Semana On

quinta-feira, 19 de novembro de 2009

A banalidade da violência no trânsito

A morte do menino Rogério Mendonça, de apenas 2 anos, baleado ontem durante uma briga de trânsito no centro de Campo Grande (MS), traz à tona uma questão que atormenta a sociedade: a violência gratuita. Rogério foi morto pelo jornalista Agnaldo Ferreira Gonçalves, de 60 anos, que disparou 5 vezes contra a camionete onde estava o menino, e também pelo próprio tio, Aldemir Pedra Neto, 22, que, ao usar seu veículo de forma irresponsável (não pela primeira vez) e agredir Gonçalves a chutes e socos, desencadeou uma seqüência de acontecimentos que levou a morte do único inocente nesta história: o pequeno Rogério.

Apesar do horror, este tipo de tragédia ocorre frequentemente nas ruas e estradas do país. Todos os anos, dezenas de milhares de pessoas são mortas a tiros no Brasil. Somos, segundo a Unesco, um dos países em que mais se mata com arma de fogo no mundo. O Brasil responde, aproximadamente, por 3% da população mundial, mas ao mesmo tempo responde por 8% das mortes por arma de fogo no mundo.

Ao contrário do que a maior parte das pessoas pensa, entre todas as mortes por armas de fogo, apenas 5% são o resultado de latrocínio (roubo seguido de morte). A maioria destes homicídios é cometida por desentendimentos banais que desencadeiam agressões no trânsito, boates, bares, torcidas de futebol ou mesmo em casa. Qualquer um pode perder a cabeça e, com uma arma ao alcance da mão, se transformar em um assassino.

Números do Instituto de Segurança Pública (ISP) do Rio de Janeiro, por exemplo, mostram que foram registrados de janeiro a maio deste ano 1.015 casos de homicídio culposo nas ruas do estado. Houve ainda, no mesmo período, 16.534 casos de lesão corporal. Os números impressionam e não se referem apenas a acidentes entre veículos, mas também ao resultado de agressões entre motoristas, muitas vezes armados. Em São Paulo, o Centro de Operações da Polícia Militar (Copom), o 190, registra 20 brigas por dia entre motoristas de trânsito. É dessa maneira violenta que eles reagem à fechadas, colisões, buzinadas, palavrões e gestos ofensivos.

Segundo o presidente da Associação Brasileira de Motoristas (ABM), Antônio Carlos da Costa, a experiência mostra que, na maioria das vezes, esses poucos segundos de fúria, causados pelo estresse ao volante, podem levar o motorista a se tornar um criminoso. “O motorista das grandes cidades do país se sente acuado, amedrontado, assim que ele se posiciona em frente ao volante. Por causa disso, muitas vezes, motivos banais ganham uma proporção absurda e terminam aumentando as estatísticas da violência no país” analisa.

Pesquisa realizada pelo Instituto Gallup em 23 países, há seis anos (o Brasil não foi incluído) aponta que 66% dos americanos e 48% dos europeus já se envolveram em incidentes relacionados à direção agressiva. De acordo com um levantamento da Associação Brasileira de Monitoramento e Controle Eletrônico de Trânsito (Abramcet), divulgado em recente reportagem da Veja, os engarrafamentos são a fonte número 1 de irritação para 61% dos 1.500 motoristas de oito capitais brasileiras. A mesma reportagem cita um estudo recente do psicólogo americano Jerry Deffenbacher, da Universidade do Colorado, segundo o qual, quem está irritado se envolve duas vezes mais em situações de risco e comete até quatro vezes mais agressões ao volante de um carro.

No entanto, nada justifica a violência gratuita, e ela se reflete em uma rápida pesquisa no Google.

Em fevereiro, Jefferson Leite, 23, foi assassinado no Paraná após uma leve batida em um carro. Em abril, Edson Luiz Lopo, 41, foi baleado em Campo Grande (MS) após ter encostado seu Monza em um Gol ao estacionar o veículo. No mesmo mês, também no Paraná, Marcio José Marçal levou dois tiros na perna e Lucília Santos Marçal foi atingida nas nádegas após intervirem em uma briga de trânsito. Em junho, em Curitiba, um motorista de caminhão e sua família envolveram-se em um confronto contra um motorista exaltado armado com uma caneta (e se fosse uma pistola?). Em agosto, dois motoristas perderam a cabeça na Mooca e protagonizaram uma cena que por pouco não terminou em tragédia. No último dia 8, também em Curitiba, Adilson dos Santos, 28, levou dois tiros após discutir com um homem que estava em um Gol. O autor dos disparos fugiu, mas voltou minutos depois e deu mais dois tiros na cabeça vítima.

Casos como estes são apenas a ponta do iceberg. Diariamente pessoas são agredidas no trânsito mundo afora. Casos como a covarde agressão de três homens contra um casal (a mulher grávida de sete meses), em 2007, a explosão de fúria de uma mulher em um engarrafamento mostram o ponto em que chegamos. A imensa maioria dos casos poderia ser evitada apenas com bom senso e respeito ao próximo.

5 comentários:

Adriana Godoy disse...

Barone, o que dizer? Os fatos não deixam margem a muito questionamentos. A verdade é que estamos realmente numa selva povoada por animais loucos e furiosos e não creio que a situação vá melhorar tão cedo. A humanidade está podre e em plena decadência. A impotência e a descrença paralisam os que são mais civilizados ou sensíveis. Por mais que essas coisas aconteçam, me sinto cada vez mais chocada. bj

TATIANA SÁ disse...

É mesmo uma barbaridade!!
Por mais que a gente, de vez em quando, se irrite com umas "antas" que não sabem estacionar, não conseguem acelerar, ou param no meio da rua pra conversar... nada justifica a violência que se estendete gratuitamente ao outro.

Que a fatalidade que ocorreu ontem em C.Grande, sirva de calmanete para as centenas de "esquentadinhos" que andam pelas ruas.

Nelson (Pô, meu!) disse...

Caro Barone,

Esse quadro só será revertido com penas mais pesadas, extinção de benesses aos apenados e justiça mais rápida. Ou seja, enquanto houver impunidade, os números só incharão e a irresponsabilidade continuará.

Abraços e sucesso,
Nelson

Barone disse...

O que mais me irrita - além do desperdício de uma vida ainda desabrochando - é o maniqueismo que impera. Agnaldo, o assassino, é o demônio,Aldemir, o tio, é o santo. Mentira. Este menino, Aldemir, tem tanta responsabilidade pela morte da criança quanto quem puxou o gatilho. Ele tem um histórico de abusos no trânsito, em especial em sua cidade, Jardim, além de ter espancado um senhor de 60 anos, desencadeando a tragédia.

TATIANA SÁ disse...

É claro que o tio de 22 anos também é culpado.
Afinal, ele estava responsavel por aquela camionete onde estavam duas crianças e um senhor. O jornalista responsável pelos disparos ficou absolutamente irritado pela ousadia do jovem condutor. Claro que isso não justifica o disparo dos tiros, a perseguição após a briga corporal, nem nada. Mas, a justiça tem que ser feita tbm com o Aldemir.