Semana On

terça-feira, 24 de maio de 2011

Cidades da Planície - Cormac McCarthy

Os homens têm na cabeça uma imagem de como o mundo vai ser. De como eles vão ser nesse mundo. O mundo pode ser diferente de muitas maneiras para eles mas tem um mundo que nunca vai ser e esse é o mundo que eles sonham.
Pág. 158

“Cidades da Planície” é o último livro da Trilogia da Fronteira, do escritor norte-americano Cormac McCarthy. A obra finaliza a saga de John Grady Cole e Billy Parham, protagonistas dos dois primeiros livros, “Todos os belos cavalos” e “A Travessia”.

A história tem início em 1952. John e Billy trabalham juntos em um rancho de gado ao sul de Alamogordo, no Novo México, próximo as cidades mexicanas de El Passo e Ciudad Juarez, no estado de Chihuahua. A história gira em torno da vida dos vaqueiros em meio a um modo de vida prestes a desaparecer e é construída sobre o amor de Cole a uma jovem prostituta mexicana, Magdalena.  John Cole está determinado a se casar com ela, a levá-la para viverem juntos na fazenda de seu patrão.

"Passamos boa parte do livro torcendo muito pelo amor entre os dois", escreve o jornalista Matthew Shirts na orelha do livro, mas, como sempre em McCarthy, finais felizes não são algo a que o leitor possa aguardar como certeza. Novamente, a obra transpira solidão, uma sensação de abandono, de incerteza, como se algo ruim estivesse sempre prestes a cruzar o caminho dos personagens que a habitam.

Um cavalo tem dois lados e conforme a minha experiência a gente tem que lidar com um lado e deixar o outro pra lá.
Conheci gente que era a mesma coisa. Várias pessoas, na verdade.
Pág. 178

Alguns críticos dizem que A Trilogia da Fronteira é um amontoado de clichês, um pastiche arrogante dos faroestes italianos como sugeriu certa vez Diogo Mainardi, segundo quem McCarthy “está mais para anúncio de cigarro” do que para William Faulkner e Herman Melville, autores a quem Mccarthy é bastante comparado. Para Mainardi, o oeste de McCarthy “tem a autenticidade da terra de Marlboro”. 

Penso que – além dos litros de café degustados e das muitas tortillas com feijão consumidas pelos personagens - o que alguns apontam como clichê são, na verdade, as reminiscências da construção de um mito do oeste tal qual os norte-americanos pensam este “período geográfico” tão importante de sua história. Há na Trilogia, a construção de uma moral, de um modo de vida e até de uma filosofia vaqueira na qual os personagens estão imersos até a boca. Esta moral, modo de vida e filosofia esbarram em um novo Estados Unidos que os negam. Uma nova realidade que não comporta mais John Coles e Billy Parhams. Estas reminiscências são o apoio que os personagens da obra encontram para justificarem as próprias vidas. O resultado é a sensação de imprevisibilidade, de falta de rumo e de projeto de futuro que todos eles possuem.

Quem era o viajante?
Não sei.
Era você?
Acho que não. Mas também se não nos conhecemos no mundo mesmo despertos que dirá nos sonhos?
Pág. 316

O grande momento de “Cidades da planície” é o epílogo, no qual Parham, um velho errante beirando os 80 anos, dormindo sob imensos viadutos no Arizona, trava um diálogo com outro errante que alguns acreditam ser o próprio McCarthy. A conversa ocorre 50 anos depois dos acontecimentos do romance. Em um diálogo lírico, intrincado, o homem conta a Billy uma história sobre um sonho envolvendo sacrifícios pagãos no deserto do México. A conversa flutua entre a realidade e o mundo dos sonhos enquanto Billy Parham luta para compreender o sentido de tudo aquilo, ou o sentido de sua própria vida.

Mais tarde, de volta a terra onde cresceu, Billy é acolhido por uma família.  Ali, dormindo em um barracão próximo a cozinha, “muito parecido com o local onde ele dormia quando criança”, ele sonha com o irmão, Boyd. Então, desperta de seu sono agitado para se deparar com Betty, a rancheira que o acolheu, ao seu lado. O último diálogo da obra dá vazão a muitas interpretações e tem sido alvo de muitos debates entre leitores e críticos. Para mim, é a redenção para solidão e o abandono que permeiam toda a obra.

“Ela lhe afagou a mão. Enodada, marcada pelo uso da corda, manchada do sol e dos anos. As veias feito cordas que as atava ao coração. Nela havia um mapa suficiente para orientar um homem. Nela a plenitude de sinais e assombros de Deus para criar uma paisagem. Criar o mundo. Ela se levantou para sair.
Betty, ele disse.
Sim.
Eu não sou o que a senhora pensa que eu sou. Eu não sou ninguém. Não sei por que me tolera.
Bem, senhor Parham, eu sei quem o senhor é. E eu sei por quê. Vê se dorme agora. Até amanhã.
Até amanhã dona.”
Pág. 341

Sem comentários: