Ontem o site de notícias Midiamax publicou a entrevista que concedi para a jornalista Fernanda Brigatti, a respeito da decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de derrubar a obrigatoriedade do diploma de Jornalismo para o exercício da profissão. Creio que por motivos técnicos a publicação da entrevista não contou com todos os links e itálicos originais. Portanto, para tornar o material mais rico em referências, reproduzo aqui as perguntas de Fernanda e as minhas respostas.
Para começar, gostaria que você relatasse há quantos anos é jornalista e qual sua formação.
Tenho 21 anos de profissão, iniciados em 1988, pelas mãos do jornalista Luiz Paulo Coutinho (Jornal do Brasil), precursor do jornalismo comunitário que floresceu na Barra da Tijuca (RJ) nas décadas de 80 e 90, do qual participei ativamente. Nos anos que se seguiram passei por todos os nichos do Jornalismo. Fui repórter de Geral, Polícia e Esportes em veículos de bairro e em diários cariocas, editei meus próprios jornais e revistas, fiz assessoria de imprensa. Mudei-me para Campo Grande (MS) em 2000 e aqui participei das equipes que fundaram dois jornais diários da capital (Diário do Pantanal e O Estado de Mato Grosso do Sul), onde atuei como repórter e editor; passei pelo site de notícias Midiamax e pelo semanário A Crítica, trabalhei na TV Brasil Pantanal (antiga TVE) e em secretarias estaduais, assessorei associações, empresas, políticos e o legislativo campo-grandenses. Hoje atuo na assessoria de imprensa da Prefeitura Municipal de Campo Grande. Em 1988 ingressei no curso de Jornalismo da antiga Faculdade da Cidade (hoje UniverCidade), no Rio de Janeiro, onde cursei até o sétimo período, quando, por problemas particulares, precisei abandonar os estudos. Nesta época eu já trabalhava na área e nunca mais parei. Em 2006, já em MS, resolvi concluir o curso e ingressei na Universidade Católica Dom Bosco (UCDB), onde cursei o sétimo e o oitavo períodos. Ainda faltavam algumas matérias que haviam surgido na grade curricular após uma lacuna de quase 20 anos entre minha primeira experiência na Faculdade da Cidade e a retomada dos estudos. Estas, cursei de forma orientada. Concluí o curso em janeiro.
À sua formação profissional, a universidade foi fundamental?
Penso que o estudo é fundamental para qualquer pessoa. No entanto, estudo não é, necessariamente, apenas, o que aprendemos nas salas de aula. O hábito da leitura, a curiosidade sobre o mundo e sobre como o homem caminhou para a contemporaneidade são, também, formas de obter conhecimentos tão ou mais importantes do que se pode aprender formalmente. Não digo que o curso de Jornalismo não tenha agregado valores na minha formação pessoal. Mas não posso dizer, também, que foi ele (o curso) que me fez jornalista. Portanto, não, não foi fundamental na minha formação profissional.
Você acredita que a não obrigatoriedade do diploma para o exercício da profissão representa em uma noção de que o ensino superior é dispensável? Para você, pessoalmente, é isso que significa?
De forma alguma. O ensino é fundamental. Desde o início, e ainda agora, este debate foi poluído com falsos conceitos. Em nenhum momento defendeu-se que o curso superior de Jornalismo era algo desnecessário. O que se defendia é que ele (o curso) não seria a “única forma de aferir se uma pessoa teria ou não condições de exercer a profissão”. E há uma diferença gritante entre as duas coisas. A imensa maioria dos grandes jornalistas que construíram esta profissão pelo mundo não passaram pelas universidades. Eles são a prova de que o curso superior não é “essencial” para definir se alguém tem ou não condições de ser um jornalista. No entanto, nos países civilizados – onde o diploma não é condição para o exercício do Jornalismo e, ainda assim, se pratica um Jornalismo tão bom, ou melhor, que o nosso – as universidades oferecem o curso de Jornalismo. Uma coisa não exclui a outra. Na Argentina e nos Estados Unidos, por exemplo, onde o diploma não é exigência para o exercício do Jornalismo, as salas de aula dos cursos de Jornalismo estão cheias. Diferente do que ocorre no Brasil, nestes países – e em muitos outros - os cursos superiores de Jornalismo são um diferencial na formação de profissionais e não fábricas de diploma como ocorre no Brasil (salvo honrosas exceções). É inconcebível ouvir de um jornalista recém-formado argentino, alemão ou norte-americano o que temos ouvido aqui. Coisas como “Com a não exigência do diploma perdi quatro anos de vida”, ou “Meu diploma não vale mais nada, pois agora qualquer um vai poder ser jornalista”. Balela. Gente muito mais capacitada que eu tem dito a mesma coisa. Para não me estender, indico a leitura do artigo “O fim do diploma e o começo de outro jornalismo”, do jornalista Alec Duarte, professor do curso de Comunicação Social do Centro Universitário Assunção (Unifai), de São Paulo-SP.
A história do jornalismo no Brasil registra grandes nomes que jamais passaram pela academia e, no entanto, são os que embelezam a memória da profissão. Ainda é possível que surja nos jornais, nos sites, nos blogs, gente que exerça a profissão por aptidão e com o mesmo rigor do profissional diplomado?
Acho que o futuro do Jornalismo, de um Jornalismo fiel ao que a profissão tem de mais belo – a busca da informação como fator de transformação social -, está para ser construído a partir das novas ferramentas que estão, ainda, sendo desenvolvidas por meio da internet. É neste novo ambiente que surgirão novos valores do Jornalismo, com ou sem diploma. Penso que a grande mídia está vivendo uma crise de credibilidade sem precedentes. Como acreditar no que é dito em um jornal, na tevê, nas rádios, nos sites de notícia se a informação é, na verdade, uma mercadoria? O jornalista, um peão neste intrincado jogo, é obrigado a se adaptar a estas regras. Ele tem contas para pagar, família para sustentar. O jornalista Dante Filho disse algo muito sério em recente artigo publicado aqui no Midiamax: “Quando o jornal (ou o jornalista) é corrupto ele abandona a comunidade e só pensa em seu umbigo. Quando ele é voluntarista e acredita que seu papel é salvar o mundo corre o risco de viver de migalhas, acreditando em moinhos de vento. O mundo é cruel. Não há situação confortável para quem decide se sustentar entre o clero e o Estado.”. Ele resume em poucas palavras o dilema do jornalista na atualidade. Por isso, aposto nestas novas ferramentas e em um Jornalismo de menor porte estrutural, focado na comunidade. Experiências neste sentido estão engatinhando em alguns lugares do planeta. Entre as propostas já em andamento está o jornalismo representativo, preconizado pelo professor Leonard Witt – da Kennesaw State University – e o jornalismo financiado (crowdfunding journalism), defendido por David Cohn. Ambos propõem um modelo no qual jornalistas sejam financiados diretamente por parcelas da população para desenvolverem pautas do interesse dessas comunidades. Escrevi sobre este tema recentemente, no artigo “Um financiamento público para o Jornalismo?”.
A Fenaj considerou a decisão do STF um retrocesso e uma demonstração do atrelamento do supremo “ao baronato” que controla a imprensa. Os termos dos votos dos ministros, o entendimento deles sobre a atuação do jornalista e as comparações com outras profissões foram os principais termos de indignação nas manifestações oficiais. Como você, que atua na área, enxergou essa questão, e, ainda o que é histeria e o que é análise crítica?
Pode-se discordar de alguns aspectos utilizados pelos ministros – em especial pelo relator, mas eles não desqualificam a decisão, propriamente dita. Penso que a decisão do STF teve como base a impossibilidade de a Fenaj sustentar as teses com as quais objetivava a manutenção da exigência do diploma.
Diziam, por exemplo, que "A não obrigatoriedade do diploma iria aviltar o mercado de trabalho possibilitando que qualquer um possa exercer a profissão". Se isso fosse verdade o problema já estaria ocorrendo, visto que, antes mesmo da decisão do STF, qualquer cidadão podia ir a Delegacia Regional de Trabalho e solicitar um registro precário de jornalista. No entanto, não houve nenhuma modificação no mercado de trabalho diante desta realidade, pois, na verdade, o filtro profissional é feito pelo próprio mercado. O que avilta a profissão é a reserva de mercado tornada possível com a exigência do diploma, que fez proliferar os cursos de jornalismo, que despejam anualmente um contingente que o mercado de trabalho não consegue absorver, mas que ajuda a Fenaj e os sindicatos a arrecadarem taxas de emissão de carteiras e até mensalidades de desempregados.
Vale citar que em junho de 2005 havia 35.322 jornalistas com carteira assinada no Brasil. Nesse mesmo ano, foram diplomados 28.185 alunos pelos nossos 497 cursos superiores em jornalismo, nos quais ingressaram 47.390 alunos. Supondo por baixo que os contratados pela CLT sejam um terço do total de profissionais em atividade, bastariam menos de quatro “fornadas” anuais para ocupar todo o mercado de trabalho. Na Itália, cuja população é um terço da brasileira, em 2005 havia 12 cursos de graduação em jornalismo. Espera-se que o fim da exigência do diploma enxugue este mercado obrigando as escolas de jornalismo a oferecer um ensino de alta qualidade.
Diziam também que "O jornalista diplomado é dotado de melhor formação técnica e ética para exercer a profissão". Esta noção é derrubada primeiramente pela existência de vários profissionais sem diploma e altamente qualificados atuando por todo o país e pelo mundo. Os que defendem esta tese fazem vista grossa ao crescente despreparo da massa de graduados despejada anualmente no mercado, isso sim uma ameaça para a ética e para a técnica jornalística.
Por fim, sustentavam que "Os defensores da não exigência do diploma confundem jornalismo com liberdade de expressão”. A idéia de que o principal argumento contra a obrigatoriedade do diploma é que ela ameaçaria a liberdade de opinião é falsa. Essa alegação equivocada foi amplamente utilizada em níveis vulgares de argumentação, mas, com o tempo, e graças a veículos como o Observatório da Imprensa – que incentivou o debate sobre o tema – esta idéia foi sistematicamente derrubada. Resumindo, o que estava em questão não é liberdade de expressão como a conhecemos, mas em um sentido muito mais amplo. Indico, para uma melhor compreensão deste aspecto, a leitura do artigo “A liberdade de expressão e o diploma de jornalismo”, do jornalista Maurício Tuffani.
Para esclarecer, é preciso dizer que o argumento central da tese que defendia a não obrigatoriedade do diploma para o exercício do jornalismo é que a formação superior específica em jornalismo não é condição necessária nem condição suficiente para o exercício dessa profissão com base em seus preceitos éticos e técnicos.
A tese sustenta que:
Em primeiro lugar falta razoabilidade a esta exigência, pois (1) “existem pessoas capacitadas para exercer o jornalismo sem serem graduadas em jornalismo”, (2) “existem pessoas graduadas em jornalismo e que não são capacitadas para exercer essa profissão” e, (3) “conseqüentemente, a graduação em jornalismo não é condição necessária nem condição suficiente para a capacitação para o exercício dessa profissão”.
A verificação de 1. se dá pelo fato de existirem vários exemplos de pessoas capacitadas para exercer o jornalismo sem serem graduadas em jornalismo e pela constatação de diversos países não exigirem a formação superior específica para o exercício da profissão, e foi corroborada pela forma como diversos teóricos do jornalismo o definem como atividade que prescinde de formação superior específica. A verificação de 2. se deu principalmente pelos fatos de que o jornalismo exige vocação e de que não existe consenso sobre o conteúdo curricular mínimo dos cursos para assegurar a qualificação profissional; ela poderia ser verificada também pela má qualidade de muitos cursos, mas esse argumento pode ser aplicado aos cursos de todas as profissões.
Os jornalistas se dividiram entre os contrários, os favoráveis e um bom montante de desinteressados e até desinformados. Nas universidades, o debate foi morno, quase inexistente. Essa situação, ainda que em uma análise superficial, não é sintomática de um certo fracasso organizacional? ... uma incapacidade de comunicação e mobilização?
Concordo. Diante dos desafios que se colocam diante de nossa profissão, da necessidade de encontrarmos novos nichos de mercado, de reinventarmos parte de nossa práxis profissional, ver um sindicato erguendo como bandeira de luta uma causa anacrônica como a defesa da exigência do diploma para o exercício do Jornalismo é extremamente preocupante, mostra o quanto estas instituições estão agarradas ao velho, ao arcaico. Mas há um aspecto ainda menos nobre. Os sindicatos e grande parte da academia se omitiram deste debate ao se recusarem efetuá-lo dentro de regras civilizadas. Usaram e abusaram da desqualificação de seus antagonistas, venderam para uma massa de estudantes desinformados idéias contraditórias e baseadas em falsas premissas. Já falei sobre isso no artigo “Debate sobre o diploma de jornalismo... que debate?”.
Você vislumbra alguma mudança nas relações profissionais a partir dessa decisão? Esse retrocesso visto pela Fenaj, ele deve refletir nas redações? Ou mesmo no ensino?
O jornalista Marcelo Soares matou este tema no artigo “Se você tem medo de concorrer com analfabetos, melhor plantar batatas”, mas faço minhas as palavras de Alec Duarte sobre a reação de alguns jornalistas ao anúncio da decisão do STF, sobre o futuro dos cursos de Jornalismo e da profissão.
“... que triste constatar centenas de comentários de jornalistas diplomados tratando a questão meramente como ‘joguei quatro anos no lixo’ ou ‘e os R$ 60 mil que paguei pelo curso, como ficam?’. Sintomáticas, são frases que exemplificam porque o jornalismo está tão ruim. Quer dizer que desde sempre a questão foi tratada apenas como um trâmite, uma obrigação a se cumprir, como se a formação pessoal não contasse nada. Pois bem: é exatamente nesse aspecto (o da formação) que eu vejo um futuro auspicioso.
Afinal de contas, agora a formação prevalece sobre a imbecil reserva de mercado. E, para ser jornalista, você terá de se preparar de verdade. Não bastará cumprir (sabe-se lá em que nível) uma quarentena obrigatória de oito semestres para, ao final dela, chegar ao pote de ouro. A mudança atingirá a universidade justamente no momento em que uma comissão de notáveis discute mudanças no currículo da graduação. Essa reformulação precisa ser mais aprofundada agora que a formação e especialização serão a moeda corrente _sim, as empresas seguirão dando preferência a quem entende do assunto.
A diferença é que, agora, o portador do diploma não terá um passe para exercer automaticamente a profissão. Ou seja: a faculdade só poderá lhe fornecer informação, não o passe de papel. E as que vivem acenando com o passe, estas sim, estão seriamente ameaçadas.
Com a decisão do STF, preparar-se passou a ser o fim, não um incômodo entre aluno e salvo-conduto para trabalhar. Prevejo ainda uma enxurrada de cursos de especialização no que você puder imaginar (jornalismo esportivo, político, econômico, cultural, oficinas de reportagem, texto etc.). Aliás, já há vários projetos sendo preparados para 2010.
No quesito categoria profissional, o fim do diploma também traz consigo a oportunidade histórica de, finalmente, reunir os jornalistas numa categoria de verdade. Qualquer argumentação sobre o fim da obrigatoriedade precipitar contratações irregulares, jornadas extenuantes de trabalho, não pagamento de horas extras, condições precárias de trabalho e quetais não colam.
Tudo isso já existe hoje, no mundo real. E sob a égide do diploma. O que leva o patronato a tratar os jornalistas como subempregados é precisamente a ausência de um espírito coletivo.
Vejo a suposta fragilização da profissão, após a decisão do STF, por outro ângulo: o fim da reserva de mercado, e a possibilidade de ingresso no jornalismo de profissionais com outras experiências inclusive no trato com os patrões, dão a todos nós a chance imensa de estabelecer outro tipo de relação com o empregador _e, quem sabe, atingir a tão sonhada categoria que discurso nenhum de sindicato conseguiu forjar.
Quem se habituou a ser tratado como gado, como os jornalistas diplomados, ganha uma ótima perspectiva com a companhia, agora oficializada, de gente que não está acostumada a essas relações de trabalho tão podres que foram construídas com a conivência de quem (eu, inclusive) deveria ter protegido o exercício da profissão.
Restringir o acesso a ela, como já sabemos, não funcionou.”
Dá pra dizer quem ganha e quem perde com o fim da obrigatoriedade?
Ganha o Jornalismo, os jornalistas e a sociedade. A partir de agora, os cursos de Jornalismo que queiram sobreviver serão obrigados a oferecer qualidade, formação aprofundada, um diferencial, jogando para o mercado de trabalho gente realmente qualificada. Pessoas talentosas que optem por se dedicar a outros campos do conhecimento - importantes para a formação de um jornalista - como história, filosofia e sociologia poderão ingressar no Jornalismo sem amarras, aumentando a qualidade crítica da produção de informação, o que se refletirá diretamente na sociedade. Quem perde é o sindicalismo burro, que se agarra ao micro, ao corporativismo, perdendo o foco do macro, do que é, de fato, bom para a sociedade. Perdem também as fábricas de diploma, que jamais se preocuparam com a formação, encarando a educação apenas como comércio.
Para começar, gostaria que você relatasse há quantos anos é jornalista e qual sua formação.
Tenho 21 anos de profissão, iniciados em 1988, pelas mãos do jornalista Luiz Paulo Coutinho (Jornal do Brasil), precursor do jornalismo comunitário que floresceu na Barra da Tijuca (RJ) nas décadas de 80 e 90, do qual participei ativamente. Nos anos que se seguiram passei por todos os nichos do Jornalismo. Fui repórter de Geral, Polícia e Esportes em veículos de bairro e em diários cariocas, editei meus próprios jornais e revistas, fiz assessoria de imprensa. Mudei-me para Campo Grande (MS) em 2000 e aqui participei das equipes que fundaram dois jornais diários da capital (Diário do Pantanal e O Estado de Mato Grosso do Sul), onde atuei como repórter e editor; passei pelo site de notícias Midiamax e pelo semanário A Crítica, trabalhei na TV Brasil Pantanal (antiga TVE) e em secretarias estaduais, assessorei associações, empresas, políticos e o legislativo campo-grandenses. Hoje atuo na assessoria de imprensa da Prefeitura Municipal de Campo Grande. Em 1988 ingressei no curso de Jornalismo da antiga Faculdade da Cidade (hoje UniverCidade), no Rio de Janeiro, onde cursei até o sétimo período, quando, por problemas particulares, precisei abandonar os estudos. Nesta época eu já trabalhava na área e nunca mais parei. Em 2006, já em MS, resolvi concluir o curso e ingressei na Universidade Católica Dom Bosco (UCDB), onde cursei o sétimo e o oitavo períodos. Ainda faltavam algumas matérias que haviam surgido na grade curricular após uma lacuna de quase 20 anos entre minha primeira experiência na Faculdade da Cidade e a retomada dos estudos. Estas, cursei de forma orientada. Concluí o curso em janeiro.
À sua formação profissional, a universidade foi fundamental?
Penso que o estudo é fundamental para qualquer pessoa. No entanto, estudo não é, necessariamente, apenas, o que aprendemos nas salas de aula. O hábito da leitura, a curiosidade sobre o mundo e sobre como o homem caminhou para a contemporaneidade são, também, formas de obter conhecimentos tão ou mais importantes do que se pode aprender formalmente. Não digo que o curso de Jornalismo não tenha agregado valores na minha formação pessoal. Mas não posso dizer, também, que foi ele (o curso) que me fez jornalista. Portanto, não, não foi fundamental na minha formação profissional.
Você acredita que a não obrigatoriedade do diploma para o exercício da profissão representa em uma noção de que o ensino superior é dispensável? Para você, pessoalmente, é isso que significa?
De forma alguma. O ensino é fundamental. Desde o início, e ainda agora, este debate foi poluído com falsos conceitos. Em nenhum momento defendeu-se que o curso superior de Jornalismo era algo desnecessário. O que se defendia é que ele (o curso) não seria a “única forma de aferir se uma pessoa teria ou não condições de exercer a profissão”. E há uma diferença gritante entre as duas coisas. A imensa maioria dos grandes jornalistas que construíram esta profissão pelo mundo não passaram pelas universidades. Eles são a prova de que o curso superior não é “essencial” para definir se alguém tem ou não condições de ser um jornalista. No entanto, nos países civilizados – onde o diploma não é condição para o exercício do Jornalismo e, ainda assim, se pratica um Jornalismo tão bom, ou melhor, que o nosso – as universidades oferecem o curso de Jornalismo. Uma coisa não exclui a outra. Na Argentina e nos Estados Unidos, por exemplo, onde o diploma não é exigência para o exercício do Jornalismo, as salas de aula dos cursos de Jornalismo estão cheias. Diferente do que ocorre no Brasil, nestes países – e em muitos outros - os cursos superiores de Jornalismo são um diferencial na formação de profissionais e não fábricas de diploma como ocorre no Brasil (salvo honrosas exceções). É inconcebível ouvir de um jornalista recém-formado argentino, alemão ou norte-americano o que temos ouvido aqui. Coisas como “Com a não exigência do diploma perdi quatro anos de vida”, ou “Meu diploma não vale mais nada, pois agora qualquer um vai poder ser jornalista”. Balela. Gente muito mais capacitada que eu tem dito a mesma coisa. Para não me estender, indico a leitura do artigo “O fim do diploma e o começo de outro jornalismo”, do jornalista Alec Duarte, professor do curso de Comunicação Social do Centro Universitário Assunção (Unifai), de São Paulo-SP.
A história do jornalismo no Brasil registra grandes nomes que jamais passaram pela academia e, no entanto, são os que embelezam a memória da profissão. Ainda é possível que surja nos jornais, nos sites, nos blogs, gente que exerça a profissão por aptidão e com o mesmo rigor do profissional diplomado?
Acho que o futuro do Jornalismo, de um Jornalismo fiel ao que a profissão tem de mais belo – a busca da informação como fator de transformação social -, está para ser construído a partir das novas ferramentas que estão, ainda, sendo desenvolvidas por meio da internet. É neste novo ambiente que surgirão novos valores do Jornalismo, com ou sem diploma. Penso que a grande mídia está vivendo uma crise de credibilidade sem precedentes. Como acreditar no que é dito em um jornal, na tevê, nas rádios, nos sites de notícia se a informação é, na verdade, uma mercadoria? O jornalista, um peão neste intrincado jogo, é obrigado a se adaptar a estas regras. Ele tem contas para pagar, família para sustentar. O jornalista Dante Filho disse algo muito sério em recente artigo publicado aqui no Midiamax: “Quando o jornal (ou o jornalista) é corrupto ele abandona a comunidade e só pensa em seu umbigo. Quando ele é voluntarista e acredita que seu papel é salvar o mundo corre o risco de viver de migalhas, acreditando em moinhos de vento. O mundo é cruel. Não há situação confortável para quem decide se sustentar entre o clero e o Estado.”. Ele resume em poucas palavras o dilema do jornalista na atualidade. Por isso, aposto nestas novas ferramentas e em um Jornalismo de menor porte estrutural, focado na comunidade. Experiências neste sentido estão engatinhando em alguns lugares do planeta. Entre as propostas já em andamento está o jornalismo representativo, preconizado pelo professor Leonard Witt – da Kennesaw State University – e o jornalismo financiado (crowdfunding journalism), defendido por David Cohn. Ambos propõem um modelo no qual jornalistas sejam financiados diretamente por parcelas da população para desenvolverem pautas do interesse dessas comunidades. Escrevi sobre este tema recentemente, no artigo “Um financiamento público para o Jornalismo?”.
A Fenaj considerou a decisão do STF um retrocesso e uma demonstração do atrelamento do supremo “ao baronato” que controla a imprensa. Os termos dos votos dos ministros, o entendimento deles sobre a atuação do jornalista e as comparações com outras profissões foram os principais termos de indignação nas manifestações oficiais. Como você, que atua na área, enxergou essa questão, e, ainda o que é histeria e o que é análise crítica?
Pode-se discordar de alguns aspectos utilizados pelos ministros – em especial pelo relator, mas eles não desqualificam a decisão, propriamente dita. Penso que a decisão do STF teve como base a impossibilidade de a Fenaj sustentar as teses com as quais objetivava a manutenção da exigência do diploma.
Diziam, por exemplo, que "A não obrigatoriedade do diploma iria aviltar o mercado de trabalho possibilitando que qualquer um possa exercer a profissão". Se isso fosse verdade o problema já estaria ocorrendo, visto que, antes mesmo da decisão do STF, qualquer cidadão podia ir a Delegacia Regional de Trabalho e solicitar um registro precário de jornalista. No entanto, não houve nenhuma modificação no mercado de trabalho diante desta realidade, pois, na verdade, o filtro profissional é feito pelo próprio mercado. O que avilta a profissão é a reserva de mercado tornada possível com a exigência do diploma, que fez proliferar os cursos de jornalismo, que despejam anualmente um contingente que o mercado de trabalho não consegue absorver, mas que ajuda a Fenaj e os sindicatos a arrecadarem taxas de emissão de carteiras e até mensalidades de desempregados.
Vale citar que em junho de 2005 havia 35.322 jornalistas com carteira assinada no Brasil. Nesse mesmo ano, foram diplomados 28.185 alunos pelos nossos 497 cursos superiores em jornalismo, nos quais ingressaram 47.390 alunos. Supondo por baixo que os contratados pela CLT sejam um terço do total de profissionais em atividade, bastariam menos de quatro “fornadas” anuais para ocupar todo o mercado de trabalho. Na Itália, cuja população é um terço da brasileira, em 2005 havia 12 cursos de graduação em jornalismo. Espera-se que o fim da exigência do diploma enxugue este mercado obrigando as escolas de jornalismo a oferecer um ensino de alta qualidade.
Diziam também que "O jornalista diplomado é dotado de melhor formação técnica e ética para exercer a profissão". Esta noção é derrubada primeiramente pela existência de vários profissionais sem diploma e altamente qualificados atuando por todo o país e pelo mundo. Os que defendem esta tese fazem vista grossa ao crescente despreparo da massa de graduados despejada anualmente no mercado, isso sim uma ameaça para a ética e para a técnica jornalística.
Por fim, sustentavam que "Os defensores da não exigência do diploma confundem jornalismo com liberdade de expressão”. A idéia de que o principal argumento contra a obrigatoriedade do diploma é que ela ameaçaria a liberdade de opinião é falsa. Essa alegação equivocada foi amplamente utilizada em níveis vulgares de argumentação, mas, com o tempo, e graças a veículos como o Observatório da Imprensa – que incentivou o debate sobre o tema – esta idéia foi sistematicamente derrubada. Resumindo, o que estava em questão não é liberdade de expressão como a conhecemos, mas em um sentido muito mais amplo. Indico, para uma melhor compreensão deste aspecto, a leitura do artigo “A liberdade de expressão e o diploma de jornalismo”, do jornalista Maurício Tuffani.
Para esclarecer, é preciso dizer que o argumento central da tese que defendia a não obrigatoriedade do diploma para o exercício do jornalismo é que a formação superior específica em jornalismo não é condição necessária nem condição suficiente para o exercício dessa profissão com base em seus preceitos éticos e técnicos.
A tese sustenta que:
Em primeiro lugar falta razoabilidade a esta exigência, pois (1) “existem pessoas capacitadas para exercer o jornalismo sem serem graduadas em jornalismo”, (2) “existem pessoas graduadas em jornalismo e que não são capacitadas para exercer essa profissão” e, (3) “conseqüentemente, a graduação em jornalismo não é condição necessária nem condição suficiente para a capacitação para o exercício dessa profissão”.
A verificação de 1. se dá pelo fato de existirem vários exemplos de pessoas capacitadas para exercer o jornalismo sem serem graduadas em jornalismo e pela constatação de diversos países não exigirem a formação superior específica para o exercício da profissão, e foi corroborada pela forma como diversos teóricos do jornalismo o definem como atividade que prescinde de formação superior específica. A verificação de 2. se deu principalmente pelos fatos de que o jornalismo exige vocação e de que não existe consenso sobre o conteúdo curricular mínimo dos cursos para assegurar a qualificação profissional; ela poderia ser verificada também pela má qualidade de muitos cursos, mas esse argumento pode ser aplicado aos cursos de todas as profissões.
Os jornalistas se dividiram entre os contrários, os favoráveis e um bom montante de desinteressados e até desinformados. Nas universidades, o debate foi morno, quase inexistente. Essa situação, ainda que em uma análise superficial, não é sintomática de um certo fracasso organizacional? ... uma incapacidade de comunicação e mobilização?
Concordo. Diante dos desafios que se colocam diante de nossa profissão, da necessidade de encontrarmos novos nichos de mercado, de reinventarmos parte de nossa práxis profissional, ver um sindicato erguendo como bandeira de luta uma causa anacrônica como a defesa da exigência do diploma para o exercício do Jornalismo é extremamente preocupante, mostra o quanto estas instituições estão agarradas ao velho, ao arcaico. Mas há um aspecto ainda menos nobre. Os sindicatos e grande parte da academia se omitiram deste debate ao se recusarem efetuá-lo dentro de regras civilizadas. Usaram e abusaram da desqualificação de seus antagonistas, venderam para uma massa de estudantes desinformados idéias contraditórias e baseadas em falsas premissas. Já falei sobre isso no artigo “Debate sobre o diploma de jornalismo... que debate?”.
Você vislumbra alguma mudança nas relações profissionais a partir dessa decisão? Esse retrocesso visto pela Fenaj, ele deve refletir nas redações? Ou mesmo no ensino?
O jornalista Marcelo Soares matou este tema no artigo “Se você tem medo de concorrer com analfabetos, melhor plantar batatas”, mas faço minhas as palavras de Alec Duarte sobre a reação de alguns jornalistas ao anúncio da decisão do STF, sobre o futuro dos cursos de Jornalismo e da profissão.
“... que triste constatar centenas de comentários de jornalistas diplomados tratando a questão meramente como ‘joguei quatro anos no lixo’ ou ‘e os R$ 60 mil que paguei pelo curso, como ficam?’. Sintomáticas, são frases que exemplificam porque o jornalismo está tão ruim. Quer dizer que desde sempre a questão foi tratada apenas como um trâmite, uma obrigação a se cumprir, como se a formação pessoal não contasse nada. Pois bem: é exatamente nesse aspecto (o da formação) que eu vejo um futuro auspicioso.
Afinal de contas, agora a formação prevalece sobre a imbecil reserva de mercado. E, para ser jornalista, você terá de se preparar de verdade. Não bastará cumprir (sabe-se lá em que nível) uma quarentena obrigatória de oito semestres para, ao final dela, chegar ao pote de ouro. A mudança atingirá a universidade justamente no momento em que uma comissão de notáveis discute mudanças no currículo da graduação. Essa reformulação precisa ser mais aprofundada agora que a formação e especialização serão a moeda corrente _sim, as empresas seguirão dando preferência a quem entende do assunto.
A diferença é que, agora, o portador do diploma não terá um passe para exercer automaticamente a profissão. Ou seja: a faculdade só poderá lhe fornecer informação, não o passe de papel. E as que vivem acenando com o passe, estas sim, estão seriamente ameaçadas.
Com a decisão do STF, preparar-se passou a ser o fim, não um incômodo entre aluno e salvo-conduto para trabalhar. Prevejo ainda uma enxurrada de cursos de especialização no que você puder imaginar (jornalismo esportivo, político, econômico, cultural, oficinas de reportagem, texto etc.). Aliás, já há vários projetos sendo preparados para 2010.
No quesito categoria profissional, o fim do diploma também traz consigo a oportunidade histórica de, finalmente, reunir os jornalistas numa categoria de verdade. Qualquer argumentação sobre o fim da obrigatoriedade precipitar contratações irregulares, jornadas extenuantes de trabalho, não pagamento de horas extras, condições precárias de trabalho e quetais não colam.
Tudo isso já existe hoje, no mundo real. E sob a égide do diploma. O que leva o patronato a tratar os jornalistas como subempregados é precisamente a ausência de um espírito coletivo.
Vejo a suposta fragilização da profissão, após a decisão do STF, por outro ângulo: o fim da reserva de mercado, e a possibilidade de ingresso no jornalismo de profissionais com outras experiências inclusive no trato com os patrões, dão a todos nós a chance imensa de estabelecer outro tipo de relação com o empregador _e, quem sabe, atingir a tão sonhada categoria que discurso nenhum de sindicato conseguiu forjar.
Quem se habituou a ser tratado como gado, como os jornalistas diplomados, ganha uma ótima perspectiva com a companhia, agora oficializada, de gente que não está acostumada a essas relações de trabalho tão podres que foram construídas com a conivência de quem (eu, inclusive) deveria ter protegido o exercício da profissão.
Restringir o acesso a ela, como já sabemos, não funcionou.”
Dá pra dizer quem ganha e quem perde com o fim da obrigatoriedade?
Ganha o Jornalismo, os jornalistas e a sociedade. A partir de agora, os cursos de Jornalismo que queiram sobreviver serão obrigados a oferecer qualidade, formação aprofundada, um diferencial, jogando para o mercado de trabalho gente realmente qualificada. Pessoas talentosas que optem por se dedicar a outros campos do conhecimento - importantes para a formação de um jornalista - como história, filosofia e sociologia poderão ingressar no Jornalismo sem amarras, aumentando a qualidade crítica da produção de informação, o que se refletirá diretamente na sociedade. Quem perde é o sindicalismo burro, que se agarra ao micro, ao corporativismo, perdendo o foco do macro, do que é, de fato, bom para a sociedade. Perdem também as fábricas de diploma, que jamais se preocuparam com a formação, encarando a educação apenas como comércio.
3 comentários:
Habilidades e competências são bem melhores do que qualquer diploma.
hehehe
Adorei a entrevista Barone.
Concordo Bardo. Valeu Adriana.
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