Semana On

quarta-feira, 13 de janeiro de 2010

"Crônica de um amor louco" e "Numa Fria" - Charles Bukowski

Poucos são aqueles que como ele, vivenciaram e permaneceram com naturalidade na sarjeta, fazendo dela sua fonte de inspiração. Bukowski fez de todo aquele inferno imundo e fedido, o seu paraíso”, já disseram sobre Henry Charles Bukowski (1920-1994). Boa definição para o maldito entre os malditos da literatura.

Quem nunca se aventurou pelo lirismo alcoólico e semi-putrefato do "velho safado" deve tomar alguns cuidados. Antes de se arriscar por seus romances, contos ou poemas é recomendável que se deixe de lado todas as artimanhas que te socam garganta abaixo nas máquinas de espremer culhões da vida enquadrada.

"...Agora, escuta aqui, você gosta de fazer serão? Ah, claro que sim, chefe! Eu gostaria de trabalhar 7 dias por semana, se possível. E de ter 2 empregos se pudesse."
(O Espremedor de Culhões)

Se você torceu para o Silas detonar os hereges em “O Código da Vinci”, treme de raiva ao ouvir o sambão da TFP (letrinha aqui) do Língua de Trapo ou vibra emocionado com as elucubrações filosóficas de Olavo de Carvalho e Cia., a obra de Bukowski poderá lhe chocar.

- Ficou paranóico? – pergunta.
- Claro. Qual é o cara lúcido que não fica?
(Uma xota branca- Pág 309)

Iconoclasta, porra louca, bebum inveterado, tarado sem regulamentos. Ele é isso tudo e também o genial escritor que conseguiu traduzir para a literatura o submundo estadunidense, em especial o da cidade onde sempre viveu (Los Angeles). Buk é uma espécie de Camus ressaqueado e sem paciência para explicar o que pensa do mundo e da vida.

Nas primeiras semanas do ano li duas de suas coletâneas de contos: “Crônica de um amor louco” e “Numa fria”. São 54 contos (27 em cada livro) repletos de ironia, sarcasmo e sujeira, além de uma crítica mordaz à sociedade.

Tudo, tudo, produzindo um efeito de delicadeza, de falta de dor, de preocupações, de vida enfim.
(O dia em que se conversou sobre James Thurber - Pág. 189)

“Crônica de um amor louco” é o primeiro dos dois volumes da obra "Ereções, ejaculações e exibicionismos", uma viagem pelo seu universo infernal e onírico. Seus personagens desvalidos, seus quartos imundos em hotéis baratos, seus bares esfumaçados anunciam o sonho americano reduzido a trapos. As histórias brotam de suas entranhas, do seu estômago ulcerado e são jogadas no papel entre espasmos de delirium tremens.

O livro leva o título do filme que o italiano Marco Ferreri realizou baseado nos textos de Bukowski e cuja linha mestra é exatamente o primeiro conto da obra, “A mulher mais linda da cidade”.

“Numa Fria”, por sua vez, foi publicado nos EUA pela Black Sparrow Press em 1983 sob o título de Hot Water Music e só chegou ao Brasil dez anos depois pela L&PM. Assim como a "Crônica", traz o que há de melhor no autor: histórias curtas, ácidas, cruas.

Em ambas as obras Bukowski nos apresenta seu alterego, Henry Chinaski, protagonista de cinco de seus livros, assim como de inúmero contos e poemas. Grande parte das histórias vividas por ele são baseadas nas experiências do próprio Bukowski, sendo, portanto, um personagem autobiográfico. Chinaski é um anti-herói por excelência: alcoólatra, misantrópico, vagabundo e mulherengo.

O personagem foi retratado por Mickey Rourke no filme Barfly, que o próprio Bukowski roteirizou. Também foi interpretado por Matt Dillon no filme Factotum, produzido em 2005.

Entre a doideira típica de sua obra alguns momentos interessantes de reflexão. Um deles, sobre o jornalismo, no conto “Nascimento, vida e morte de um órgão da imprensa alternativa”, traz as seguintes passagens:

- A poesia diz tudo no menor espaço de tempo; a prosa demora muito pra dizer quase nada.
(Nascimento, vida e morte de um órgão da imprensa alternativa - Pág. 148)

- Segundo TUDO indica o senhor é o autor destas colunas – Notas de um velho safado.
- Sou.
- O que tem dizer sobre estes artigos?
- Nada.
- Chama isso de literatura?
- É o máximo que posso fazer.
- Pois eu sustento dois filhos que atualmente estão estudando jornalismo em ótimas
faculdades, e ESPERO...
Bateu de leve nas folhas, que para ele fediam à merda, com os dedos cheios de anéis daquelas mãos que não conheciam fábricas nem prisões e continuou:
- Espero que nunca venham a escrever como o SENHOR!
- Pode ficar sossegado – garanti.
(Nascimento, vida e morte de um órgão da imprensa alternativa - Págs. 153 e 154)

O sacana do jornal cresceu, ou pelo menos parecia, e mudou para outro endereço em Melrose. Mas nunca gostei de levar lá os artigos, porque todo mundo era tão cheio de frescura, mas de frescura mesmo, um bando de metidos a besta, e sem o menor motivo, ainda por cima. As coisas não mudam. A evolução do homem sempre foi muito lenta. Eram que nem os idiotas que tive que enfrentar quando entrei pela primeira vez na redação do jornal da Faculdade Municipal de Los Angeles em 1939 ou 1940 – todos aqueles bobalhões cheios de nove horas, com viseira de jornalista na cabeça, a redigir os artigos mais sem graça e burros que se possa imaginar. Se dando tais ares de importância que não tinham nem a decência de demonstrar que estavam vendo a gente ali, nas barbas deles. Pessoal que trabalha em jornal sempre foi a escória do ramo; qualquer faxineiro que recolhe modess usado numa latrina tem mais dignidade – evidentemente.
(Nascimento, vida e morte de um órgão da imprensa alternativa - Pág. 159)

Mas Bukowski não é apenas o condutor de uma tour pelo inferno pessoal emoldurado pelos bares e becos de LA. Ele também é lírico. Seus contos terminam bruscamente, deixando-nos, quando não uma sensação de estupefação, uma vontade de chutar o pau da barraca a lá Chinaski. E se procurarmos bem, lá no fundo, há até romantismo escondido sobre as cascas de ferida.

- O amor é uma espécie de preconceito. A gente ama o que precisa, ama o que faz a gente se sentir bem, ama o que é conveniente. Como pode dizer que ama uma pessoa quando há dez mil outras no mundo que você amaria mais se conhecesse? Mas a gente nunca conhece.
(Braçadas para o meio do nada - Pág. 69)

Descemos no Internacional de Los Angeles. Ann, eu te amo. Espero que meu carro pegue. Espero que a pia não esteja entupida. Estou feliz por não ter comido uma fanzoca. Estou feliz por não ser muito bom em me meter na cama com estranhas. Estou feliz por ser um idiota. Estou feliz por não saber nada. Estou feliz por não ter sido assassinado. Quando olho para as minhas mãos e elas ainda estão nos pulsos, penso comigo mesmo: sou um cara de sorte.”
(Entra, sai e acaba - Pág. 133)

Eu ainda tinha uma mulher, uma mulher com quem eu me importava. Uma mágica destas não é para ser levada na brincadeira.
(Entra, sai e acaba - Pág. 133)

Ah... o velho Buk...

Sem comentários: