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sexta-feira, 10 de julho de 2009

Coluna do Capssa - Atiq Rahimi e Fred Uhlman: duas “pequenas” narrativas, duas grandes obras-primas

A partir de hoje conto no Escrevinhamentos com a presença do amigo Luiz Carlos Capssa Lima, o Cacho. Apaixonado pela boa literatura e pela história dos povos do Oriente Médio, ele nos brindará, vez em quando, com resenhas, análises, comentários e reflexões sobre ambos os temas. Cacho é destas raras pessoas que degusta a literatura como a um bom vinho, saboreando as nuances, os aromas e delicadezas que a palavra escrita proporciona. Aproveitemos.

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Atiq Rahimi e Fred Uhlman: duas “pequenas” narrativas, duas grandes obras-primas

Na vida atribulada que levamos, tempos atuais, dispomos de pouco tempo para desfrutarmos dos pequenos prazeres que a mesma nos oferece. A leitura é um deles.

Quando falo de leitura, refiro-me a literatura na sua forma mais pura e não a simples leitura de jornais, revistas, etc. Falo do ato apaixonado de ler, da cumplicidade livro/leitor, da magia hipnótica que os livros nos tomam, inebriam e nos enternecem, quando submissos nos rendemos à sua paixão.

No Brasil, lemos pouco, seja por motivos culturais, sociais e/ou, principalmente, econômicos; os livros são caros em relação ao poder aquisitivo da maioria da população. Para termos uma idéia, os russos lêem, em média, vinte livros por ano, os brasileiros de um a dois; a cidade de Buenos Aires (Argentina) tem mais livrarias que todo o nosso país, com uma população cinco vezes menor.

Não sou literato, tampouco crítico literário, no entanto, não posso me abster de tecer comentários a respeito de duas preciosidades, pérolas que tive oportunidade de degustar nos últimos dias.

Trata-se de Terra e Cinzas (78 páginas, editora Estação Liberdade), de Atiq Rahimi, escritor afegão, radicado na França, e O Reencontro (87 páginas, editora Planet ), de Fred Uhlman, escritor alemão, de origem judaica, falecido em 1985. Duas “pequenas” narrativas, duas grandes obras-primas.

Em Terra e Cinzas, temos uma narrativa de rara beleza; um ancião (Dastaguir) num vale esquecido à beira de um rio ressecado, com seu neto ( Yassin ), que não ouve mais, aguardam uma carona para a mina onde trabalha Murad, filho de Dastaguir, pai de Yassin, com a incumbência de anunciar a ele que a família morreu num ato de guerra. A sabedoria e a piedade de Dastaguir o emudecem, não quer apunhalar o filho com a notícia. O autor nos brinda, não com um conto, mas, sim, com um verdadeiro poema. Com uma linguagem única, Atiq Rahimi - “A dor é assim, ela derrete ou escorre pelos olhos, ou ela se transforma em bomba dentro do peito, uma bomba que explode num belo dia e te faz explodir também...” - constrói uma obra- prima.

Em O Reencontro, Uhlman nos conta a história da terna amizade, intensa e inocente, entre dois jovens adolescentes no interior da Alemanha, em 1932. Hans Schwarz, judeu, e Konradin von Hohenfels, descendente da aristocracia alemã, dois jovens que o preconceito e a guerra separam. Anos mais tarde, exilado, uma revelação sobre seu amigo Konradin deixa Hans - e nós leitores - petrificado. A linguagem usada pelo autor é terna e cálida, traduzindo os sentimentos difusos de almas em formação. Ulhman vai mais longe, traça um paralelo entre a fragilidade afetiva dos dois amigos e a fragilidade da civilização, ambas atropeladas pela insanidade da história; e temos aí, mais uma obra-prima.

O ponto convergente entre as duas obras é a estupidez da guerra, que independente de seus protagonistas, destrói mais almas que vidas.

Luiz Carlos Capssa Lima (2003)

2 comentários:

BigHeart disse...

Peguei emprestado O reencontro na biblioteca em meu colegio, tinha a intenção de ter uma leitura rápida de uma boa história, me apaixonei pelo livro nas primeiras palavras e confesso que chorei do começo ao fim, ver toda a crueldade do holocausto pelos olhos de duas crianças foi algo emocionante, e com o final surpreendente, livro maravilhoso, se tornou um dos meus favoritos .

BigHeart disse...
Este comentário foi removido pelo autor.