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quinta-feira, 11 de fevereiro de 2010

"A menina que roubava livros" - Markus Zusak

Os seres humanos me assombram”. Assim o escritor australiano Markus Zusak finaliza seu livro “A menina que roubava livros”, colocando na boca da morte um sentimento que inunda meu pensamento. Como somos capazes de fazer o que fazemos? De momentos de sublime amor, de entrega e compaixão, a eternidades de rancor, cobiça, horror?

O livro de Zusak transfere para a morte esta inquietação, este eterno questionamento sobre a condição humana, esta incompreensão do homem sobre si mesmo. “Fico impressionada com o que os seres humanos são capazes de fazer, mesmo quando há torrentes a lhes descer pelos rostos e eles avançam cambaleando, tossindo e procurando, e encontrando.”, afirma a colhedora de almas na página 466, para, mais à frente (pág. 478), confessar: “Tive vontade de lhe explicar que constantemente superestimo e subestimo a raça humana – que raras vezes simplesmente a estimo.

A morte é a narradora de uma história comovente, a história de uma menina, Lisa Meminger, em meio ao caos moral e social da Alemanha nazista. O tema não é novo, mas o autor construiu uma narrativa bastante original ao estabelecer um diálogo entre o leitor e a morte, entre a fantasia e a realidade crua.

Um aspecto importante do livro é o estabelecimento do contraditório na sociedade alemã sob o advento do nazismo. O autor não foge à regra ao atribuir a população alemã responsabilidade sobre os rumos que o país tomou a partir de 1938, mas aponta rupturas no impenetrável granito do nacional-socialismo. Estas rupturas são apresentadas por personagens que não conseguem fazer seu instinto de sobrevivência se sobrepujar a sua humanidade.

Não se deixe enganar, a mulher tinha coração. Um coração maior do que as pessoas suporiam. Havia muita coisa armazenada nele, em quilômetros de prateleiras altas e ocultas." (Página 463)

É o caso de Hans e Rosa Hubermann, os pais adotivos de Lisa. Hans, veterano da Primeira Grande Guerra, é o elo entre a menina que roubava livros e Max Vandenburg, judeu, filho de um companheiro de armas de Hans a quem este prometera proteger sua família em caso de necessidade. Esta promessa teve de ser cumprida quando Max, fugindo dos nazistas, encontrou abrigo no porão de Hans e Rosa.

O mesmo Hans, que arrisca a sua vida – e a da sua família – ao abrigar um judeu em seu porão, cede à humanidade ao oferecer pão a outro judeu moribundo em sua marcha para o campo de concentração de Dachau. Sua esposa, Rosa, também esconde sob uma grossa carapaça mais humanidade do que aparenta. É ela quem cuida do judeu foragido como se fosse um membro da família, como um ser humano.

Da mesma forma, há muita humanidade em Alex Steiner, pai de Rudy, amigo de Lisa. É ele quem nega a ida do filho adolescente para o exército e acaba tomando seu lugar. Há muito amor em Rudy Steiner, que desafia o racismo ao comparar-se a Jesse Owens, o velocista negro norte-americano que encantou o mundo nas Olimpíadas de Berlim, em 1936.

Outra fissura no monólito nazista está em Ilsa Hermann, mulher do prefeito de Molching e dona de uma imensa biblioteca na qual Lisa exercita seu amor pelas palavras e pela leitura, o fio condutor do romance.

O fato é que os alemães não são monstros desalmados no livro de Markus Zusak. Se podem ser condenados por sua passividade bovina sob o tacão de Hitler, não são caracterizados como uma massa homogênea guiada pela loucura nazista, o que por si só faz de "A menina que roubava livros” uma leitura interessante.

2 comentários:

Flá Perez (BláBlá) disse...

que bonito! vou ler.

Anónimo disse...

Victor...

Parabéns pelo blog.
Esse foi um dos melhores livros que já li. Mostra a sensibilidade da morte, as entrelinhs de um assunto tão desgastado...

Somos todos "sacudidores de palavras"...

Abraço.