Semana On

segunda-feira, 6 de julho de 2009

Novos rumos para o ensino do Jornalismo

"Estamos todos embarcados, queiramos ou não, numa era que revoluciona o pensamento e a própria vida", Joseph Pulitzer

A proposta de revisão das Diretrizes Curriculares Nacionais do curso de Jornalismo, que está sendo discutida por uma comissão de especialistas formada pela Secretaria de Educação Superior, deve ser entregue até agosto ao ministro da Educação, Fernando Haddad. As discussões apontam para algumas mudanças importantes como o aumento da carga horária das atuais 2.700 horas-aula para 3.200 horas-aula e a volta da permissão para a realização de estágio em redações, proibida desde a década de 70. Outras medidas sugeridas são a criação de mestrados profissionais em jornalismo - que permitiria a profissionais de outras áreas (com curso superior) obterem uma pós-graduação em Jornalismo - e um foco mais pesado em uma formação humanística. Finalmente, o curso poderá ser retirado dos departamentos de Comunicação, passando a ter diretrizes independentes e mais focadas na área.

Diante da recente decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), de tornar não obrigatório o diploma de Jornalismo para o exercício da profissão no Brasil, estas mudanças são muito importantes, são vitais. É preciso transformar o curso de Jornalismo em uma jornada que, de fato, prepare profissionais conscientes de seu papel social, da importância de sua profissão, gente dotada de um mínimo cabedal cultural e sociológico. Isso não ocorre hoje, salvo exceções.

Dados do Censo da Educação Superior de 2007 apontam que existem no país 546 cursos de jornalismo, oferecendo mais de 113 mil vagas. É uma enormidade.

O fim da exigência do diploma pode enxugar este mercado, condenando ao ostracismo as fábricas de diplomas e obrigando as boas escolas de Jornalismo a oferecerem um ensino de alta qualidade. É o que aponta o professor e jornalista Manuel Dutra: “O que se deve, a partir de agora, é dar maior qualidade aos cursos de jornalismo. Creio, mesmo, que muitas faculdades sem qualidade tenderão a desaparecer, o que será salutar para a formação mais apurada de tantos quantos desejam ingressar na profissão. Quanto melhor a formação superior, melhor será o jornalismo de que o Brasil precisa.”.

O chefe do Departamento de Jornalismo e Editoração da Escola de Comunicações e Artes (ECA) da USP, José Luiz Proença, concorda. Em entrevista ao Estadão, disse o seguinte: “Numa perspectiva otimista, eles (os cursos) devem até melhorar (a partir da decisão do STF)... A queda da obrigatoriedade é uma forma de cobrar qualidade dos cursos”.

O professor Eugênio Bucci (em brilhante artigo publicado no Observatório da Imprensa em maio) foi quem melhor apontou esta necessidade de redefinir as diretrizes do ensino do Jornalismo: “...a imprensa cumpre uma função indispensável à democracia – antes de atender a demandas de mercado. É para a democracia, portanto, que devemos perguntar o que ela espera do jornalismo. Nesse sentido, a formação dos jornalistas deve se organizar em torno do projeto de formar profissionais capazes de entender, criticar e exercer a fiscalização do poder, de modo independente, comprometida com a verdade dos fatos e com o livre trânsito das idéias e opiniões as mais diversas.”.

No entanto, as mudanças já delineadas pela comissão não resolvem, sozinhas, os desafios que se impõem à profissão na atualidade. É preciso mais, é necessário alterar profundamente a base curricular do curso. Apesar de não ter poder para mudar absolutamente nada – a comissão fará apenas a elaboração de um texto que sinalizará orientações gerais de formação – as sugestões poderão servir de base para a construção de ou remodelamento dos currículos. Caberá a cada curso moldar estas recomendações de modo a tornar eficaz este cabedal de conhecimentos que será oferecido aos milhares de jovens que optam pelo Jornalismo. Penso que três aspectos deveriam ser observados com muita atenção: o foco em uma formação mais humanística, nas novas tecnologias digitais e em noções de empreendedorismo.

Novas Tecnologias

Se for mantida a base do currículo atual, a reforma não servirá para nada porque a universidade continuará formando graduados que terão enormes dificuldades para conseguir emprego porque sua qualificação está aquém das exigências do mercado.

É necessário levar em conta todas as mudanças em curso na área da informação e da comunicação, especialmente o papel que a internet está jogando nesse campo. O jornalismo está cada vez mais condicionado pelas novas tecnologias digitais, que estão introduzindo novos comportamentos, rotinas e principalmente novos valores no exercício da comunicação.

O protagonismo inédito do público na produção e publicação de notícias, a autoria coletiva, a nuvem informativa e a mudança dos padrões de certificação de credibilidade são algumas das novas rotinas que estão gerando novos comportamentos, que por sua vez mexem com valores há muito arraigados na pratica do jornalismo.


A reflexão é do jornalista Carlos Castilho (em artigo publicado no Observatório da Imprensa, em dezembro passado) e reforça a necessidade de preparar os jornalistas para o embate proveniente destas novas tecnologias. Não estamos falando do abstrato, mas do real, de algo que já está acontecendo diante de nossos olhos, agora, enquanto eu digito este artigo, enquanto você o lê.

A recente reflexão do experiente jornalista e professor Eric Alterman sobre este tema é fundamental para compreendermos o quão importante será uma formação humanística e tecnológica para a profissão. Alterman aponta a luta da imprensa para se moldar de acordo com novas tecnologias e oportunidades de produção e consumo de informação, a resistência dos jornalistas a estas mudanças, a sua aparente impotência diante de uma era onde a notícia e a reação do leitor a ela parece tão fragmentada e caótica.

Jornais eram devotados à reportagem objetiva. Agora, o jornalismo se dará através de comunidades, cada uma dedicada a seu próprio tipo de ‘notícia’ – cada uma com suas próprias ‘verdades’ nas quais baseiam seu debate, sua conversa. Ao perder o jornalismo objetivo, perdemos uma narrativa comum com a qual concordamos, um grupo de ‘fatos’ nos quais nos baseamos para a compreensão política. O noticiário ficará cada vez mais ‘democrata’ ou ‘republicano’.”, diz Alterman.

Para o jornalista Pedro Doria, não se pode adotar uma visão maniqueísta sobre o assunto, não se pode dizer que este novo paradigma e sua relação com o leitor seja pior ou melhor do que havia antes, e vice-versa. “Se estamos perdendo objetividade, a contrapartida é que ganhamos em participação política. Há mais gente participando do diálogo. Há mais gente disposta a questionar e fazer seu ponto de vista ser ouvido. Há democracia em ebulição. E, quando há mais gente, o tom se eleva uns tantos decibéis. Deixou de haver uma narrativa comum, majoritária.”.

As conseqüências da criação destes novos paradigmas, por meio destas novas tecnologias, podem não desaguar não substituição do papel tradicional do Jornalismo, mas vão criar um espaço importante na produção, distribuição e consumo de informação. Um curso de Jornalismo que não leve em conta esta realidade estará pecando na formação dos profissionais que pretende lançar ao mercado de trabalho. O professor e blogueiro Idelber Avelar destacou esta situação em recente entrevista ao blog Escrevinhamentos. “Este modelo de Jornalismo, onde a notícia é impressa às oito da noite para ser lida, na melhor das hipóteses, às oito da manhã do dia seguinte vai morrer. Vai acabar porque não tem o menor sentido você pagar para ler o que você já leu de graça no dia anterior, na internet. Acho que a produção de informação está se pulverizando um pouco, democratizou-se bastante o acesso à produção e circulação de informação. Isso está impactando na forma como os grandes grupos de mídia lidam com a informação.”.

Em suas sugestões à comissão, Eugênio Bucci elencou sete eixos de conteúdo para os cursos de Jornalismo, entre eles o denominado “Linguagens”, onde inclui “as linguagens audiovisuais e as técnicas da era digital, que o estudante deve conhecer, compreender e dominar na prática.”. Para Bucci, “Já não há sentido na divisão esquemática, hoje ainda em voga nas faculdades, que põe de um lado a disciplina de ‘jornalismo impresso’ e, de outro, o ‘jornalismo online’”, e vai além: “Ainda nesse mesmo eixo deveriam comparecer a estatística e a matemática elementar.”.

A necessidade de adequação do currículo do Jornalismo não é algo que permeia apenas a profissão no Brasil. Este debate está ocorrendo, hoje, em todo o mundo, em níveis variados. No dia 19 de junho, por exemplo, a Sciences Po École de journalisme (Paris) sediou uma conferência sobre o futuro do ensino do Jornalismo reunindo educadores e profissionais de vários países (leia a excelente reportagem de Soraya Kishtwari no editors.weblog.com).

Na oportunidade, Nicholas Lemann, reitor da Columbia University Graduate School of Journalism, reconheceu o potencial da web: “A internet é o grande acontecimento de todos os tempos nas escolas de Jornalismo”, afirmou. Apesar de haver um acordo geral sobre o peso da internet como parte vital das ferramentas do Jornalismo moderno, alguns acadêmicos expressaram preocupação quanto ao seu uso no dia a dia dos profissionais de imprensa. Andrés Azócar, diretor de Jornalismo do Diego Portales University (Chile) considera que “quanto mais os estudantes ficam dependentes do Google, tornam-se menos capazes de coletar informações por si mesmos”.

Outros questionam a qualidade da informação disponível na rede, como Doreen Weisenhaus, titular do Journalism and Media Studies Centre, da University of Hong Kong, para quem o Google criou uma falsa sensação de segurança, que imprime sobre os estudantes a idéia equivocada de que tudo pode ser encontrado na internet. Peter Herford, diretor do International Media Institute e professor de Jornalismo da Shantou University, deu o seguinte depoimento: "Quando eu lecionava em Columbia, um dos mais duros desafios era convencer os estudantes a vencerem os 200 metros que separavam a Escola de Jornalismo da biblioteca. Um dos desafios em nosso processo de pesquisa era ensinar aos estudantes sobre a existência de recursos que podem levar um grande tempo para serem pesquisados, mas que podem, por outro lado, ser muito mais ricos em conteúdo do que o que se encontra na internet”.

O jornalista Marcelo Soares, em recente artigo, também lembrou que esta necessidade está sendo debatida em muitas instituições de ensino. Ele cita a Medill School of Journalism, que está inaugurando laboratórios de experimentação reunindo estudantes de jornalismo e de computação.

Eles incluem um programa que cria matérias de esportes geradas pelo computador a partir de bancos de dados de resultados e lance-a-lance; um plug-in do Microsoft Word que permite aos repórteres uma pesquisa e checagem rápida de seus textos enquanto os escrevem, sem precisar ir a um buscador da internet; um aplicativo Web do iPhone que dá as notícias diárias em pedaços de 5, 10 e 20 minutos para leitores famintos por notícias e que têm pouco tempo para ler; e dois aplicativos baseados no Twitter.”, diz Marcelo, citando um release da instituição.

Mas Marcelo alerta para a complexidade do tema: “Eu acho que a questão não está nas ferramentas. Até porque a tecnologia muda muito rápido: ainda que as faculdades adaptassem seu currículo para o que é mais moderno hoje (o que não fazem), daqui a quatro anos, quando o aluno se formar, esse ensino vai estar obsoleto. Na minha opinião, o necessário é formar os jornalistas para saberem usar jornalisticamente o que aparece. Blog não é jornalismo, mas pode ser usado para publicar matérias jornalísticas. Twitter não é jornalismo, mas pode ser usado para o jornalismo. Podcast não é jornalismo, etc etc etc. Antes de mais nada, o sujeito tem que pensar em termos jornalísticos. A razão de ser do jornalismo é o conteúdo. Com esse foco, é mais fácil adaptar-se às potencialidades do suporte, seja ele qual for.”.

Jornalista e professor do curso de Comunicação Social do Centro Universitário Assunção (Unifai), de São Paulo, Alec Duarte pensa que saber utilizar a web e suas ferramentas não é fundamental apenas para um jornalista, mas para todas as pessoas: “É ali que a comunicação está mais estreita e direta. É impossível, hoje, para um jornalista passar ao largo disso. Seria muito anacronismo.”.

Ora, as análises destes profissionais apontam para duas questões primordiais: a importância destas ferramentas virtuais para a profissão e, principalmente, a necessidade de apresentar com profundidade aos estudantes de Jornalismo suas características, vantagens e armadilhas.

No artigo “De jornalistas e ascensoristas” – uma das melhores análises feitas recentemente sobre os novos desafios do Jornalismo e, também, sobre a questão do diploma específico para a área – Rafael Galvão alerta:

O que faz a indústria jornalística é, na verdade, centenas ou milhares de pessoas dizendo a mesma coisa como se fosse novidade. A diferença é que tudo indica que, cada vez mais, isso vai ser feito pela própria sociedade, dona de seus próprios meios de produção e distribuição da informação. Na ausência da grande indústria jornalística, a notícia procurará outros canais de distribuição. Podem ser blogs de jornalistas independentes. Podem ser sites de organizações não governamentais dedicadas a um ou outro assunto. Podem ser sites de jornalistas que, com estrutura reduzida, farão exatamente o mesmo papel que um grande jornal hoje faz.

O que eles não parecem perceber é que a palavra-chave dessa nova configuração de mundo não é a notícia. De certa forma, nunca foi — porque ao contrário do que alguns jornalistas parecem acreditar, a notícia e a sua propagação não dependem exclusivamente deles. O que realmente vai definir o futuro da informação são as redes sociais que a internet possibilitou. E se eu fosse jornalista, estaria mais preocupado em entendê-las e me localizar dentro delas do que em reclamar de uma decisão do Supremo que, afinal, não vai mudar muita coisa.
”.

Enquanto isso, no Brasil, o foco do debate na academia e no sindicato (salvo honrosas exceções) arrastou-se nos últimos anos por um tema modorrento e inócuo: a exigência do diploma.

Formação humanística

Joseph Pulitzer, idealizador da primeira faculdade de Jornalismo (a Escola de Jornalismo de Columbia), considerava imprescindíveis para a formação do jornalista o aprofundamento no estilo, no domínio do seu idioma e em línguas estrangeiras, na literatura, conhecimentos básicos de direito, ética, história, sociologia, economia e estatística. Ou seja, campos do conhecimento com forte teor humanístico.

Entre os sete eixos expostos por Bucci para a comissão do MEC, dois englobam o humanismo, fazendo eco ao que dizia Pulitzer cem anos atrás. Um destes eixos é denominado “Democracia e Liberdade”, onde “a partir de matérias vindas do Direito e da Ciência Política, o aluno conheceria os fundamentos da democracia, o funcionamento dos poderes e a administração pública. Direitos Humanos, cultura da paz, políticas públicas, transparência e terceiro setor ocupariam lugar de destaque no programa. Legislações de imprensa e História da Imprensa seriam estudadas também aqui.”.

O segundo eixo é chamado por Bucci “Humanidades”, e consistiria em “uma primeira síntese a partir do qual o estudante fosse capaz de mapear esse conhecimento e prosseguir seu aprendizado mais adiante. História, Geografia, Ciências Sociais, Filosofia (e a Ética), Psicologia e outras entrariam aqui.”.

No entanto, o professor toma o necessário cuidado ao ressaltar a importância de “sistematizar e modelar” estes conteúdos de modo a que eles se adequem às necessidades do Jornalismo.

O jornalista e blogeiro Rafael Motta vai pela mesma linha de raciocínio. Reconhece o papel importante de uma formação humanística, mas ressalta que ela deve ser focada nas características da profissão.

Diz ele: “De fato, o jornalista sai da faculdade sem especialização. Porém, se os cursos superiores forem melhorados, com a introdução de noções sobre Direito, Economia, Estatística, História (revisitada, não aquela que atribui a Cabral o ‘descobrimento’ do Brasil), Geopolítica e realidade regional (sabe-se do país, mas pouco se conhece da própria cidade), o profissional de Comunicação terá muitas áreas onde atuar com competência.”...

Marcelo Soares, por sua vez, faz as seguintes considerações:

O maior problema nisso é que não existe receita de bolo líquida e certa para formar um jornalista. E mesmo o conceito de formação humanística varia muito de acordo com o entendimento de cada um. Enquanto para mim formação humanística pode significar uma boa bagagem de história, sociologia e economia, para outro pode significar conhecer a fundo a obra de Habermas e Baudrillard. Eu acho que o ensino do jornalismo ganharia muito se fosse focado no raciocínio jornalístico, no trabalho da informação, e facilitasse o acesso e orientação do aluno a disciplinas que lhe dêem a bagagem que vai lhe permitir cumprir seu trabalho com mais profundidade. Não apenas humanística: a disciplina mais importante que fiz na faculdade foi uma de estatística. Que todo mundo odiava, porque entrou na faculdade fugindo da matemática, mas me salvou a pele uma pá de vezes.

Hoje, muitas faculdades querem ver o mercado pelas costas. Necessariamente, quem vê o outro pelas costas está atrás dele. Por ser o lugar privilegiado para pensar o jornalismo, por dispor de profissionais pagos para pensar e experimentar, as faculdades estão perdendo uma chance de ouro, nesta época de mudanças, pra trazer uma lufada de ar fresco ao jornalismo brasileiro. Elas ainda estão muito focadas em formar funcionários para empresas jornalísticas e assessorias de imprensa (que, pra mim, é trabalho de relações públicas), quando a Internet traz um potencial fabuloso para quem quer empreender. Um empresário não precisa mais comprar uma rotativa para fazer um serviço jornalístico. É um contra-senso maluco, esse: ao mesmo tempo em que estimulam a crítica radical à imprensa tradicional, as faculdades estão focadas em formar mão-de-obra pra ela. Seriam revolucionárias se abrissem os olhos para formar uma geração de jornalistas que terá o potencial de fazer uma concorrência qualificada à imprensa tradicional.
"

Alec Duarte reforça o conceito: “O background humanístico é fundamental, mas é impossível começar uma iniciação com 18, 19, 20 anos. Quem chegou à faculdade sem esse estofo anterior, dificilmente vai recuperar o tempo perdido. Por isso que eu acredito que a profissão ficará reservada a quem já deu passo decisivo antes, à parte do ensino de primeiro e segundo graus, mas pessoalmente, como formação pessoal.”.

É uma leitura similar a que faz o jornalista e professor Rogério Christofoletti:

...os egressos dos cursos de Jornalismo precisam ter acesso a disciplinas e conteúdos que lhes permitam ler cenários, compreender realidades, analisar circunstâncias. Estudantes de Jornalismo precisam ter aulas de Sociologia, mas não sairão sociólogos formados. Sairão jornalistas que precisam saber buscar informações, apurar, relatar com precisão e correção. Sairão jornalistas que devem inquirir sociólogos, antropólogos ou outras fontes de informação com rigor, atenção e foco.

Por isso, insisto, a defesa de conteúdos mais humanísticos nos cursos de Jornalismo é uma falsa questão. Não é o que a comissão busca. Os cursos já têm disciplinas dessa natureza, e nossos problemas de formação têm sido mais graves na capacidade dos jovens profissionais atuarem bem na especificidade da profissão.


Eu discordo de Christofoletti. O conteúdo humanístico nos cursos de Jornalismo é deficiente, inadequado, rasteiro. É preciso aprofundá-lo para que, desta forma, jornalistas possam, de fato, “inquirir sociólogos, antropólogos ou outras fontes de informação com rigor, atenção e foco”. Como Bucci, penso que “a formação dos jornalistas deve se organizar em torno do projeto de formar profissionais capazes de entender, criticar e exercer a fiscalização do poder, de modo independente, comprometida com a verdade dos fatos e com o livre trânsito das idéias e opiniões as mais diversas.”.

Claudia Jawsnicker, no artigo “O desafio da formação do jornalista problematizador e mediador do debate público” chama atenção para esta necessidade de formar jornalistas capazes de fazer uma leitura mais aprofundada do mundo: “A escola de jornalismo tem que assumir, principalmente, o compromisso da formação de um profissional que vá além do lead e do simples relato e seja capaz de contextualizar os fatos, estabelecendo vínculos entre o passado e o presente, não apenas documentando as realidades a sua volta, mas, sobretudo, debatendo-as.”.

E vai além: “A primeira questão, a da formação de um jornalista ‘problematizador’, engloba o incentivo à leitura diária de jornais e à formação de uma ‘cultura histórica’, de maneira que o estudante possa entender os assuntos em pauta na atualidade. Para isso, como lembra o colunista político da Folha de São Paulo, Jânio de Freitas (apud Travancas 1992), o futuro jornalista deve ter uma formação humanística tão boa quanto possível, pois ela fornece instrumentos para que, após a leitura dos fatos, ele perceba o seu significado histórico e consiga interpretar a realidade sócio-econômico e cultural na qual se insere.”.

Mohammed Elhajji, aponta as mesmas encruzilhadas: “Qualquer um que exerceu ou exerce o jornalismo sabe muito bem que os aspectos técnicos da profissão são, paradoxalmente, os mais fáceis de aprender; enquanto que a pertinência e a originalidade do olhar e do ponto de vista, a perspicácia da análise e da argumentação são muito mais difíceis de construir e adquirir”.

Como formar jornalistas preparados para estes desafios sem que eles se aprofundem em História, Geografia, Ciências Sociais, Filosofia, Ética, Psicologia, entre outras? O resultado da superficialidade destes conhecimentos – que hoje permeia os cursos de Jornalismo no Brasil – é uma das principais causas de termos um mar de jornalistas que mal sabem como o mundo caminhou para a contemporaneidade. Estendendo este raciocínio, é possível afirmar que a ausência de um conteúdo aprofundado em Literatura é, também, o motivo pelo qual tantos jornalistas mal sabem formatar um texto coeso. Como navegar por águas rasas nestes conhecimentos se pretendemos formar profissionais capacitados para traduzir a realidade e transformá-la em informação? Não deve ser objetivo de um curso de Jornalismo formar sociólogos ou historiadores, mas eles (os jornalistas) devem, ao menos, concluir o curso sabendo de onde vieram e para onda vão enquanto seres humanos. E isso, só um conteúdo humanístico pode suscitar.

Empreendedorismo

Diferentemente de Joseph Pulitzer, que era contrário à idéia de que os estudantes de Jornalismo fossem submetidos a ensinamentos relacionados à administração e gestão de negócios, há quem aponte estes conhecimentos como vitais para a construção de um curso de Jornalismo que adeque o profissional ao que o mercado lhe apresenta. Este mercado, alimentado pela revolução tecnológica propiciada pela internet, oferece um sem número de oportunidades para os jornalistas que dominam as suas ferramentas e tenham, também, noções de empreendedorismo.

Eugênio Bucci não esqueceu este viés em suas sugestões à comissão do MEC. O sétimo eixo de sua proposta de conteúdo chama-se “Gestão e Negócio”. “Por fim, e aqui contrariando Pulitzer, penso que o jornalista precisa ter noções sobre governança, planejamento e liderança de equipe logo em sua primeira formação. Isso o ajudará, mais tarde, a empreender novas idéias.”.

No artigo “In Digital Age, Journalism Students Need Business, Entrepreneurial Skills”, Mark Glaser mostra que esta é uma preocupação que permeia as escolas de Jornalismo estadunidenses.

O caminho tradicional do Jornalismo está mudando. No passado, um estudante de Jornalismo almejava ser um repórter, arranjar um emprego em um pequeno jornal, eventualmente passar para um jornal mediano e, então, para um jornal de grande porte. Agora, o repórter pode criar seu próprio blog, um podcast ou vídeos digitais em uma operação solitária, manejando o aspecto editorial e as tarefas ligadas ao gerenciamento do negócio simultaneamente.”, afirma, citando alguns exemplos de jornalistas que trocaram o mainstream por seus próprios empreendimentos: “Rafat Ali, no PaidContent, Om Malik no GigaOm, Debra Galant no BaristaNet, Josh Marshall no TPM Media, Henry Abbott no TrueHoop (agora parte da ESPN), entre outros. Mas as escolas de Jornalismo ainda estão lentas no que se refere ao ensino de técnicas de empreendedorismo e gerenciamento de negócios que seus alunos irão precisar”.

Jeff Jarvis, diretor de jornalismo interativo da City University of New Yourk´s Graduate School of Journalism – que mantém uma disciplina chamada jornalismo empreendedor – considera vital que os jornalistas compreendam como funciona o gerenciamento de uma empresa de comunicação. “Quando eu comecei neste ramo, nos diziam para não nos metermos com os negócios, e de fato nós não precisávamos fazer isso enquanto empregados dos monopólios. Mas, hoje, precisamos dar aos jornalistas um conhecimento dos negócios, para que eles possam tomar boas decisões com jornalistas e empresários. Assim, poderão trabalhar independentemente.”.

Esta não é uma visão nova. A Graduate School of Journalism da University of Califórnia, em Berkeley, manteve a disciplina Journalism and Business Models Online entre 1999 e 2002, quando a crise nos modelos online fez com que muitos alunos perdessem o interesse pela matéria. Em 2007 a disciplina voltou ao currículo. Marcia Parker é uma das profissionais envolvidas no projeto. Segundo ela, a retomada da disciplina foi uma exigência dos alunos.

Habilidades de empreendedorismo são essenciais para todos os jornalistas hoje em dia. Nosso ramo está se tornando mais empreendedor a cada dia. Não acho que as escolas de Jornalismo estejam fazendo o suficiente nesta área. Muitos dos nossos estudantes estão famintos por estes conhecimentos... Embora nem todos queiram iniciar um negócio próprio, eles precisam compreender estes mecanismos para levá-los até mesmo para as redações tradicionais, que estão em busca de novos produtos editoriais e serviços”, afirma.

O empreendedorismo também foi alvo de debate na conferência promovida na Sciences Po École de journalisme. A jornalista Soraya Kishtwari conta que na University of Missouri School of Journalism os estudantes estão sendo encorajados a construir seus próprios futuros a partir de uma imersão nas novas tecnologias e experiências de campo baseadas nelas. “Um dos nossos grupos de estudo está trabalhando junto a estudantes de engenharia no desenvolvimento de aplicativos para o iPhone”, disse Fritz Cropp, diretor de assuntos internacionais da instituição.

Para Eric Scherer, da AFP, o futuro do Jornalismo repousa sobre os jornalistas empreendedores e seus esforços em criar soluções jornalísticas que facilitem os processos de comunicação e promovam continuamente a revisão dos modelos de negócios em vigência.

O consenso no evento em Paris foi de que as novas tecnologias, em particular as que emergem da internet, estão modificando profundamente as dinâmicas do Jornalismo e a relação entre o público, os agentes de notícia e as notícias, propriamente ditas. As mídias sociais não são mais um fenômeno, são um suporte, e as escolas de Jornalismo tem uma grande oportunidade de possibilitar aos seus estudantes o entendimento sobre o valor destas ferramentas na construção de suas habilidades profissionais.”, relata Soraya.

Estas leituras, apesar de refletirem a realidade do Jornalismo estadunidense, europeu e asiático, podem ser usadas também para analisar as necessidades dos estudantes de Jornalismo no Brasil. Eles também estão prestes a serem lançados em um mercado de trabalho a cada dia mais saturado. Precisam desenvolver sua criatividade para aproveitarem ao máximo as oportunidades que as novas (e também as tradicionais) tecnologias de comunicação oferecem.

O empreendedor é uma pessoa criativa, caracterizada pela capacidade de estabelecer e alcançar objetivos. Ele deve se manter constantemente informado a fim de detectar novas oportunidades. À medida que continua se informando sobre novas oportunidades e tomando um conjunto de decisões moderadamente arriscadas, ele estará preenchendo um papel inovador”, diz Louis Jacques Filion no livro “O Empreendedorismo como Tema de Estudos Superiores”. Não precisamos, todos nós, jornalistas, de um pouco desta força motriz?

O jornalista e acadêmico português António Granado fez recentemente a mesma argüição ao concluir que o “jornalismo nas redações nos próximos anos vai ser cada vez mais trabalhar para a Internet e saber aproveitar as suas potencialidades...”. Questiona ele: “Estamos a ensinar aos nossos alunos as competências de empreendedorismo de que eles realmente vão precisar? ...que adaptações é necessário fazer ao currículo para que tenhamos tempo de dar conta destas transformações e ao mesmo tempo insistir nos princípios básicos do jornalismo sem os quais nada (de interessante ou útil) é possível?

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