Semana On

quinta-feira, 4 de junho de 2009

O próspero e macabro sorriso chinês

Hoje faz 20 anos que o totalitarismo chinês assassinou cerca de 2600 jovens que protestavam por liberdades civis e pelo direito de expor livremente suas opiniões e sentimentos. Este sonho juvenil foi esmagado pela intolerância comandada por anacronismos humanos liderados por Deng Xiaoping. Hoje, a China continua um país repressor, onde os direitos civis e liberdades primordiais são negados aos seus cidadãos, embrutecidos por uma tênue visão de progresso econômico (nas cidades) e pela mão pesada do Estado (no campo).

Passadas duas décadas, a China é apontada como exemplo de desenvolvimento. Não é difícil nos depararmos com reportagens prontas a enaltecer o regime chinês e as benesses econômicas que ele propiciou para milhões de pessoas, retirando-as da linha de pobreza e inserindo-as em patamares sociais mais aceitáveis. Mas qual o preço deste avanço econômico?

Um dos jovens que liderou os protestos de 1989 – e que encabeçou a grave de fome que chamou a atenção do mundo para o movimento - Wuer Kaixi (que hoje vive em Taiwan) foi entrevistado pela revista eletrônica Guernica. Ele considera que o movimento ocorrido vinte anos atrás foi o pontapé inicial para a liberdade econômica que hoje permeia a sociedade chinesa, uma liberdade que, segundo ele, foi fruto de uma barganha feita pelo Governo Chinês junto à população do país.

Depois de 1989, o Partido Comunista Chinês decidiu fazer um acordo com o povo – de ter sua cooperação política em troca de liberdade econômica. E esse foi um péssimo negócio, pois estas liberdades, política e econômica, já eram um direito do povo. Mesmo assim o acordo funcionou. Os chineses toparam e o Partido Comunista se retirou da vida diária da população. Assim, não há mais um estado ideológico e esta é a única maneira de manter o povo chinês diante de alguma liberdade, ainda que seja apenas econômica”, afirmou Kaixi.

O que se esconde por detrás do “espetáculo chinês”, é uma face amedrontadora que muitas vezes nos recusamos a encarar.

Nos recusamos a questionar os motivos pelos quais dos 3.220 cidadãos chineses com um patrimônio pessoal de mais de US$ 13 milhões, 2.932 são filhos de funcionários de alto escalão do Partido Comunista. Não perguntamos por que de todas as posições-chave nos cinco ramos da economia chinesa - finanças, comércio exterior, grandes projetos imobiliários, grandes projetos de engenharia e ações -, de 85% a 90% estão nas mãos de filhos de membros importantes do PC. Nos calamos sobre os campos de trabalho forçado em que as pessoas desaparecem sem julgamento e sobre a tortura perpetrada pelo pessoal dos órgãos de segurança. Baixamos a cabeça e seguimos rumo ao brilho do ouro ignorando que o sistema político chinês é responsável por 30 milhões de mortes por fome durante o Grande Salto Adiante e por 750 mil a 1 milhão de assassinatos políticos durante a Revolução Cultural.

Para as potencias ocidentais, cada vez mais interdependentes do que a China lhe provê e consome, o melhor é fazer vista grossa para uma realidade funesta que nos mostra que cada novo elemento de reforma ou transição na sociedade chinesa faz com que os membros do partido enriquecem ainda mais, que nos aponta que a transformação de propriedade rural em urbana na China bem poderia ser classificada como "pilhagem sistemática" já que os membros regionais do partido investem pesadamente nas minas de carvão - pequenas e inseguras - que deveriam estar fechando, sem que se saiba ao menos como adquiriram sua participação nessas operações.

Falamos de ‘governo’ chinês sem nenhuma qualificação, quando mais de 95% dos ‘líderes’ são membros do partido, decisões fundamentais são tomadas por membros de comitês do partido e o pessoal da Comissão Militar Central é 100% igual ao da Comissão Militar Central do Partido Comunista. O governo chinês governa ou apenas aplica as decisões tomadas pelo partido? É correto aproximar o ‘governo’ chinês de outros, especialmente dos ocidentais, pelo simples uso da palavra ‘governo’, ou seria mais exato chamá-lo de ‘governo com características chinesas’ ou a ‘chefia da Máfia’?”, questionou o economista americano Carsten Holz, professor da Universidade de Ciência e Tecnologia de Hong Kong, em artigo publicado em 2007 no Far Eastern Economic Review (aqui em português).

Nos próximos anos a economia da China vai ultrapassar a dos EUA em termos de paridade de poder de compra. “Mas o Ocidente entende esse país e seus governantes? Em que ponto, e por que canais, a liderança do Partido Comunista, com sua visão diferente sobre direitos humanos e dos cidadãos, vai afetar nossas escolhas sobre organizações políticas e liberdades políticas no Ocidente, como já afetou a pesquisa e o ensino acadêmicos?”, volta a questionar Holz.

O fato é que, para as grandes potências ocidentais, a China é um totalitarismo aceitável, assim como o é a Arábia Saudita. Hipocrisia bem exemplificada durante as Olimpíadas de Pequim (2008), um show de aparências que, ainda assim, não conseguiu esconder a verdadeira face de uma nação que por detrás dos avanços econômicos esconde repressão e desigualdade.

A mesma China que sorriu para o mundo através das belas imagens do esporte mantém fábricas onde se trabalha 100 horas semanais por salários ínfimos, patrocina o crescimento econômico em troca de um “socialismo de mercado” com características fascistas (onde as liberdades individuais são apenas idéias vagas), insiste em censurar a imprensa e impõe a países vizinhos, como o Tibet, sua vontade através da baioneta.

1 comentário:

Luiz Felipe Vasques disse...

Alguém ai se lembra do rompimento das "ligações diplomáticas" com o PCC de um galantemente indignado Partido dos Trabalhadores? Pois é, companheiro, quem te viu, quem te vê...