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quarta-feira, 8 de julho de 2009

Vigiar e Punir - Michel Foucault

Terminei ontem Vigiar e Punir de Michel Foucault. Publicada em 1975, a obra alterou o modo de pensar e fazer política social no mundo ocidental por meio de um aprofundado exame dos mecanismos sociais e teóricos que desembocaram nas mudanças promovidas sobre os sistemas penais ocidentais durante a era moderna.

Foucault elabora, nas 280 páginas que compõem o livro, uma análise sobre os mecanismos de vigilância e punição adotados pelos vários níveis de poder, investiga os meandros do direito penal nos regimes absolutistas europeus, comparando-os com suas aplicação nos regimes democráticos que surgem a partir do século XVIII e, finalmente, fazendo uma análise sobre a maneira pela qual os delitos penais são assimilados.

O objetivo de Foucault é expor o exercício do poder sob a ótica do direito penal e compará-las. A primeira análise se refere aos regimes absolutistas, onde o poder, centralizado na figura do rei, se afirmava por meio de uma dinâmica de punição violenta, na qual o corpo era supliciado para afirmar e referendar este poder. A barbaridade da tortura, do espetáculo público do suplício, da afirmação da autoridade e do poder por meio da destruição do corpo como ente político é uma característica deste momento. O objetivo era punir o crime e dar aos demais um aviso claro sobre o que ocorreria caso o poder fosse questionado.

Esta estratégia, segundo Foucault, começa a ser questionada no século XVIII, quando juristas e filósofos repudiam sua desumanidade, ao mesmo tempo em que uma nova filosofia de punição começa a ser construída com base no seu abrandamento. Foucault se refere a este momento como o nascimento da “sociedade disciplinar” e considera que, a partir daí, o poder passa a se manifestar por meio do controle estrito do tempo e do indivíduo por meio da organização do espaço. É o “poder panóptico”, no qual o individuo é permanentemente controlado, vigiado, corrigido, prática que se estende para diversas instâncias sociais.

Em Vigiar e Punir, este momento é apresentado como uma mudança na prática do poder na qual a punição é substituída por uma vigilância e controle permanente e pela definição para cidadão do que é ou não é aceitável socialmente. Esta “orientação”, esta “correção” dos indivíduos se daria a partir de modelos que seguem o padrão do “panóptico” como a fábrica, a prisão, o hospital, a escola, instâncias sociais que se apossariam do indivíduo, adaptando-o às necessidades do sistema de produção.

Seqüestrando os indivíduos e subtraindo-lhes o tempo de suas vidas, o poder “panóptico” possibilita que à sociedade se aposse dos corpos de seus integrantes, reforçando o poder econômico e produzindo um conjunto de saberes (pedagogia, psicologia, psiquiatria – que definem, qualificam e classificam o indivíduo).

Portanto, em Foucault, o conhecimento se transforma em uma ferramenta para a legitimização de um poder construído a partir das práticas sociais. O conhecimento não seria uma referência, um objetivo, mas um mecanismo para auxiliar o homem em sua busca pelo poder, pelo domínio, um mecanismo essencial para a manutenção desta modalidade de poder.

Pode-se, então, traçar uma oposição entre o pensamento de Foucault - para quem as instâncias das práticas sociais, como, por exemplo, a religião, são as incubadoras de nossas noções de sujeito, de verdade, de conhecimento – e Marx, para quem o conhecimento é travado por estas mesmas instâncias. Entre estas práticas sociais, Foucault destaca – em Vigiar e Punir - o direito penal, mostrando, ainda, que a forma com que uma sociedade se posiciona diante de determinados temas é conseqüência direta do exercício de poder que incide sobre ela.

Vigiar e Punir não é um livro facilmente digerível. Sua leitura exige reflexões constantes, nos incita uma análise crítica sobre o mundo em que estamos inseridos, aponta pistas que nos fazem concluir que qualquer postura adotada por um indivíduo, no tecido social em que está imerso, pode ser o resultado direto de um conjunto de mecanismos de poder que opera em todos os âmbitos de nossa vida. E isso é assustador.

2 comentários:

Unknown disse...

Grande Foucault!Se você puder leia a excelente biografia de Foucault do Didier Eribon(acha-se fácil no site entrelivros).E você leu "Arqueologia do saber"?Como as disciplinas foram organizadas em torno da sociedade de controle-também fabuloso.
Grande abraço,Barone.

Dan Jung disse...

Há um marco, a meu ver, em Foucault quando ele percebe o direito do homem de não ser essencial a seu saber jurídico. Esse saber passa a ser fabricado (inventado)para postular uma emergência disciplinar que vai refletir na sociedade a legitimação do poder instituído.