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terça-feira, 10 de maio de 2011

Todos os belos cavalos - Cormac McCarthy


Ele o olhou, não sem bondade. Sorriu. As cicatrizes têm o estranho poder de nos lembrar de que nosso passado é real.
Pág. 125

Assim como o jazz pode ser apontado como arquétipo da música americana, o western é o gênero original da literatura do país. Para os norte-americanos, e também para nós, que crescemos com uma dieta de filmes de bangue-bangue, o tema evoca um tempo de bruta nobreza onde cada suspiro precede um confronto entre o “bem” e o “mal”. A realidade, é claro, é um pouco diferente, um ambiente existencial onde vida e morte compartilham estranhas danças ao pôr do sol. Esta realidade nos é apresentada com indescritível elegância em “Todos os belos cavalos”, o primeiro volume da Trilogia da Fronteira, do escritor Cormac McCarthy.

A paisagem é o sudoeste do Texas, fronteira com o México, entre as duas grandes guerras, um tempo de transição para as sociedades da América do Norte, quando cavalos e veículos motorizados compartilhavam as estradas e ranchos de gado e vaqueiros começavam a desaparecer lentamente do cenário rural. “Eu sempre tive interesse no sudoeste. Não há lugar no mundo onde não se tenha ouvido falar de indos e cowboys ou sobre o mito do Oeste”, afirma o autor.

Cavalgou com o sol acobreando-lhe o rosto e o vento rubro soprando do oeste a terra noturna e os passarinhos do deserto voaram chilreando entre as samambaias secas e cavalo e cavaleiro seguiam em frente e suas longas sombras passavam engatadas como a sombra de um único ser. Passavam e empalideciam na terra a escurecer, do mundo a vir.
Pág. 271

A obra acompanha John Grady Cole, um rapaz de 16 anos, apaixonado por cavalos e dono de uma empatia profunda por estes animais, que se vê diante de um conhecimento aterrador: a certeza de que o modo de vida que ele ama - cavalos e ranchos de gado – estava chegando ao fim.

Após a morte do avô e a venda da fazenda de sua família, desestruturada com a separação dos pais, ele e seu melhor amigo, Lacey Rawlins, cavalgam para o México em busca de nada mais do que a promessa de um longo período sobre seus cavalos e sob as estrelas. Em sua jornada eles encontram o jovem e enigmático Jimmy Blevins, que se torna o pivô dos acontecimentos que colocarão Cole a Rawlins em uma série de eventos doces e violentos em uma terra sem leis.

Ah, eles disseram. Qué Bueno. E depois disso e por muito tempo ele teve motivo para evocar a lembrança daqueles sorrisos e refletir sobre a boa vontade que os causara pois tinha o poder de proteger e conferir honra e fortalecer a vontade e também de curar homens e levá-los à segurança muito depois de exauridos os outros recursos.
Pág. 199

O tema principal de “Todos os belos cavalos” é o conflito - entre homens e mulheres, liberdade e autoridade, riqueza e pobreza, pais e filhos, natureza e o homem – descrito com uma voz poética, mas rude, que é característica de McCarthy. Apesar da violência – outra característica da sua obra – em “Todos os belos cavalos” ser subida e imprevisível, ela nunca é gratuita. Serve como um contrapeso para o avassalador romance entre a filha de um fazendeiro mexicano, Alejandra, e Cole. Uma história de amor que o leitor espera ser bem-sucedida, mas que desde o início é fadada ao fracasso.

Não olhou para trás mas podia vê-la nas janelas do Edifício Federal do outro lado da rua ali parada e continuava parada quando ele chegou à esquina e saiu do vidro para sempre.
Pág. 28

Talvez o mais significativo na obra seja o fato de McCarthy ter conseguido construir uma história tão forte e ao mesmo tempo poética sem cair nas armadilhas do lugar comum.

McCarthy já foi resenhado aqui em outras oportunidades. Sua obra é marcada por uma intensa observação da natureza, um tipo de realismo mórbido. Seus personagens são sempre desgarrados, destituídos, criminosos, ou tudo isso de uma vez. Desabrigados ou vivendo sobre o teto que a providência lhes provê, eles se arrastam pelos bosques do Tenessee ou cavalgam pelas imensidões secas dos desertos. A morte surge abrupta sob céu aberto como um talho na garganta ou um tiro na cara. Em McCarthy, o abismo está sempre a um passo de distância.

Os nomes das entidades que nos reprimem mudam com o tempo. A convenção e a autoridade são substituídas pela doença. Mas minha atitude para com elas não mudou. Não mudou.
Pág. 125

O estilo de McCarthy's deve muito a Faulkner – no seu vocabulário recôndito, sua pontuação e retórica portentosa, no uso do dialeto e em um senso muito concreto do mundo a sua volta. “A verdade crua é que livros são feitos de livros. A vida de um romance depende dos romances que já foram escritos”, afirma, deixando claro que para construir uma obra de peso é preciso sentir sobre si a tonelagem maciça da boa literatura.

O AUTOR

Cormac McCarthy nasceu em Rhode Island em 20 de julho de 1933. Na juventude serviu à Força Aérea dos Estados Unidos durante quatro anos e estudou Artes na Universidade do Tennessee. É vencedor do National Book Award, do National Book Critics Circle Award e do Pulitzer 2007.

Em 40 anos de carreira literária, produziu nove romances, entre eles “Todos os Belos Cavalos”, “A Travessia” e “Cidade das Planícies”, que o autor batizou de Trilogia da Fronteira, “Meridiano de sangue” e “A Estrada”. “Onde os Velhos Não Têm Vez”, lançado nos Estados Unidos em 2005, foi adaptado para o cinema pelos irmãos Coen, em 2007. Receberam o Oscar de melhor filme, em 2008. “Todos os belos cavalos” também recebeu uma adaptação para a telona em 2000 (direção de Billy Bob Thornton).

Bom, disse Pérez. Geralmente eu posso avaliar a inteligência de um homem pelo quanto ele me acha estúpido.
Pág. 176

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