Semana On

terça-feira, 16 de junho de 2009

A longa noite iraniana

Na noite de ontem, ruas, avenidas e praças de Teerã estavam vazias devido ao toque de recolher e a disposição das tropas iranianas de disparar contra a população civil. No entanto, o silêncio na capital persa foi interrompido por gritos vindos de dentro das casas em diversos bairros da cidade: “Allah o Akbar" (Deus é grande), foi o brado que quebrou o silêncio na noite de Teerã, o mesmo grito de guerra que embalou a Revolução Islâmica de 1979 (que derrubou o regime do xá Reza Pahlevi, um monarca apoiado pelos Estados Unidos que liderou uma modernização ocidentalizante e autoritária no país). O relato, feito pela professora de matemática Vida Ladan, 52, à Folha de S.Paulo, mostra os ânimos dos iranianos diante da reeleição do presidente Mahmoud Ahmadinejad (que está na Rússia, em visita oficial) na sexta-feira.

Os protestos, que chegam hoje ao quarto dia, são os mais violentos distúrbios da capital desde a revolução de 79. A rádio e a TV estatal do país noticiam que ao menos sete pessoas foram mortas durante as manifestações de ontem (no twitter fala-se em mais mortes hoje), quando milhares de manifestantes (algumas fontes falam em um milhão) favoráveis ao candidato opositor reformista Mir Hossein Mousavi foram às ruas de Teerã para denunciar uma possível fraude. Hoje, Mousavi pediu que a população não volte às ruas, temendo um banho de sangue. No entanto, o movimento popular parece ter transbordado e mihares de iranianos voltaram a protestar pelas ruas e praças de Teerã após Mousavi ter recusado a proposta de recontagem de votos feita pelo regime.


As manifestações da oposição levaram o líder supremo do Irã, aiatolá Ali Khamenei a pedir uma investigação sobre as denúncias. O Conselho dos Guardiões (um corpo de 12 integrantes que é pilar da teocracia iraniana) anunciou hoje que está disposto a recontar os votos. O anúncio representa uma mudança radical de posição. O porta-voz do Conselho, Abbas Ali Kadkhodai, ressaltou, contudo, que a recontagem será apenas das urnas em que existam denúncias de irregularidades. A proposta não agradou os reformistas, que queriam a anulação das eleições.

Com ou sem fraude, o apoio fiel do líder supremo iraniano, aiatolá Ali Khamenei, a Ahmadinejad é o maior perigo para os reformistas. Khamenei vê qualquer tipo de abertura - seja na política externa ou nos costumes - como ameaça à própria teocracia que lidera desde 1989, quando substituiu o fundador da República Islâmica do Irã, o aiatolá Ruhollah Khomeini (1902-1989).

A advogada Nasrin Sotodeh, que participou da campanha de Mousavi e é especialista em direitos humanos (e integrante da entidade Iran Humans Rights Voice), aponta – em entrevista à Folha, para o perigo de um endurecimento do regime: "Parece que estamos vivendo um golpe militar, com mais repressão e tiros que nos últimos anos, nunca tivemos uma situação parecida. Se a batalha sobre o resultado da eleição for perdida, acho que mais e mais jovens ficarão céticos sobre o desejo do regime de se abrir e seguirão o caminho de outros 5 milhões de iranianos, deixar o país.".

Um sinal deste recrudescimento ocorreu hoje com a decisão do Ministério de Guia e Orientação Islâmica que anulou todas as permissões de trabalho de jornalistas estrangeiros e agências de notícia no país e advertiu que não podem cobrir nenhuma manifestação ou concentração popular que não conte com a autorização do órgão. Em nota oficial, o Ministério explica que os jornalistas podem continuar trabalhando de seus escritórios, mas não terão credenciais para cobrir os protestos in loco. "Nenhum jornalista tem permissão para reportar, filmar ou tirar fotografias na cidade", disse um funcionário do ministério à agência de notícias Reuters.

Outro sinal é a prisão do ex-vice-presidente reformista Mohammad Ali Abtahi, que foi braço direito do ex-presidente Mohammad Khatami. Ele foi detido nesta terça-feira, em sua própria casa, em Teerã, por um grupo de homens que o levou a um lugar desconhecido. Um funcionário do político confirmou a notícia à agência de notícias Efe. Abtahi escrevia em um blog usado para fazer campanha a favor do candidato reformista Mehdi Karroubi.

O protesto na rede

Manifestantes estão usando o Twitter para disseminar informações sobre os protestos, apesar dos esforços das autoridades iranianas em bloquear notícias e dados sobre o assunto. Houve, por exemplo, bloqueio das mensagens de texto dos sites que apóiam Mousavie e do site de relacionamentos Facebook. Quando finalizei este artigo, o tag "#iranelection" dava conta de que as ligações por celular haviam sido bloqueadas em Teerã.

Tags como "#iranelection", "#Tehran", "#Iranians" e #Change_for_Iran estão entre os mais comentados do Twitter. Segundo medição do site twist.flaptor.com, na manhã desta terça-feira a tag "iranelection" estava presente em 1,29% dos textos publicados no Twitter - no pico, esse índice já foi de 2,03%. Já "Teheran" chegou a 0,95% dos posts e "Iranians", a 0,8%. Por meio destes tags é possível acompanhar momento a momento o confronto no Irã.

Para onde vai o Irã?

Pedro Doria nos oferece um panorama interessante. Gustavo Chacra, por sua vez, pensa que Ahmedinejad e Khamanei devem estar se perguntando sobre a longevidade do regime islâmico e cita o veteraníssimo Robert Fisk, correspondente do The Independent no Oriente Médio, “que comparou, na rede de TV Al Jazeera, as manifestações de ontem com as ocorridas durante a Revolução Islâmica, em 1979, que ele cobriu. Mas o repórter afirma que os atos são apenas contra Ahmadinejad e o resultado eleitoral, considerado uma fraude. Os manifestantes não buscam, segundo Fisk, derrubar o regime.”.

Fisk está em Teerã. Seu artigo publicado hoje no The Independent é um testemunho da febre renovadora que tomou conta dos iranianos e que pode, sim, dar um novo caminho ao país caso consiga escapar do punho forte do regime. Em meio ao milhão de pessoas que – degundo o jornalista - foram para as ruas da capital iraniana, Fisk pergunta: “Poderá (os protestos) mudar a arrogância do poder demonstrado por Mahmoud Ahmadinejad?”.

3 comentários:

Daniel Braga disse...

Certa vez, vendo um dos bons canais da TV paga, como o History Channel, um programa mostrava como a tecnologia da fita cassete foi importante para a revolução islâmica do Aiatolá Khomeini. Agora, o povo iraniano, principalmente os jovens, estão encontrando na Internet o mesmo suporte que a fita cassete deu a Khomeini. E o mundo continua girando!

Anónimo disse...

Barone, veja o Guia para a CyberGuerra publicado no Boing-Boing:

http://www.boingboing.net/2009/06/16/cyberwar-guide-for-i.html

-Daniel

BAR DO BARDO disse...

o bicho está pegando...