Semana On

sexta-feira, 5 de junho de 2009

Obama e o nó no Oriente Médio

O discurso que o presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, fez ontem no Cairo, no qual se dirigiu ao mundo islâmico em um tom de aproximação e de união de esforços na busca por relações mais fraternas, causou reações diversas mundo afora. No Brasil, a maioria dos articulistas que se debruçam sobre o Oriente Médio, considerou o pronunciamento positivo, dentro do possível.

Obama foi Obama e ocupou o centro, criando uma nova dinâmica política. Mas onde estão os outros Obamas capazes de superarem os ‘ciclos da suspeita e da discórdia’? O líder supremo do Irã, o aiatolá Khamenei, criticou o discurso antes mesmo que fosse feito. Está duro convocar mais gente para o meio de campo: o expansionista Netanyahu, os negacionistas do Hamas e Hezbollah, autocratas octogenários como o egípcio Mubarak e o rei saudita Abdullah ou mais jovens como o sírio Assad”, disse Caio Blinder argumentando que é preciso mais que palavras para solucionar o conflito na região.

Pedro Doria destacou a força da mensagem junto aos jovens muçulmanos: “É via Internet, com discursos gravados em áudio e em vídeo, que a al-Qaeda seduz mentes. É neste mercado que Obama decidiu entrar. Sua aposta é de que conseguirá plantar uma dúvida na mente de incontáveis jovens muçulmanos de 13, 16 ou 19 anos. Ele só precisa disso: plantar a dúvida”, afirmou.

Embora tenha se comprometido em “falar a verdade da melhor forma possível” o presidente deixou muita coisa fora do seu pronunciamento, como lembrou Gustavo Chacra, que sentiu falta de temas mais áridos: “Talvez Obama tenha deixado a desejar quando discutiu a importância da democracia. O presidente não teve coragem de bater de frente com as ditaduras travestidas de repúblicas ou de monarquias no Oriente Médio. Por que não falar que Hosni Mubarak deve deixar de reprimir a oposição no Egito e respeitar a Justiça? Ou que o rei Abdullah, da Arábia Saudita, deveria pelo menos permitir que as mulheres dirijam? Se israelenses e palestinos recebem recados diretos, os governos árabes também deveriam ser advertidos”. Ele também lembrou da omissão do presidente estadunidense sobre a Síria, a perseguição dos curdos na Turquia e dos Bahá’í no Irã.

Todos estes articulistas fizeram leituras corretas e apuradas sobre a fala de Obama. Mas foi Marcos Guterman quem levantou uma lebre importante ao questionar o alvo da mensagem do presidente. “A questão, primeiro, é deixar claro que não existe um ‘mundo islâmico’, mas vários, com divergências profundas entre si, maiores até do que as hostilidades em relação ao Ocidente...”.

De fato, o cerne do discurso proferido ontem por Obama indica que há, realmente, algumas tênues mudanças na estratégia da política americana para o Oriente Médio. Ele foi sincero em suas palavras. No entanto, suas análises e pré-suposições dão pistas de que as falhas desta política estão longe de serem sanadas. Obama falou da tensão entre a “América e o Islam” – o primeiro, um lugar concreto e identificável, o último, um grupo de povos, costumes, histórias e países que possuem menos em comum do que supõe o ocidente.

Rotulando estes povos como Islam (mesmo tendo feito isso com respeito e admitindo erros do passado), Obama deixa de compreender o que, de fato, tem mobilizado as pessoas em muitos países majoritariamente islâmicos: a esmagadora oposição popular ao aumento da intervenção militar, política e econômica que os estadunidenses têm patrocinado em muitos destes países. Esta oposição – e a resistência gerada por ela – é o que os que apóiam estas intervenções têm definido como Islam.

É desapontador que Obama tenha mantido a mesma noção que seu antecessor, George W. Bush, segundo a qual o “extremismo violento” surge do nada, sem nenhuma ligação com a violência aplicada na região pelos Estados Únicos e seus aliados antes e depois de 11 de Setembro de 2001.

Obama falou sobre o “enorme trauma” infringido aos Estados Unidos, quando cerca de três mil pessoas foram mortas naquele dia, mas não disse uma palavra sobre as centenas de milhares de órfãos e viúvas deixadas no Iraque – gente lembrada à força, ainda que por alguns segundos, pelo sapato voador do jornalista Muntazer al-Zaidi, ano passado. Obama ignorou as dúzias de civis que morrem a cada semana na “guerra necessária” que ocorre no Afeganistão, ou os milhões de refugiados criados pela escalada da violência no Paquistão.

Palestina

A leitura que Obama faz da questão palestino-israelense também tem deixado muitas lacunas importantes. Ontem, o presidente dos Estados Unidos propiciou a audiência uma detalhada aula sobre o holocausto e usou explicitamente este fato histórico para justificar a criação de Israel. “É também inegável”, disse o presidente, “que o povo palestino – muçulmanos e cristãos – tem sofrido na busca por sua pátria. Por mais de 60 anos eles têm sofrido a dor do desalojamento”.

Sofrido em busca de sua pátria? A dor do desalojamento? Eles já possuem uma pátria. Eles sofreram por terem sido vítimas de uma limpeza étnica, seguida da proibição de voltarem para as suas terras. Por que isso é algo tão difícil de ser dito? Obama disse aos palestinos que a ‘resistência por meio da violência e das mortes é errada e não pode ser bem sucedida’. Ele alertou-os de que ‘não é sinal de coragem ou poder atirar foguetes contra crianças adormecidas, ou explodir idosos em ônibus. Não é desta forma que a autoridade moral de fortalece, é desta forma que ela se enfraquece’. É verdade, mas será que Obama realmente imagina que estas palavras irão impressionar um público árabe que assistiu horrorizado Israel massacrar – com o uso de armamento estadunidense - 1400 pessoas em Gaza, em janeiro passado, incluindo aí centenas crianças que dormiam, gritavam ou corriam apavoradas?”, questionou Ali Abunimah, um dos fundadores da revista eletrônica The Electronic Intifada em artigo publicado no The Guardian.

Ontem, no Cairo, Obama disse: “Os Estados Unidos não aceitam a legitimidade da continuação dos assentamentos israelenses. Estas construções violam os acordos anteriores e minam os esforços de paz. É hora de colocar um fim nestes assentamentos”. São palavras cuidadosamente escolhidas, mas focam apenas a ampliação dos assentamentos, não a sua existência propriamente dita. Trata-se de um posicionamento compatível com o consenso da “indústria do processo de paz”, segundo o qual os assentamentos existentes permanecerão onde estão para sempre. “Isso levanta a questão sobre para onde Obama pensa que está indo”, opinou Abunimah.

As intenções de Obama podem ser boas, mas há necessidade de mais ação que palavras para se encontrar uma saída para as questões que se interpõem a paz na região. A questão palestina pode ser a chave para descobrirmos se Obama tem, de fato, intenção de encontrar a saída para este túnel escuro. Se depender de suas palavras, apenas, há muito a questionar.

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