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sexta-feira, 30 de outubro de 2009

Israel usa água como arma de submissão

Em 1997, o então vice-diretor geral da UNESCO, Adnan Badran disse, no seminário "Águas transfronteiriças: fonte de paz e guerra", que a água substituiria o petróleo como principal fonte de conflitos no mundo, em especial no Oriente Médio. Este prognóstico foi reforçado pelo estudo divulgado em 2007 pelo Banco Mundial (Bird), segundo o qual a disponibilidade de água per capita no Oriente Médio vai cair pela metade até 2050.

Uma das faces mais dramáticas deste conflito pode ser vista nos territórios palestinos ocupados por Israel.

Hoje, Israel exerce controle sobre a bacia do rio Jordão (incluindo o alto Jordão e seus tributários), o mar da Galiléia, o rio Yarmuk e o baixo Jordão, além dos grandes sistemas de aqüíferos da região: o da Montanha (totalmente sob o solo da Cisjordânia, com uma pequena porção sob o Estado de Israel), o de Basin e o Costeiro, que se estende por quase toda faixa litorânea israelense até Gaza.

Nesta semana, um relatório da ONG Anistia Internacional acusou Israel de privar os palestinos do direito à água. Segundo a ONG, Israel usa 80% dos recursos, deixando aos palestinos apenas 20%. Mas, esta não é uma denúncia nova, vem se arrastando há anos sem que o mundo tome conhecimento.

Em setembro, a Assistência Humanitária das Nações Unidas para Territórios Palestinos, denunciou que 10 mil moradores estavam sem acesso à água encanada na Faixa de Gaza, enquanto 60% dos 1,5 milhão de habitantes da região teriam apenas acesso esporádico.

Em julho de 2008, a ONG israelense B'Tselem, que atua nos territórios ocupados palestinos, afirmou a existência uma grave falta de água na Cisjordânia, provocada por uma "política discriminatória de Israel".

"A escassez terá sérias conseqüências na economia e na saúde de dezenas de milhares de palestinos. A falta crônica de água é resultado em grande parte da política discriminatória de Israel na distribuição dos recursos hídricos conjuntos na Cisjordânia, e às reservas que impõe à Autoridade Palestina para cavar novos poços", sustentava o documento.

O relatório da Anistia estima que o consumo diário entre os israelenses seja de 300 litros de água, enquanto entre os palestinos é de apenas 70 - volume que cai para 20 litros entre palestinos residentes em áreas rurais.

O relatório da ONG diz que "os 450 mil colonos israelenses na Cisjordânia têm piscinas e irrigação intensiva em suas fazendas", com mais água do que os 2,3 milhões de palestinos, forçados a pagar mais pela água trazida em caminhões, de higiene duvidosa. A situação é pior em Gaza, mantida sob rígido bloqueio israelense.

Há uma injusta divisão da água, deixando muitas famílias (palestinas) com apenas duas horas de água por semana no verão. Ao lado você tem um assentamento com piscinas e estufas. O que você espera que estas pessoas pensem?”, questiona o Rabbi Arik Ascherman, do grupo israelense Rabbis for Human Rights, argumentando que este tipo de estratégia colabora para acirrar os ânimos dos palestinos contra os israelenses que ocupam suas terras.

Apesar das alegações israelenses de que a escassez é responsabilidade dos palestinos, que não reciclariam a água, seriam ineficientes na sua distribuição e não perfurariam poços já autorizados, a Anistia Internacional sustenta que "40 anos de ocupação e de restrições impediram o desenvolvimento de uma infraestrutura [de tratamento] de água nos territórios palestinos, negando a milhões de pessoas o direito a comida, saúde e desenvolvimento econômico".

Advogada ambientalista, coordenadora do programa Eco&Ação, presidente da ONG Ambiental Acqua Bios e da Academia Livre das Águas, Ana Echevenguá garante que Israel desenvolve uma estratégia agressiva sobre os recursos hídricos na região como parte de uma estratégia de domínio. No artigo “A água (que ninguém vê) na guerra”, ela sustenta que Israel não cumpre as leis internacionais relativas ao compartilhamento de águas transfronteiriças, recursos naturais que devem ser compartilhados, segundo a UNESCO, por pelo menos dois países.

Há regras internacionais para o uso dessas águas. Algumas destas obrigam Israel a fornecer água potável aos palestinos. Mas Israel não compartilha a água; afinal, tais regras internacionais não prevêem mecanismos de coação ou coerção; é letra morta. O Tribunal Internacional de Justiça, até hoje, condenou apenas um caso relacionado com águas internacionais”, afirma.

Em seu artigo, Echevenguá cita um trecho do livro “Novas e Velhas Ordens Mundiais”, de Noam Chomsky, no qual o então ministro da agricultura de Israel é entrevistado pelo jornal Jerusalém Post (em 1990), expondo de forma clara a estratégia israelense para o tema: “é difícil conceber qualquer solução política consistente com a sobrevivência de Israel que não envolva o completo e contínuo controle israelense da água e do sistema de esgotos, e da infra-estrutura associada, incluindo a distribuição, a rede de estradas, essencial para sua operação, manutenção e acessibilidade", disse o ministro.

Em 1993, o Acordo de Paz de Oslo estipulou que os palestinos deveriam ter mais controle e acesso à água da região. Um levantamento feito na ocasião pelo professor Haim Gvirtzman, da Hebrew University, concluiu que dos 600 milhões de metros cúbicos de água retirados anualmente de fontes na Cisjordânia, cerca de 500 milhões eram usados pelos israelenses, o que teria gerado um “direito adquirido sobre a água”.

Questionado sobre o acesso palestino à água, o professor respondeu: "Israel deve somente se preocupar com um padrão mínimo de vida palestino, nada mais, o que significa suprimento de água para que eles supram as necessidades urbanas. Isso chega a cerca de cinqüenta/cem milhões de metros cúbicos por ano. Israel é capaz de suportar essa perda. Portanto, não deveríamos permitir que os palestinos desenvolvessem qualquer atividade agrícola, porque tal desenvolvimento virá em prejuízo de Israel. Certamente, nunca permitiremos aos palestinos suprir as necessidades hídricas da Faixa de Gaza por meio do aqüífero montanhoso. Se purificar a água do mar é uma solução realista, então deixemos que o façam para as necessidades dos residentes da Faixa de Gaza".

Sim, a água é questão vital na disputa política entre as forças de ocupação israelenses e os palestinos. Um exemplo de como esta relação conflituosa pode ultrapassar os limites da razão é a vila de Beit Ula, na Cisjordânia, cujas nove cisternas - construídas com dinheiro da União Européia e dos moradores locais, palestinos - foram destruídas pelo Exército israelense, sob a alegação de que a vila estava em "área militar restrita".

Os israelenses bombardeiam tanques de água, grandes ou pequenos (muitas vezes construídos nos telhados das casas), confiscam as bombas de água, destroem poços, proíbem a exploração de novos poços e novas fontes (a Cisjordânia, em 2003, contava com cerca de 250 fontes ilegais e a Faixa de Gaza, com mais de 2 mil). Israel irriga 50% das terras cultivadas, mas a agricultura na Palestina exige prévia autorização.

Antes de devolver (simbolicamente) a Faixa de Gaza, Israel destruiu os recursos hídricos da região. Até hoje, os sistemas não foram re-implantados. Achim Steiner, subsecretário-geral da Organização das Nações Unidas e diretor-executivo do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud), que visitou Gaza no primeiro semestre, afirmou que a situação já era séria antes da última ofensiva israelense (entre dezembro de 2008 e janeiro de 2009), devido à inadequada infra-estrutura e à falta de reparos nas unidades de tratamento de esgoto e água. “Agora é muito pior”, garante.

O embargo de Israel bloqueou o fornecimento de material de construção necessário para reparar a devastada infra-estrutura de Gaza e de combustível suficiente para fazer funcionar as unidades de tratamento de água e resíduos. “Os dejetos perigosos e hospitalares não recebem tratamento. Esgoto, também sem tratar, foi bombeado ao mar e atingiu as camadas subterrâneas e o fornecimento de água potável, criando uma ameaça sanitária”, disse Steiner. O exército israelense tem mais de 600 postos de controle e barreiras rodoviárias em toda a Cisjordânia, o que prejudica o tráfego de caminhões-tanque que transportam esgoto das aldeias e dos povoados. Por isso, “os palestinos não têm acesso suficiente aos lixões ou capacidade para tratar o lixo adequadamente”, acrescentou.

Depósito de lixo

Outra estratégia macabra de Israel para impossibilitar o desenvolvimento da sociedade civil palestina é transformar os territórios ocupados em lixeiras a céu aberto. A destruição da infra-estrutura básica de distribuição de água potável e de saneamento na Faixa de Gaza faz com que entre 50 e 80 milhões de litros de esgoto sejam despejados diariamente no mar.

Em maio, o jornalista Mel Frykberg publicou um artigo arrepiante mostrando como esta estratégia de destruição da auto-estima e de empastelamento das condições básicas de higiene ocorre na prática.

Segundo ele, empresas israelenses usam as terras palestinas como depósitos de lixo a apenas US$ 30 a tonelada, muito mais barato do que utilizar lixões israelenses. Empresas israelenses que fabricam produtos potencialmente perigosos se instalam em territórios palestinos para evitar as rígidas leis que controlam as operações em Israel. Em Hebron, foram descobertos recentemente 500 barris de inseticida de procedência israelense.

Além disso, os moradores dos assentamentos judeus ilegais na Cisjordânia costumam jogar seu lixo e esgoto em rios e outras fontes de água. Segundo o Instituto de Pesquisa Aplicada de Jerusalém “o esgoto dos assentamentos não se restringe aos afluentes domestico, mas incluem pesticidas, asbesto, baterias, cimento e alumínio, que contêm compostos cancerígenos e perigosos”.

3 comentários:

farinha do mesmo saco disse...

Ninguem escreve no seu post, vou eu e coloco uns tracinhos para dar a impressão de que nem tudo esta abandonado, e nem isso vc publica. Então fica sem nada mesmo.

Barone disse...

Meu velho... achei que seus tracinhos fossem alguma falha de comunicação. Obrigado pela presença.

Política, Nós e o Brasil disse...

MEU NOME É ORISVAL. GOSTEI MUITO DE SEU ARTIGO, BARONE. VOCÊ ESTÁ BEM INFORMADO SOBRE O QUE VAI PELO ORIENTE MÉDIO, PELO VISTO. VOU COLOCÁ-LO COMO UM BLOG QUE SIGO NO MEU BLOG PENSAVIDALIVRE.BLOGSPOT.COM UM ABRAÇO.