Semana On

segunda-feira, 7 de agosto de 2006

Os velhos anarquistas...

"Assim, sob qualquer ângulo que se esteja situado para considerar esta questão, chega-se ao mesmo resultado execrável: o governo da imensa maioria das massas populares por uma minoria privilegiada. Esta minoria, porém, dizem os marxistas, compor-se-á de operários. Sim, com certeza, de antigos operários, mas que, tão logo se tornem governantes ou representantes do povo, cessarão de ser operários e pôr-se-ão a observar o mundo proletário de cima do Estado; não mais representarão o povo, mas a si mesmos e suas pretensões de governá-lo. Quem duvida disso não conhece a natureza humana".

Esta reflexão, feita pelo pensador anarquista russo Mikhail Bakunin, no século 19, em pleno surgimento do socialismo, não poderia ser mais atual. Em todos os momentos históricos onde o chamado “socialismo real” de tendência marxista foi implementado, o resultado foi o totalitarismo aliado a criação de uma nova elite. Das repúblicas soviéticas à China, de Cuba ao Vietnam. O resultado foi sempre o mesmo: repressão e atraso (senão econômico, dos direitos básicos e da liberdade).

Isso não significa que o socialismo esteja morto, ou que esteja fadado ao fracasso. Não. No entanto, para manter viva a chama deste ideário é necessário repensá-lo sob novas bases (ou serão velhas bases?), sob óticas menos voltadas à política partidária e mais centradas no ser humano; menos objetivadas na conquista do poder e mais focadas na construção da cidadania plena.

O pensamento dos velhos anarquistas, que acabaram isolados pelo pensamento marxista, está de volta com força total. Muito mal compreendido ainda pela esmagadora maioria, mas, ainda assim, plantando sementes interessantes para quem quer pensar uma sociedade mais solidária e livre.

Em tempo: anarquismo não significa bagunça, confusão ou desordem. Significa ausência de Governo, significa a organização máxima de uma sociedade que, em um estágio de desenvolvimento muito avançado, dispensa os mecanismos de poder que, hoje, permitem que nossos governantes cometam desmandos em nosso nome, absurdos sustentados pelo poder do voto inconsciente.

VB

2 comentários:

Luiz Felipe Vasques disse...

Indo do mais importante ao mais nerd; nunca irei me esquecer como, em um RPG de ficção-científica, ao se montar um planeta e civilização através de inúmeras tabelas, havia a de sistema de governo, indo de um 1 a 10 (caso quisesse sortear), do mais primitivo ao mais desenvolvido, começava em anarquia, ia subindo, avançando; chegava em monarquia, república, democracia e por último... anarquia. ;-) Um raciocínio simplista, claro (a começar pela noção do que seja 'avançado'), mas com um raro insight de se ver nesse tipo de coisa.

De resto, o socialismo é apenas a religião sem divindade: baseia-se em textos belíssimos, tem a melhor das intenções, quer promover a paz e a justiça entre os homens, acredita em um messianismo predestinado pelas forças da História -- e ai de quem discordar de quem toma as rédeas do processo. ;-)

Barone disse...

E a democracia representativa também não se encaixa nestes mesmos comentários? "Uma religião sem divindade baseada em textos belíssimos, que tem a melhor das intenções, que quer promover a paz e a justiça entre os homens?".

Dizer que o socialismo é utópico e que na prática, obrigatoriamente, se transforma em tirania é limitar o alcance deste pensamento.

Concordo que o uso do socialismo para a construção de regimes autoritários imperou nos últimos 100 anos, mas não quer dizer que outras experiências com base em "valores" socialistas estejam fadadas ao fracasso.

Desacredito em qualquer tentativa de impor valores socialistas de cima para baixo, através de líderes, partidos políticos ou abençoados. No entanto, valores socialistas como a fraternidade, a ingualdade, a liberdade e a liberdade de expressão e ação (isso mesmo, é o que sempre pregaram os anarquistas) continuam sendo objetivos a serem buscados.

Da mesma forma, no âmbito sócio-político, muitas questões defendidas pelos anarquistas a mais de 100 anos estão sendo retomadas hoje, como a auto-gestão, por exemplo. Amoldada para interesses econômicos ela tem sido usada com sucesso em vários níveis.

O fato é que a democracia representativa e o capitalismo gera uma falsa noção de que as sociedades caminham para o sucesso e para o desenvolvimento.

Olhemos à nossa volta. podemos realmente dizer que a economia de mercado é um sucesso? Que tipo de seres humanos estão sendo gerados a partir dela? Olhemos bem à nossa volta... É isso que queremos para o futuro?

Não sei. Só sei que este não é o tipo de mundo que eu gostaria de viver...