluiu que, sob o pretexto de retaliar o Hamas pelo lançamento de foguetes contra o seu território, Israel fez uso desproporcional da força e violou o direito humanitário internacional. As investigações mostraram que os numerosos ataques letais contra civis ou contra alvos civis foram intencionais e que alguns tinham o propósito de disseminar o terror no seio da população civil, sem qualquer objetivo militar.

O relatório disse também que as forças israelenses cometeram graves violações à Quarta Convenção de Genebra, como homicídio intencional, tortura e tratamento desumano, “causando intencionalmente grande sofrimento ou danos graves ao corpo ou à saúde, além da destruição de bens, não justificada por necessidades militares e executada de forma ilegal e arbitrária”.

Negativas

Vale lembrar que antes do envio do documento à ONU, a versão do Exército israelense era de que o fósforo branco teria sido utilizado apenas para "dificultar a visibilidade das tropas pelo inimigo" e não diretamente contra civis.

Quando as primeiras denúncias sobre o uso do armamento atingiram o exército israelense, gente do naipe de Reinaldo Azevedo saiu em defesa de Israel com tiradas como a que segue.

Todas, rigorosamente todas as ditas ‘atrocidades’ cometidas por Israel têm origem no, como direi?, Departamento de Propaganda do Hamas: do grande número de crianças e civis mortos ao uso de bombas de fragmentação e fósforo branco para atacar pessoas. Este segundo caso, então, pode dar pano para manga. A tal substância não é considerada arma química. É empregada para iluminar alvos noturnos e criar cortina de fumaça para ação da infantaria. Israel nega que tenha feito qualquer coisa fora das leis internacionais.

Reinaldo tinha razão... O fósforo branco não é considerado uma arma química e seu uso primário pretende iluminar alvos noturnos (embora haja opções melhores para isso) e criar cortinas de fumaça para a ação da infantaria (apesar deste ter sido o menor problema da infantaria israelense em Gaza). Ocorre que – e aí Azevedo perde a razão, para variar - armas de fósforo são proibidas pelo protocolo III da Convenção da ONU sobre armas convencionais. Este tipo de armamento, independente do objetivo de sua utilização, é considerado arma incendiária e não pode ser usado pelos signatários da convenção, da qual (convenientemente) Israel não é signatário.

O fósforo branco

Ao entrar em contato com a pele, o fósforo branco causa extensas, dolorosas e profundas queimaduras (de segundo e terceiro graus) que não atingem somente a pele, mas também os ossos e os órgãos internos. A substância continua a queimar (a não ser em ambiente privado de oxigênio) até que seja completamente consumida, de forma que as pessoas atingidas, ainda que mergulhem na água, continuarão a queimar ao emergirem para respirar. Uma exposição prolongada, sob qualquer forma, pode ser fatal (veja aqui algumas fotos e vídeos chocantes sobre o poder de destruição do fósforo branco sobre o corpo humana). Segundo a GlobalSecurity.org, as “queimaduras por fósforo carregam um maior risco de mortalidade do que outras formas de queimaduras devido à absorção de fósforo pelo organismo, através da área queimada, resultando em danos ao fígado, coração, rins e, em alguns casos, falência múltipla de órgãos" (veja mais aqui).

A Human Rights Watch é uma organização não-governamental, independente que se dedica há 30 anos à defesa e à proteção dos direitos humanos. Marc Garlasco é o seu analista militar sênior. Veja nesta entrevista o que ele fala sobre o fósforo branco e seu uso pelos israelenses em Gaza.

É público que a densidade populacional na Faixa de Gaza está entre as maiores do mundo. A Faixa inteira compreende não mais de 376 Km quadrados (40 Km de comprimento e cerca de 6 Km a 12 Km de largura). Em Mato Grosso do Sul há fazendas que ultrapassam em muito esta área. Nesse pedaço mínimo de terra se apinham mais de um milhão e meio de pessoas, uma população cuja taxa de crescimento é a mais alta do mundo, cerca de 4,5 % ao ano. A cada 17 ou 20 anos a população de Gaza dobra. Em 2020, por exemplo, sua densidade populacional irá alcançar algo em torno de 6.650 pessoas por quilômetro quadrado.

Foi sobre este formigueiro humano que o Exército israelense lançou bombas recheadas de fósforo branco em janeiro de 2009,

Guerra de informação

Devido a esta e outras violações é que o Relatório Goldstone recomendou que o Conselho de Direitos Humanos da ONU exigisse que o Exército israelense (e também o Hamas) investigasse suas atuações, sob a ameaça de transferir o caso ao Tribunal Penal Internacional (TPI). Foi sob esta pressão que Israel anunciou a branda punição aos dois oficiais.

Na conferência "Vencendo a Batalha da Narrativa", realizada nesta semana, membros do governo israelense deixaram claro que o país pretende realizar uma ofensiva na guerra de propaganda contra os palestinos e seus apoiadores. Querem evitar que o país se transforme em uma espécie de África do Sul nos tempos do apartheid, um país pária.

Em dezembro, o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu já havia citado o que classificou como "efeito Goldstone" - processos em tribunais internacionais que poderiam neutralizar a superioridade militar israelense. O medo é que os governos europeus limitem seu apoio a Israel se a opinião pública nesses países se inclinar ainda mais contra as políticas do país para com os palestinos.

Entre as propostas está um significativo aumento dos gastos nas embaixadas, promover a diplomacia "de base" em redes sociais da Internet ou mesmo "relançar a marca" de Israel totalmente.

Trata-se de um equívoco, mas não de um equívoco inesperado. A estratégia segue apenas o que a política israelense para os territórios ocupados sempre preconizou: empurrar a questão com a barriga, aumentar a presença israelense na Cisjordânia, isolar os palestinos na Faixa de Gaza e manter o apoio ocidental. Em nenhum momento debateu-se o mais importante: condições que possibilitem uma paz verdadeira e duradoura. Em nenhum momento houve preocupação com os excessos cometidos pelo Exército israelense sob ordens do Governo daquele país.

Apesar dos pesares há entre os israelenses quem defenda ações propositivas ao invés de maquiagem publicitária. A solução não é uma campanha de relações públicas, mas sim a paz com os palestinos.

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Algumas fotos, publicadas em janeiro de 2009 pelo Prof. Idelber Avelar em seu blog, mostram claramente o terror da população em meio a um ataque de fósforo branco. em Gaza As fotos foram enviadas por um professor da Universidade Islâmica de Gaza, Ameen Hammad, via Prof. Ricardo Berbara, do Rio de Janeiro.

Os links abaixo levam a reportagens sobre o uso do fósforo branco em Gaza.
http://www.youtube.com/watch?v=ZbxTK1ZC-hw
http://www.youtube.com/watch?v=qfsHeXGVPVw
http://www.youtube.com/watch?v=LhylsQ_pLVg

4 comentários:

Vanessa Anacleto disse...

Barone , sabe pq eu venho a este blog? Pq vc diz coisas que eu tenho vontade de dizer mas sou impedida pela agitação que o assunto me traz. Eu não sou palestina nem judia, mas apenas uma pessoa que acompanha esta questão com atenção. A notícia que ouvi na manhã de segunda sobre o afastamento de altos oficiais israelenses que admitiram o uso do fósforo branco contra palestinos apenas veio somar-se a tantas outras que colaboram para que eu tenha uma ideia muito negativa da humanidade. Pois se um povo que luta diariamente para que a população mundial não esqueça por um segundo sequer sua tragédia na segunda guerra mundial não pestaneja em impor a outro povo a barbárie, é porque não há mesmo solução. Verificar que mais uma vez são usados dois pesos e duas medidas - Sadam é enforcado por crimes de guerra mas em Israel ninguém ousa tocar - é a pá de cal.

Abraço

Dan Jung disse...

Algo aonteceu... na realidade fiz o comentário para o seu texto sobre o fósforo branco en Gaza...

Espetáculo de texto!
A paz é algo da ordem do devir. Não se pode adquiri-la sem haver algumas confrontações de ideais entre os envolvidos, para que ambos possam compartilhar as
implicações necessárias no entorno da consolidação e do respeito pelas suas diferenças culturais. Entretanto, existe acordos e confrarias entre alguns segmentos hegemônicos para perpetuar uma situação de estagnação desses ideais através da sua constante subjugação, fortificando ainda mais a oposição entre os implicados.

Barone disse...

Vanessa,
fico feliz que você venha ao blog e que ele reflita sentimentos que compartilhamos. Você disse duas coisas bem importantes. Primeiro, que você não é palestina nem judia, mas que nem por isso deixa de se indignar com a questão. Isso é fundamental, pois há uma tendência em se empurrar para debaixo do tapete problemas que não estão diretamente ligados ao nosso dia a dia. É como o dono de um jornal aqui de Campo Grande que se sentiu muito incomodado por eu escrever contra a homofobia. Para ele, este não era um assunto interessante ou digno de ser pautado em seu jornal por ele se dizer heterossexual... Outra coisa importante foi sua estupefação com “um povo que luta diariamente para que a população mundial não esqueça por um segundo sequer sua tragédia na segunda guerra mundial”, mas que “não pestaneja em impor a outro povo a barbárie”. Eu também me pergunto isso diariamente.

Dan,
tanto governo israelense quanto tendências sectárias entre grupos de resistência palestinos não tem interesse em dar fim ao conflito. Os primeiros porque tem sua política calcada nos princípios expansionistas do sionismo, e os últimos por estarem atolados em uma leitura equivocada do islamismo.

Dan Jung disse...

Pois então... Barone, o impasse passa a residir neste mal-estar, polarizando ainda mais o estado intempestivo.

Raramente as demandas subjetivas superam as necessidades objetivas geradas por esta ideologia, pois se originam em uma justificação expansionista tendo o seu campo de visão ocupado por um certo e único objeto.