Recebi um e-mail estes dias, que começava com a seguinte citação de Olavo de Carvalho: "Todo comunista, sem exceção, é cúmplice de genocídio, é um criminoso, um celerado, tanto mais desprovido de consciência moral quanto mais imbuído da ilusão satânica da sua própria santidade. Nenhum comunista merece consideração, nenhum comunista é pessoa decente, nenhum comunista é digno de crédito. São todos, junto com os nazistas e os terroristas islâmicos, a escória da espécie humana".
Não sou comunista, pelo menos não me enquadro no que se convencionou classificar como comunista: adepto do centralismo democrático e de uma visão na qual o Estado deve regular todas as nuances sociais. Mas sou de esquerda desde menino, um socialista libertário e me reconheço em muitos conceitos que Mino Carta expressa ao separar eticamente direita e esquerda. Por isso, muito me incomodou o referido e-mail, cujo conteúdo que se seguiu à citação trazia noções ainda mais generalistas e preconceituosas.
Não me sinto bem ao lado de fascistas, xenófobos ou gente que discrimina por questões raciais, sexuais ou religiosas. Mas, não ouso classificar todas as pessoas que se enquadram nestas linhas de conduta como cúmplices de genocídio, criminosos, celerados, desprovidos de consciência moral, imbuídos da ilusão satânica, indignos de consideração ou crédito, indecentes, ou que sejam “a escória da espécie humana".
O contexto da missiva era o de uma comparação entre os guerrilheiros que se opuseram ao regime militar nos anos 60 e 70 no Brasil e os torturadores que foram (assim como estes guerrilheiros) beneficiados pela anistia.
Diz um trecho do e-mail: “...na verdade o Sr Franklin Martins, Ministro do Governo da República Federativa do Brasil - embora tenha força para evitar que se publiquem matérias nos jornais escritos ou falados em nosso País - não tem permissão para entrar nos Estados Unidos, pois ali continua arrolado como TERRORISTA! Não adianta o fato de nós os termos anistiado.”. E questiona: “Se o mundo não concede anistia a Bin Laden, por que concederia a Franklin Martins?”.
Discorrendo nesta linha de raciocínio o texto tenta colocar no mesmo saco os conceitos de guerrilha e terrorismo: “Os dois grupos não estavam lutando por uma causa política, usando os mesmos meios para chegar aos seus objetivos? Os dois não estavam praticando terrorismo em nome de ideologias? Os dois não se intitulavam como ‘revolucionários’? Qual a diferença entre o Franklin Martins que escreve uma carta ao país ameaçando um embaixador de morte e Osama Bin Laden que manda um vídeo para o mundo, ameaçando com novos atentados terroristas? Já inventaram o terrorismo seletivo? Pode existir ‘ex-terrorista’, mas não pode existir "ex-torturador"? As vidas são diferentes? Existem categorias de vidas humanas?”.
Será que é tão simples assim?
No dia 11 de setembro de 2001, radicais islâmicos utilizaram aviões comerciais para atingir as torres gêmeas do World Trade Center, em Nova York. Por trás do ataque estava uma organização islâmica, a Al-Qaeda, liderada por Osama bin Laden. O que eles fizeram pode ser classificado como terrorismo? Não conheço quem dissesse que não. Os militantes da Al-Qaeda raptaram aviões civis e atacaram pessoas inocentes com o simples intento de causar o máximo número possível de vítimas espalhando a insegurança e disseminando o terror.
Diz o Aurélio que terrorismo é o “modo de coagir, ameaçar ou influenciar outras pessoas ou de impor-lhes a vontade pelo uso sistemático do terror” ou uma “forma de ação política que combate o poder estabelecido mediante o emprego da violência”. O Wikepedia, por sua vez, diz que o terrorismo “é um método que consiste no uso de violência, física ou psicológica, por indivíduos, ou grupos políticos, contra a ordem estabelecida através de um ataque a um governo ou à população que o legitimou, de modo que os estragos psicológicos ultrapassem largamente o círculo das vítimas para incluir o resto do território.”.
Durante o recente conflito entre o exército israelense e palestinos, na Faixa de Gaza, militantes do grupo islâmico Hamas dispararam foguetes contra cidades israelenses. Da mesma forma, o exército israelense matou centenas de civis na tentativa de atingir o Hamas. Qual a diferença entre as duas ações? De um lado militantes palestinos atacam o invasor com a única arma que possuem, de outro um exército moderno tenta conter estes ataques causando centenas de vítimas entre a população civil. Diferente dos ataques de 11 de setembro, baseados em um conceito de guerra santa mantido por uma leitura equivocada do Alcoorão, os militantes palestinos na Faixa de Gaza respondem a uma ocupação ilegal (condenada dezenas de vezes pela ONU e simplesmente ignorada por Israel e seus aliados).
Por guerrilha o Aurélio entende a “luta armada realizada por pequenos grupos constituídos irregularmente, sem obediências as normas estabelecidas nas convenções internacionais...”. Não é isso o que ocorre neste momento naquela região do Oriente Médio?
Vou além. Dentro do contexto da ocupação israelense há diferença entre um homem-bomba palestino que ataca uma instalação militar e outro que explode o próprio corpo em meio a civis inocentes? Apesar de ambas as situações serem igualmente horrendas, penso que sim. Qualquer resposta frente a uma ocupação ilegal, se dirigida às forças de ocupação, é legítima. Se dirigida à população civil, no entanto, deve ser tratada como terrorismo.
Nos últimos anos foi comum acompanharmos o seqüestro de ocidentais (e de seus aliados no oriente) em diversos paises do Oriente Médio. Em muitos casos estes seqüestros foram finalizados com covardes e cruéis assassinatos, cujas vítimas tiveram seus últimos momentos filmados por seus algozes e exibidos na internet como um show grotesco. Isso é terrorismo ou guerrilha? É terrorismo da pior espécie e deve combatido sem descanso. Comum também foram os atentados a bomba contra comboios militares, muitos também filmados como propaganda. Terrorismo ou guerrilha? Guerrilha. Trata-se de alvos militares escolhidos por grupos cujo país encontra-se sob ocupação.
Na década de 70 grupos de guerrilha combateram a ditadura militar no Brasil. O Congresso Nacional foi fechado, os jornais censurados, os direitos básicos da civilidade negados. Portanto, estes grupos combateram a ilegalidade. No entanto, nem mesmo o combate à ilegalidade pode ser usado para legitimar o terror, o seqüestro e o assassinato de civis. Da mesma forma, as forças armadas que combateram a guerrilha não podem ser acusadas de nada além de terem tentado legitimar um regime ilegítimo. Mas o que dizer dos que torturaram e assassinaram em nome da “ordem”?.
Podemos concordar ou não com os motivos que levam um grupo de pessoas a se organizarem militarmente para fazer frente a um Estado apoiado por um exército regular, mas não podemos condenar seus métodos quando aplicados contra estas mesmas forças. O argumento de que os guerrilheiros brasileiros combatiam a ditadura de direita para substituí-la por uma ditadura de esquerda, ou de que o Hamas é um grupo radical islâmico não interessa, de fato, visto que esta seria uma crítica do porvir. Ambas as lutas tentam contrapor uma situação de ilegalidade e de opressão.
A possibilidade desta luta, vitoriosa, descambar para opressão (com viés ideológico diverso) deve ser alvo de outro debate. Foi o que ocorreu em Cuba. Os guerrilheiros da Sierra Maestra lutavam, sim, por uma causa justa. Combatiam o poder da oligarquia comandada por um ditador que transformou o país em um bordel estadunidense onde a Máfia e a corrupção comandavam. No entanto, ao derrubarem o regime de Fulgêncio Batista, conseguiram apenas substituir uma ditadura por outra. Este fato não desabona, no entanto, a guerrilha propriamente dita. Da mesma forma, os objetivos questionáveis do Hamas não podem ser usados para condenar a luta do povo palestino.
É preciso um distanciamento para olhar os fatos com os olhos da coerência e não com o ponto de vista dos vencedores ou dos derrotados. Como seriam classificados os partisans que combateram os nazistas na França caso estes tivessem vencido a guerra? Certamente seriam apontados como terroristas. Basta observar como são tratados os grupos armados que lutaram pelo estabelecimento do Estado de Israel na década de 40. Muitos utilizaram o terrorismo puro e simples contra civis árabes, mas não se houve dizer isso abertamente, afinal, eles foram os vencedores.
O que deve diferenciar terrorismo e guerrilha não é o lado do campo de batalha, mas uma combinação entre o que motiva estas ações e os métodos que estes grupos utilizam.
Não sou comunista, pelo menos não me enquadro no que se convencionou classificar como comunista: adepto do centralismo democrático e de uma visão na qual o Estado deve regular todas as nuances sociais. Mas sou de esquerda desde menino, um socialista libertário e me reconheço em muitos conceitos que Mino Carta expressa ao separar eticamente direita e esquerda. Por isso, muito me incomodou o referido e-mail, cujo conteúdo que se seguiu à citação trazia noções ainda mais generalistas e preconceituosas.
Não me sinto bem ao lado de fascistas, xenófobos ou gente que discrimina por questões raciais, sexuais ou religiosas. Mas, não ouso classificar todas as pessoas que se enquadram nestas linhas de conduta como cúmplices de genocídio, criminosos, celerados, desprovidos de consciência moral, imbuídos da ilusão satânica, indignos de consideração ou crédito, indecentes, ou que sejam “a escória da espécie humana".
O contexto da missiva era o de uma comparação entre os guerrilheiros que se opuseram ao regime militar nos anos 60 e 70 no Brasil e os torturadores que foram (assim como estes guerrilheiros) beneficiados pela anistia.
Diz um trecho do e-mail: “...na verdade o Sr Franklin Martins, Ministro do Governo da República Federativa do Brasil - embora tenha força para evitar que se publiquem matérias nos jornais escritos ou falados em nosso País - não tem permissão para entrar nos Estados Unidos, pois ali continua arrolado como TERRORISTA! Não adianta o fato de nós os termos anistiado.”. E questiona: “Se o mundo não concede anistia a Bin Laden, por que concederia a Franklin Martins?”.
Discorrendo nesta linha de raciocínio o texto tenta colocar no mesmo saco os conceitos de guerrilha e terrorismo: “Os dois grupos não estavam lutando por uma causa política, usando os mesmos meios para chegar aos seus objetivos? Os dois não estavam praticando terrorismo em nome de ideologias? Os dois não se intitulavam como ‘revolucionários’? Qual a diferença entre o Franklin Martins que escreve uma carta ao país ameaçando um embaixador de morte e Osama Bin Laden que manda um vídeo para o mundo, ameaçando com novos atentados terroristas? Já inventaram o terrorismo seletivo? Pode existir ‘ex-terrorista’, mas não pode existir "ex-torturador"? As vidas são diferentes? Existem categorias de vidas humanas?”.
Será que é tão simples assim?
No dia 11 de setembro de 2001, radicais islâmicos utilizaram aviões comerciais para atingir as torres gêmeas do World Trade Center, em Nova York. Por trás do ataque estava uma organização islâmica, a Al-Qaeda, liderada por Osama bin Laden. O que eles fizeram pode ser classificado como terrorismo? Não conheço quem dissesse que não. Os militantes da Al-Qaeda raptaram aviões civis e atacaram pessoas inocentes com o simples intento de causar o máximo número possível de vítimas espalhando a insegurança e disseminando o terror.
Diz o Aurélio que terrorismo é o “modo de coagir, ameaçar ou influenciar outras pessoas ou de impor-lhes a vontade pelo uso sistemático do terror” ou uma “forma de ação política que combate o poder estabelecido mediante o emprego da violência”. O Wikepedia, por sua vez, diz que o terrorismo “é um método que consiste no uso de violência, física ou psicológica, por indivíduos, ou grupos políticos, contra a ordem estabelecida através de um ataque a um governo ou à população que o legitimou, de modo que os estragos psicológicos ultrapassem largamente o círculo das vítimas para incluir o resto do território.”.
Durante o recente conflito entre o exército israelense e palestinos, na Faixa de Gaza, militantes do grupo islâmico Hamas dispararam foguetes contra cidades israelenses. Da mesma forma, o exército israelense matou centenas de civis na tentativa de atingir o Hamas. Qual a diferença entre as duas ações? De um lado militantes palestinos atacam o invasor com a única arma que possuem, de outro um exército moderno tenta conter estes ataques causando centenas de vítimas entre a população civil. Diferente dos ataques de 11 de setembro, baseados em um conceito de guerra santa mantido por uma leitura equivocada do Alcoorão, os militantes palestinos na Faixa de Gaza respondem a uma ocupação ilegal (condenada dezenas de vezes pela ONU e simplesmente ignorada por Israel e seus aliados).
Por guerrilha o Aurélio entende a “luta armada realizada por pequenos grupos constituídos irregularmente, sem obediências as normas estabelecidas nas convenções internacionais...”. Não é isso o que ocorre neste momento naquela região do Oriente Médio?
Vou além. Dentro do contexto da ocupação israelense há diferença entre um homem-bomba palestino que ataca uma instalação militar e outro que explode o próprio corpo em meio a civis inocentes? Apesar de ambas as situações serem igualmente horrendas, penso que sim. Qualquer resposta frente a uma ocupação ilegal, se dirigida às forças de ocupação, é legítima. Se dirigida à população civil, no entanto, deve ser tratada como terrorismo.
Nos últimos anos foi comum acompanharmos o seqüestro de ocidentais (e de seus aliados no oriente) em diversos paises do Oriente Médio. Em muitos casos estes seqüestros foram finalizados com covardes e cruéis assassinatos, cujas vítimas tiveram seus últimos momentos filmados por seus algozes e exibidos na internet como um show grotesco. Isso é terrorismo ou guerrilha? É terrorismo da pior espécie e deve combatido sem descanso. Comum também foram os atentados a bomba contra comboios militares, muitos também filmados como propaganda. Terrorismo ou guerrilha? Guerrilha. Trata-se de alvos militares escolhidos por grupos cujo país encontra-se sob ocupação.
Na década de 70 grupos de guerrilha combateram a ditadura militar no Brasil. O Congresso Nacional foi fechado, os jornais censurados, os direitos básicos da civilidade negados. Portanto, estes grupos combateram a ilegalidade. No entanto, nem mesmo o combate à ilegalidade pode ser usado para legitimar o terror, o seqüestro e o assassinato de civis. Da mesma forma, as forças armadas que combateram a guerrilha não podem ser acusadas de nada além de terem tentado legitimar um regime ilegítimo. Mas o que dizer dos que torturaram e assassinaram em nome da “ordem”?.
Podemos concordar ou não com os motivos que levam um grupo de pessoas a se organizarem militarmente para fazer frente a um Estado apoiado por um exército regular, mas não podemos condenar seus métodos quando aplicados contra estas mesmas forças. O argumento de que os guerrilheiros brasileiros combatiam a ditadura de direita para substituí-la por uma ditadura de esquerda, ou de que o Hamas é um grupo radical islâmico não interessa, de fato, visto que esta seria uma crítica do porvir. Ambas as lutas tentam contrapor uma situação de ilegalidade e de opressão.
A possibilidade desta luta, vitoriosa, descambar para opressão (com viés ideológico diverso) deve ser alvo de outro debate. Foi o que ocorreu em Cuba. Os guerrilheiros da Sierra Maestra lutavam, sim, por uma causa justa. Combatiam o poder da oligarquia comandada por um ditador que transformou o país em um bordel estadunidense onde a Máfia e a corrupção comandavam. No entanto, ao derrubarem o regime de Fulgêncio Batista, conseguiram apenas substituir uma ditadura por outra. Este fato não desabona, no entanto, a guerrilha propriamente dita. Da mesma forma, os objetivos questionáveis do Hamas não podem ser usados para condenar a luta do povo palestino.
É preciso um distanciamento para olhar os fatos com os olhos da coerência e não com o ponto de vista dos vencedores ou dos derrotados. Como seriam classificados os partisans que combateram os nazistas na França caso estes tivessem vencido a guerra? Certamente seriam apontados como terroristas. Basta observar como são tratados os grupos armados que lutaram pelo estabelecimento do Estado de Israel na década de 40. Muitos utilizaram o terrorismo puro e simples contra civis árabes, mas não se houve dizer isso abertamente, afinal, eles foram os vencedores.
O que deve diferenciar terrorismo e guerrilha não é o lado do campo de batalha, mas uma combinação entre o que motiva estas ações e os métodos que estes grupos utilizam.
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