Uma revolução muda ocorre neste momento na Venezuela. Que cara tem esta revolução? Isso depende da leitura que se faz de direita e de esquerda, de liberdade e servidão. Há quem diga que se trata de uma revolução socialista, há os que sustentem tratar-se de uma guinada totalitária.
Mais um capítulo deste debate ocorre neste momento, enquanto tentamos entender os rumos da América Latina. Na segunda-feira (16 de março) deu-se início a ordem expedida por Hugo Chavez de ocupação dos portos e aeroportos do país que se encontram em cidades governadas pela oposição. Segundo o site do jornal "El Carabobeño", cerca de 300 soldados do Exército já ocupavam na segunda-feira (16) o porto de Cabello (em Carabobo). Chávez ameaçou prender os governadores que tentarem resistir à decisão.
O anúncio ta ocupação foi feito três dias depois que o Congresso aprovar uma lei que permite ao governo central assumir estradas, portos e aeroportos sob administração dos governadores.
Uma medida de caráter socialista? Sim, para os que entendem socialismo como estatização e controle do Estado sobre a sociedade civil. É o que se pode decifrar, por exemplo, das declarações do deputado e constitucionalista Carlos Escarra (PSUV), para quem a descentralização citada por Chavez para justificar a ação significaria a transferência das estradas, portos e aeroportos ao controle do poder popular: “E o poder nacional é o reitor, o ordenador desse poder popular", diz o deputado. Ou seja, o Estado representa o anseio popular.
Para quem pensa socialismo como – entre outras coisas - a descentralização do poder e o empoderamento popular, o que ocorre na Venezuela lembra a sanha fascista ou os falidos totalitarismos de esquerda, onde o Estado se transformou no grande provedor, berço de uma nova elite, dirigido por figuras messiânicas e pelo culto à personalidade.
É fato que as novas constituições de Venezuela, Bolívia (com Evo Morales) e Equador (com Rafael Correa) promoveram uma extrema concentração de poder nas mãos do Executivo. Em recente artigo publicado no Escrevinhamentos (“Chavez, direita, esquerda e fascismo”) eu já havia abordado o caráter centralizador das três constituições, que, segundo artigo do jornalista Joshua Partlow, publicado no dia 17 de fevereiro no The Washington Post – baseado, por sua vez, em reportagem do jornal espanhol ABC, de novembro de 2007 – foram escritas, ou profundamente influenciadas, por um grupo de acadêmicos espanhóis – reunidos no Centro de Estudos Político e Sociais (CEPS), da Universidade de Valença - encabeçado por Roberto Viciano Pastor. Professor de Direito Constitucional na Universidade de Valencia (titular da Cátedra Jean Monnet sobre Instituições Comunitárias), Pastor teria sido ex-militante do grupo fascista Fuerza Nova, que na década de 60 apoiava o ditador Francisco Franco na Espanha.
Socialismo ou barbárie?
Para o sociólogo venezuelano Edgardo Lander, da Universidade Central da Venezuela, “o acúmulo teórico sobre o socialismo que se pretende para a Venezuela ainda é muito incipiente, preliminar”. Diz o acadêmico: “Se fala muito em socialismo do século 21, mas não há uma discussão política e sociológica sobre o que é isso”.
Segundo Lander, se por um lado Chavez constrói mecanismos de participação popular (N.R: como os referendos), por outro mantém uma centralização estatista e personalista que opera numa lógica contraditória de um processo de democratização. “Há um modelo crescentemente estatista onde a autonomia das mobilizações está vinculada ao poder político”, opina.
A possibilidade de perpetuar-se no poder, conquistada pelo presidente venezuelano após o referendo de 15 de fevereiro, é outra questão interessante nesta dicotomia entre esquerda e direita que domina o debate sobre o que ocorre no país. O uso da consulta popular, baseado em noções de democracia direta, é uma ferramenta importante para a construção de um socialismo descentralizado e focado na real vontade popular. No entanto, a vontade popular em uma sociedade empobrecida e de baixo nível intelectual, pode ser facilmente manipulada.
Editor do jornal Brecha e especialista em América Latina, o jornalista uruguaio Raúl Zibechi crê que, da forma em que está sendo posto na Venezuela – contaminado por agentes estatais - o referendo popular não pode ser considerado uma medida de caráter socialista. “O socialismo é composto por relações sociais baseadas na solidariedade, na ajuda mútua, na reciprocidade e na propriedade coletiva dos meios de produção. E isso não é feito pelos Estados, nem pelos governos, nem pelos caudilhos, mas sim pelos setores populares organizados em movimentos sociais, de baixo para cima”, define.
Na Venezuela, estes “agentes estatais” são representadas pelas políticas assistencialistas bancadas pelo petróleo e pela infiltração dos agentes chavistas em todos os âmbitos da máquina pública e de controle social. Assim como no Brasil o programa Bolsa-Família tem sido um dos motivos mais fortes para a concentração do voto das camadas menos favorecidas em Lula (conforme já abordei no artigo “Frei Betto e o assistencialismo”), sob Chavez os venezuelanos excluídos respondem com voto aos benefícios do Estado bancados pelo petróleo.
Qual será a reação de Chavez quando a estrutura populista construída sobre a exportação de petróleo se tornar pesada demais para ser bancada pelo Estado? Em interessante artigo datado de fevereiro de 2007, publicado no World Socialist Website, Jair Antunes faz uma consistente abordagem sobre esta questão.
De lá para cá, esta dependência mostrou seu lado sombrio com a queda brusca no preço do petróleo - que caiu quase US$ 100/barril nos últimos oito meses.
A necessidade de realizar uma rígida política fiscal, com cortes nos gastos sociais e na ajuda que tem mantido a outras nações sul-americanas será o grande teste do “socialismo bolivarista” de Chavez. Os primeiros sinais destes ajustes foram dados no domingo (15) com o anúncio de possível reajuste no preço da gasolina, até então mantido intacto graças ao financiamento social garantido pelo petróleo. Enquanto isso, a inflação saltou para 30,7%, comparada a 24,1% no último ano e a taxa de crescimento do país no último semestre de 2008 caiu 2%, se comparado com os 8,5% durante o mesmo período de 2007.
Conflito de classes
O resultado inevitável desse aprofundamento da crise econômica será a intensificação dos conflitos de classe no país, que, por sua vez, deve expor de maneira mais aguda as divisões de classe dentro do próprio movimento chavista.
Não é de hoje que se denuncia o controle chavista sobre os sindicatos e desde fevereiro há claros sinais de insatisfação no setor. No artigo “Chavez vence referendum em meio ao aprofundamento da crise na Venezuela”, Bill Van Auken aponta a centralização da “revolução bolivariana” na Venezuela e afirma que “com a inflação exercendo uma pressão crescente sobre os salários e novos ataques aos empregos, os trabalhadores venezuelanos têm respondido com greves combativas que rapidamente se desdobram em violentos confrontos com as forças estatais”. Diz, ainda, que “o governo tem buscado conter qualquer oposição de esquerda, arrebanhando várias organizações dentro do seu partido”, o Partido Socialista Unificado da Venezuela (PSUV).
Isso já está acontecendo.
Em 29 de janeiro, a polícia atirou e matou dois metalúrgicos em uma assembléia de trabalhadores que se realizava na planta da Mitsubishi, no estado de Anzoátegui. Os trabalhadores ocuparam a fábrica em apoio aos 135 companheiros do setor de limpeza e manutenção que foram demitidos. Além dos dois operários mortos - José Gabriel Marcano Hurtado, 36, operário da Mitsubishi e Pedro Suárez Poito, 23, trabalhador de uma fábrica de autopeças que havia se somado ao protesto - ao menos outros seis operários foram atingidos pelos tiros da polícia.
Em novembro passado, três dirigentes sindicais de esquerda - Richard Gallardo, Luis Hernández e Carlos Requena - foram assassinados no estado venezuelano de Araqua após a ocupação de uma fábrica de leite colombiana, desmantelada violentamente pela polícia.
Afinal, que socialismo é este?
Mais um capítulo deste debate ocorre neste momento, enquanto tentamos entender os rumos da América Latina. Na segunda-feira (16 de março) deu-se início a ordem expedida por Hugo Chavez de ocupação dos portos e aeroportos do país que se encontram em cidades governadas pela oposição. Segundo o site do jornal "El Carabobeño", cerca de 300 soldados do Exército já ocupavam na segunda-feira (16) o porto de Cabello (em Carabobo). Chávez ameaçou prender os governadores que tentarem resistir à decisão.
O anúncio ta ocupação foi feito três dias depois que o Congresso aprovar uma lei que permite ao governo central assumir estradas, portos e aeroportos sob administração dos governadores.
Uma medida de caráter socialista? Sim, para os que entendem socialismo como estatização e controle do Estado sobre a sociedade civil. É o que se pode decifrar, por exemplo, das declarações do deputado e constitucionalista Carlos Escarra (PSUV), para quem a descentralização citada por Chavez para justificar a ação significaria a transferência das estradas, portos e aeroportos ao controle do poder popular: “E o poder nacional é o reitor, o ordenador desse poder popular", diz o deputado. Ou seja, o Estado representa o anseio popular.
Para quem pensa socialismo como – entre outras coisas - a descentralização do poder e o empoderamento popular, o que ocorre na Venezuela lembra a sanha fascista ou os falidos totalitarismos de esquerda, onde o Estado se transformou no grande provedor, berço de uma nova elite, dirigido por figuras messiânicas e pelo culto à personalidade.
É fato que as novas constituições de Venezuela, Bolívia (com Evo Morales) e Equador (com Rafael Correa) promoveram uma extrema concentração de poder nas mãos do Executivo. Em recente artigo publicado no Escrevinhamentos (“Chavez, direita, esquerda e fascismo”) eu já havia abordado o caráter centralizador das três constituições, que, segundo artigo do jornalista Joshua Partlow, publicado no dia 17 de fevereiro no The Washington Post – baseado, por sua vez, em reportagem do jornal espanhol ABC, de novembro de 2007 – foram escritas, ou profundamente influenciadas, por um grupo de acadêmicos espanhóis – reunidos no Centro de Estudos Político e Sociais (CEPS), da Universidade de Valença - encabeçado por Roberto Viciano Pastor. Professor de Direito Constitucional na Universidade de Valencia (titular da Cátedra Jean Monnet sobre Instituições Comunitárias), Pastor teria sido ex-militante do grupo fascista Fuerza Nova, que na década de 60 apoiava o ditador Francisco Franco na Espanha.
Socialismo ou barbárie?
Para o sociólogo venezuelano Edgardo Lander, da Universidade Central da Venezuela, “o acúmulo teórico sobre o socialismo que se pretende para a Venezuela ainda é muito incipiente, preliminar”. Diz o acadêmico: “Se fala muito em socialismo do século 21, mas não há uma discussão política e sociológica sobre o que é isso”.
Segundo Lander, se por um lado Chavez constrói mecanismos de participação popular (N.R: como os referendos), por outro mantém uma centralização estatista e personalista que opera numa lógica contraditória de um processo de democratização. “Há um modelo crescentemente estatista onde a autonomia das mobilizações está vinculada ao poder político”, opina.
A possibilidade de perpetuar-se no poder, conquistada pelo presidente venezuelano após o referendo de 15 de fevereiro, é outra questão interessante nesta dicotomia entre esquerda e direita que domina o debate sobre o que ocorre no país. O uso da consulta popular, baseado em noções de democracia direta, é uma ferramenta importante para a construção de um socialismo descentralizado e focado na real vontade popular. No entanto, a vontade popular em uma sociedade empobrecida e de baixo nível intelectual, pode ser facilmente manipulada.
Editor do jornal Brecha e especialista em América Latina, o jornalista uruguaio Raúl Zibechi crê que, da forma em que está sendo posto na Venezuela – contaminado por agentes estatais - o referendo popular não pode ser considerado uma medida de caráter socialista. “O socialismo é composto por relações sociais baseadas na solidariedade, na ajuda mútua, na reciprocidade e na propriedade coletiva dos meios de produção. E isso não é feito pelos Estados, nem pelos governos, nem pelos caudilhos, mas sim pelos setores populares organizados em movimentos sociais, de baixo para cima”, define.
Na Venezuela, estes “agentes estatais” são representadas pelas políticas assistencialistas bancadas pelo petróleo e pela infiltração dos agentes chavistas em todos os âmbitos da máquina pública e de controle social. Assim como no Brasil o programa Bolsa-Família tem sido um dos motivos mais fortes para a concentração do voto das camadas menos favorecidas em Lula (conforme já abordei no artigo “Frei Betto e o assistencialismo”), sob Chavez os venezuelanos excluídos respondem com voto aos benefícios do Estado bancados pelo petróleo.
Qual será a reação de Chavez quando a estrutura populista construída sobre a exportação de petróleo se tornar pesada demais para ser bancada pelo Estado? Em interessante artigo datado de fevereiro de 2007, publicado no World Socialist Website, Jair Antunes faz uma consistente abordagem sobre esta questão.
De lá para cá, esta dependência mostrou seu lado sombrio com a queda brusca no preço do petróleo - que caiu quase US$ 100/barril nos últimos oito meses.
A necessidade de realizar uma rígida política fiscal, com cortes nos gastos sociais e na ajuda que tem mantido a outras nações sul-americanas será o grande teste do “socialismo bolivarista” de Chavez. Os primeiros sinais destes ajustes foram dados no domingo (15) com o anúncio de possível reajuste no preço da gasolina, até então mantido intacto graças ao financiamento social garantido pelo petróleo. Enquanto isso, a inflação saltou para 30,7%, comparada a 24,1% no último ano e a taxa de crescimento do país no último semestre de 2008 caiu 2%, se comparado com os 8,5% durante o mesmo período de 2007.
Conflito de classes
O resultado inevitável desse aprofundamento da crise econômica será a intensificação dos conflitos de classe no país, que, por sua vez, deve expor de maneira mais aguda as divisões de classe dentro do próprio movimento chavista.
Não é de hoje que se denuncia o controle chavista sobre os sindicatos e desde fevereiro há claros sinais de insatisfação no setor. No artigo “Chavez vence referendum em meio ao aprofundamento da crise na Venezuela”, Bill Van Auken aponta a centralização da “revolução bolivariana” na Venezuela e afirma que “com a inflação exercendo uma pressão crescente sobre os salários e novos ataques aos empregos, os trabalhadores venezuelanos têm respondido com greves combativas que rapidamente se desdobram em violentos confrontos com as forças estatais”. Diz, ainda, que “o governo tem buscado conter qualquer oposição de esquerda, arrebanhando várias organizações dentro do seu partido”, o Partido Socialista Unificado da Venezuela (PSUV).
Isso já está acontecendo.
Em 29 de janeiro, a polícia atirou e matou dois metalúrgicos em uma assembléia de trabalhadores que se realizava na planta da Mitsubishi, no estado de Anzoátegui. Os trabalhadores ocuparam a fábrica em apoio aos 135 companheiros do setor de limpeza e manutenção que foram demitidos. Além dos dois operários mortos - José Gabriel Marcano Hurtado, 36, operário da Mitsubishi e Pedro Suárez Poito, 23, trabalhador de uma fábrica de autopeças que havia se somado ao protesto - ao menos outros seis operários foram atingidos pelos tiros da polícia.
Em novembro passado, três dirigentes sindicais de esquerda - Richard Gallardo, Luis Hernández e Carlos Requena - foram assassinados no estado venezuelano de Araqua após a ocupação de uma fábrica de leite colombiana, desmantelada violentamente pela polícia.
Afinal, que socialismo é este?
1 comentário:
"As veias abertas da América Latina", uma situação temível quando se cerceia a liberdade de pensamento e ação, quando o estado oprime os que se manifestam contrários aos seus atos, quando mata, oprime, sufoca. Não há valor maior que a liberdade. Chavez se apropria da democracia e implanta um estado totalitário, mesmo que seja pra fugir das garras do imperialismo. Não há justificativa. Muito sangue vai escorrer pelas veias abertas de um povo que já sofreu e sofre tanto, que já amargou os descaminhos da ditadura de direita, e que é novamente oprimido e desta vez com sua própria anuência.
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