Semana On

quinta-feira, 3 de outubro de 2013

Getúlio 1930-1945 - Do governo provisório à ditadura do Estado Novo

O segundo volume da trilogia Getúlio, de Lira Neto, cuja leitura finalizei esta semana, trata de um período conturbado da política brasileira, seguindo a trajetória de Vargas do início do governo provisório, de 1930 a 1934, à sua passagem como presidente constitucional, de 1934 a 1937 e culminando no período do ditatorial do Estado Novo, entre 1937 e 1945.

A obra, um hercúleo esforço jornalístico e de pesquisa histórica, traz à tona toda a ambivalência de Getúlio Vargas que, se por um lado foi responsável direto pela modernização do Estado brasileiro, de outro comandou uma ditadura violenta, fortemente influenciada pelo fascismo.

Durante o período abarcado pelo segundo volume de Lira Neto, o Brasil passou por transformações imensas no âmbito político, social e econômico. Livre das amarras da Constituição de 1891, Getúlio procurou estabelecer uma agenda nacionalista e estatizante de desenvolvimento socioeconômico enquanto, no plano político, engendrava complicadas maquinações palacianas para manter opositores e apoiadores — entre comunistas e militares, integralistas e sindicalistas — sob a égide de sua autoridade pessoal. A Revolução Constitucionalista de 1932, a eleição indireta e a Constituição de 1934, a “intentona” comunista de 35, o putsch integralista em maio de 38, o Estado Novo e o namoro com o Eixo, o recrudescimento da Segunda Guerra Mundial e a aproximação com os Estados Unidos são magistralmente desenhados por Lira Neto como cenário para as articulações políticas e fatos da vida pessoal de Getúlio, pinçados dos diários escritos pelo biografado.

Ali, em seus escritos pessoais, fica claro que o mito construído pelo Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP), que viria a ser cristalizado com o desenrolar dos acontecimentos, o homem sorridente, bonachão e simpático que ficou na memória coletiva nem sempre encontra correspondência e ressonância nos escritos do próprio Getúlio. As anotações revelam que o homem com sorriso estampado no rosto se preocupava em saber se estava conduzindo o país a alguns becos sem saída.

Com Vargas, de um país essencialmente agrícola e semicolonial, o país deu o primeiro passo rumo a um processo de industrialização que seria reforçado nas décadas seguintes. Os setores mais tradicionais, focados na manufatura, foram contrapostos com a implementação de um parque industrial de base, especialmente no setor metal-mecânico. O Estado Novo fortaleceu a área da pesquisa, abriu caminho para as grandes empresas estatais, como a Companhia Siderúrgica Nacional, a Companhia Vale do Rio Doce e a Fábrica Nacional de Motores.

Aliado a esta orientação desenvolvimentista, a regulamentação das relações entre capital e trabalho, por meio da Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT), foi outra coluna de sustentação para a política do regime, apresentada às massas trabalhadoras como uma benesse do Estado, uma concessão que, de fato, havia sido construída sobre as ruínas do movimento sindical e pela cooptação das lideranças operárias, apequenadas pelo fenômeno do peleguismo.

Apesar do viés fascista, o sustentáculo social do regime deixou como legado uma imagem de Getúlio como defensor das massas oprimidas, “pai dos pobres”. Este sentimento foi fortalecido pelo passado corrompido de uma oligarquia omissa quanto ao destino da maior parte da população brasileira. Com Vargas, pela primeira vez na história política do país um líder buscava no povo sua legitimação.

A construção desta mística e de uma política que, de fato, levava o Brasil a romper com uma tradição que privilegiava unicamente os setores de uma aristocracia político-econômica, se deu sobre o signo do totalitarismo. O Brasil avançava enquanto greves eram proibidas, jornais empastelados, opositores perseguidos, organizações de trabalhadores, patronais e mesmo da elite eram cooptadas pela máquina do Estado.

O Brasil de 1945 não era o mesmo de 1930. Getúlio também não. Suas origens, fincadas na oligarquia regional de matriz positivista, não impediram que ele galgasse o poder como revolucionário empunhando a bandeira da ruptura radical com as oligarquias que até então comandavam os rumos da nação, mas o colocariam em um impasse diante da revolução democrática que varreria o mundo com a derrocada no nazi-fascismo.

Um dos pontos interessantes dos dois primeiros livros é a tendência de Getúlio a um fatalismo suicida. Em três de outubro de 1930, quando inicia as anotações em seu diário, já pergunta: “E se perdermos? Serei apontado como responsável. Só o sacrifício da vida poderá resgatar o erro de um fracasso”. Já anunciava a solução extrema caso a situação chegasse ao limite. Em 1932, no dia seguinte ao Nove de Julho, em outro bilhete de suicida, escreve que o sacrifício pessoal é algo que está no campo de possibilidade. Depois, na Segunda Guerra, diz que seu sacrifício pessoal seria a forma de mitigar um possível desastre. E em 1945, em abril, seis meses antes de ser deposto, escreve o que seria um esboço da Carta Testamento, colocando mais uma vez o sacrifício pessoal.

O primeiro volume da trilogia, "Getúlio (1882-1930): Dos Anos de Formação à Conquista do Poder", foi publicado em 2012 (e resenhado por mim). O título que fecha a série, ainda sem data prevista para chegar às livrarias, tratará do fim da Segunda Guerra até a volta à presidência por voto democrático e o suicídio em 1954.

1 comentário:

best writing service disse...

Thank you for the highlighting this book for us. It's quite clear what this book about.