Semana On

sexta-feira, 27 de novembro de 2009

Coluna do Capssa: “Verão em Baden-Baden e o anti-semitismo em Dostoiévski”

Leonid Tsipkin, judeu, é o autor do livro “Verão em Baden-Baden”. Centrado na reconstituição dos dias de Dostoiévski na cidade, a obra é narrada com amor e ódio numa franca homenagem a este genial escritor russo.

Há três planos na narrativa: o “eu” que é o próprio Tsipkin viajando de trem até Petersburgo enquanto lê as memórias de Anna, esposa de Dostoiévski, reconstituindo os traumas e medos do grande escrito russo; o “ela”, que relembra sua relação com Dostoiévski, enquanto tenta justificar a si mesma seu amor pelo homem egoísta e exigente que ele é; e, por fim o “ele”, devorado pela epilepsia e pela dependência ao jogo, dividido entre a crença de seu enorme talento e o complexo de inferioridade que alimentava diante de outros escritores.

Mesmo com vários elogios ao livro, pessoalmente achei-o muito chato. Os mundos das três personagens se confundem num sistema de pontuação tão excêntrico que só poderia ter sido inventado por um russo: travessões separam diálogos, descrições, sonhos, uma verdadeira confusão. Confesso que não li o livro todo. É uma espécie de delírio.

Na segunda frase disse que era uma relação de amor e ódio, e de fato o é. Tsipkin, embora se diga admirador de Dostoiévski, no romance aponta apenas defeitos e, indignado, diz: “Parecia estranho ao ponto do implausível que Dostoiévski não tivesse pronunciado nem uma única palavra em defesa ou em justificativa de um povo perseguido ao longo de milhares de anos e, ele nem mesmo se referia aos judeus como um povo, mas como uma tribo”.

Susan Sontag que faz a introdução do livro em 15 páginas diz: “Contudo isso não impedira os judeus de amarem Dostoiévski. Amar Dostoiévski significa amar a literatura.” Sei...

A verdade: nem Leonid Tsipkin, nem Susan Sontag, nem todos os judeus se conformam(ram) que a grandiosidade de Dostoiévski não pertence(sse) à eles. O anti-semitismo em Dostoiévski, me parece, é um fato.

Joseph Frank, o maior biógrafo de Dostoievski (levou 20 anos para realizar a biografia – Dostoiévski em 05 volumes – EDUSP) diz: “Um aspecto desagradável e desconcertante em Dostoievski é seu anti-semitismo”.

Meu ponto de vista, entretanto, é que o anti-semitismo de Dostoiévski era parte de uma xenofobia e de um chauvinismo da Grande Rússia que fez com que fosse quase impossível para ele reconhecer quaisquer méritos ou virtudes em outros grupos. Mesmo assim, ele, evidentemente, constrangia–se e inquietava-se com o fato de ser considerado anti-semita e esforçou-se explicitamente para negar a acusação.

Eu me disponho”, segue Joseph Frank, “a conceder o benefício da dúvida e a sentir que Dostoiévski estivesse mais em conflito com ele mesmo, sendo que vale anotar que o artigo ‘A questão Judaica’ termina com um apelo à fraternidade entre cristãos e judeus.

Pois é... parodiando Susan Sontag, amar a literatura é amar Dostoiévski.

Luiz Carlos Capssa Lima
19/11/2009

2 comentários:

Valdir DM disse...

Barone:

Sou fã número 1 do Dostoiévski, principalmente pelas suas obras "Os Irmãos Karamázov" e "Crime e Castigo". "O Idiota" foi terminado às pressas, e me decepcionou, parecendo "Tom Sawyer no Estrangeiro" de Mark Twain. "O Jogador" vou ler por estes dias.

Nunca vi, em Dostoévski, qualquer coisa que se parecesse com anti-semitismo. É claro que ele nunca se preocupou com essa questão. Se qualquer ser humano do Ocidente pode ter "sangue judeu", como acredito, devido à miscigenação daquele antigo-povo-quase-tão-talentoso-como-os-angigos gregos (o que não é nenhuma maldição, e muito menos nenhum sinal de predileção divina), essa discussão é ridícula. Afinal, somos todos seres humanos, judeus e não-judeus, palestinos e anti-palestinos. A Genética não autoriza a suposta existência de Seres Humanos Superiores (mesmo porque há judeus burros, pedófilos e creptomaníacos, como havia nazistas burros, pedófilos e cleptomaníacos). Se não se pode viver sem os judeus, não se pode viver sem os não-judeus. Conclusão: não está na hora de os judeus se acreditarem simplesmente seres humanos como os outros? Pessoalmente, acredito que pretensos seres superiores não admitiriam a existência de cartéis de drogas no mundo (facilmente erradicáveis) e nem admitiriam que é preferível destruir o planeta a perder o seu pretenso controle. Não existem raças humanas; existe apenas a Humanidade! Que tal vivê-la?

Anónimo disse...

Como o Valdir se intitulou fã nº1de Dostoiévski, certamente devo ser o nº2.É certo também que Dostoiévski não empreendeu uma cruzada anti-semita em sua obras, mas é inegável que referia-se à estes de uma maneira pejorativa. Ver pág.126 de Irmãos Karamázov e pág.79 de Crime e Castigo (Ed 34), onde usa a expressão "jid" que é um termo russo depreciativo de judeu.
O anti-semitismo atribuído(não eu) à Dostoiévski provém mais de seus artigos publicados na revista "Diário de um Escritor" na década de 1870.
No 5º volume da biografia de Dostoiévski(Ed EDUSP)Joseph Frank,chamado "O Manto do Profeta", no capítulo 16 chamado 'A Questão Judaica' é abordado este assunto.
Particularmente, penso que,Dostoiévski muito mais ignorou os judeus do que, propriamente,os hostilizou.
Concordo com Valdir que somos todos seres humanos, independente de sermos judeus, não judeus, palestinos, não palestinos...no entanto, não creio que devamos nos abster de reconhecer que na humanidade não existam conflitos étnicos-raciais-religiosos que levam à morte milhões de seres humanos.Não existem raças humanas?
Se não existem porque israelenses-palestinos, bósnios -servos, sudaneses,etc,estão se matando planeta afora.Ignorar estes conflitos, de cunho étnico, racial e religioso, é ignorar a própria história da Humanidade.
Acreditar na utopia da sanidade da Humanidade é o mínimo que podemos pretender.
Capssa