Durante a eclosão da crise atômica iraniana, em 2007, o jornal O Estado de S.Paulo publicou um infográfico no qual pretendia dar aos seus leitores respostas para questões pertinentes ao tema. Uma destas respostas explicava o motivo pelo qual “a comunidade internacional tem uma posição diferente em relação a Israel”, que possui armamentos nucleares. Segundo o Estadão, isso ocorreria, pois “Israel não é membro do Tratado de Não-Proliferação Nuclear (TNP - que permite aos países signatários enriquecerem seu próprio combustível nuclear apenas para fins de geração de energia) e, portanto, não tem obrigação de obedecê-lo”.
A análise do Estadão continua argumentando que “O mesmo ocorre com a Índia e o Paquistão, que também desenvolveram armas nucleares”, e finaliza dizendo que “A Coréia do Norte deixou o tratado e anunciou que adquiriu capacidade de produzir armas nucleares no final do ano passado (2006)”.
Ao justificar o motivo pelo qual o Brasil, que também enriquece urânio (condição básica para o desenvolvimento armas nucleares), e, assim como o Irã, é signatário do TNP, receberia um tratamento diferente do oferecido aos iranianos, o Estadão diz que “o Brasil não é visto como uma ameaça e todos acreditam no propósito pacífico deste projeto”.
O infográfico diz também que os iranianos garantem estar enriquecendo o urânio para fins pacíficos, dentro do que apregoa o TNP, mas que, segundo as potências ocidentais, “não é possível confiar no Irã”.
Resumindo, Israel não é signatário do TNP, portanto não precisa seguir suas orientações e restrições. Ora, a Coréia do Norte também não é signatária do tratado, no que ela se difere de Israel? A leitura feita pelo jornalão paulista é a síntese do pensamento ocidental: nós somos confiáveis, eles não. Ora, a noção de quem somos “nós” e de quem são “eles” varia de acordo com as alianças. De fato, a confiabilidade depende exclusivamente de que lado do tabuleiro geopolítico cada nação se encontra.
Hoje, a Coréia do Norte anunciou ter realizado com sucesso um novo teste nuclear, provocando reações alarmadas dos Estados Unidos, Reino Unido, França, Rússia, Japão, China, Alemanha, Coréia do Sul e União Européia. Na onda dos protestos já surgiram ilações sobre uma possível relação entre o programa nuclear norte-coreano e o do Irã, dando – apesar das negações do presidente do Irã, Mamhoud Ahmadinejad - munição para que Israel volte a alimentar planos de um ataque “preventivo” contra os iranianos.
A proliferação de armas nucleares é preocupante. Em 2007, o Boletim de Cientistas Nucleares afirmava que “o fim do mundo pode estar próximo”. Segundo os especialistas, a humanidade está à beira de uma segunda era nuclear e terá que tomar rapidamente as decisões mais drásticas desde o lançamento das bombas de Hiroxima e Nagasaki. A organização também apontava os perigos de um terrorismo nuclear e a existência de um mercado negro de material físsil que poderia armar grupos radicais mundo afora.
Esta questão não é nova. Em novembro de 2001 – em plena onda de pavor gerada após o 11 de setembro - a revista Veja destacava uma reportagem intitulada “Ameaça nuclear do Islã” (aqui para assinantes), onde alertava para o perigo de o Paquistão, um dos poucos “aliados” muçulmanos dos Estados Unidos, servir de arsenal atômico para grupos fundamentalistas islâmicos que porventura viessem a tomar as rédeas do país.
No entanto, a questão é mais ampla, e não pode estar restrita a demonização deste ou daquele país baseando-se apenas nos temores do ocidente. O fato é que a questão nuclear envolve todos os países que mantém ogivas nucleares.
De acordo com o relatório “Global nuclear stockpiles, 1945-2006” (Estoques nucleares globais, 1945-2006), a distribuição das armas nucleares no mundo é atualmente a seguinte:
EUA – aproximadamente 10.000 ogivas, das quais mais de 5.000 operacionais
Rússia – aproximadamente 5.000 ogivas operacionais
França – cerca de 350 ogivas operacionais
Grã-Bretanha - cerca de 200 ogivas operacionais;
China – aproximadamente 200 ogivas operacionais;
Índia e Paquistão – cerca de 110 ogivas operacionais, considerados os dois arsenais;
Israel* – entre 150 e 190 ogivas operacionais;
Coréia do Norte – cerca de 10 ogivas operacionais.
* Outras fontes estimam que Israel possui entre 200 e 500 ogivas, além de um sofisticado sistema de lançamento. Para saber mais sobre o programa nuclear israelense, leia o artigo de John Steinbach, “Israeli Weapons of Mass Destruction, A Threat to Peace: Israel's Nuclear Arsenal”.
Limitar a questão ao medo do terrorismo e ampliá-la para o temor quanto ao destino que este ou aquele país pode dar ao seu arsenal nuclear devido ao seu posicionamento político é limitar a questão. O debate deve ser focado na eliminação total das ogivas nucleares, este sim um argumento de peso para proibir o desenvolvimento de armas nucleares por qualquer país. O presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, deu recentemente um passo nesta direção, ao menos no discurso.
A eliminação da ameaça nuclear não será possível enquanto prevalecer o discurso que divide os países quanto a sua confiabilidade, como defende Oliver Meier, representante internacional da Associação de Controle Armamentista, segundo quem não é possível juntar num mesmo grupo todos os países que possuem armas nucleares.
Uma primeira categoria incluiria a França, o Reino Unido e a China, nações reconhecidas pelo TNP e com as quais seria mais fácil negociar. Outro grupo incluiria Índia, Paquistão, Israel e Coreia do Norte, países não reconhecidos formalmente pelo mesmo tratado. Das potências nucleares oficiais, o Reino Unido e a China tendem a ser mais abertos ao desarmamento nuclear global, enquanto a França tem uma postura mais relutante. A coisa muda de figura quando se trata das potências nucleares não oficiais. “Nesse caso, trata-se de um assunto de segurança regional. Em se tratando de Israel, haverá naturalmente o problema do Oriente Médio, do Irã, e tudo vai depender dos progressos na região. A Índia e o Paquistão têm o problema da rivalidade entre si. E, no caso da Coreia do Norte, ninguém sabe que política eles estão seguindo no momento", afirma Meier.
No entanto, quem é confiável quando o assunto é a ameaça nuclear? Melhor, quem é mais confiável? Os Estados Unidos ou a Rússia? Israel ou o Irã? Paquistão ou a índia? A Coréia do Norte ou a China? A Inglaterra, a França ou a Alemanha?
Não há como apostar as fichas neste o aquele país, pois tudo se resume a quem tem nas mãos o poder de escrever a história. Aos derrotados caberá apenas as cinzas de um inverno nuclear. Devemos acreditar em um deles, ou brigar pela eliminação total das armas nucleares em médio e longo prazo?
A análise do Estadão continua argumentando que “O mesmo ocorre com a Índia e o Paquistão, que também desenvolveram armas nucleares”, e finaliza dizendo que “A Coréia do Norte deixou o tratado e anunciou que adquiriu capacidade de produzir armas nucleares no final do ano passado (2006)”.
Ao justificar o motivo pelo qual o Brasil, que também enriquece urânio (condição básica para o desenvolvimento armas nucleares), e, assim como o Irã, é signatário do TNP, receberia um tratamento diferente do oferecido aos iranianos, o Estadão diz que “o Brasil não é visto como uma ameaça e todos acreditam no propósito pacífico deste projeto”.
O infográfico diz também que os iranianos garantem estar enriquecendo o urânio para fins pacíficos, dentro do que apregoa o TNP, mas que, segundo as potências ocidentais, “não é possível confiar no Irã”.
Resumindo, Israel não é signatário do TNP, portanto não precisa seguir suas orientações e restrições. Ora, a Coréia do Norte também não é signatária do tratado, no que ela se difere de Israel? A leitura feita pelo jornalão paulista é a síntese do pensamento ocidental: nós somos confiáveis, eles não. Ora, a noção de quem somos “nós” e de quem são “eles” varia de acordo com as alianças. De fato, a confiabilidade depende exclusivamente de que lado do tabuleiro geopolítico cada nação se encontra.
Hoje, a Coréia do Norte anunciou ter realizado com sucesso um novo teste nuclear, provocando reações alarmadas dos Estados Unidos, Reino Unido, França, Rússia, Japão, China, Alemanha, Coréia do Sul e União Européia. Na onda dos protestos já surgiram ilações sobre uma possível relação entre o programa nuclear norte-coreano e o do Irã, dando – apesar das negações do presidente do Irã, Mamhoud Ahmadinejad - munição para que Israel volte a alimentar planos de um ataque “preventivo” contra os iranianos.
A proliferação de armas nucleares é preocupante. Em 2007, o Boletim de Cientistas Nucleares afirmava que “o fim do mundo pode estar próximo”. Segundo os especialistas, a humanidade está à beira de uma segunda era nuclear e terá que tomar rapidamente as decisões mais drásticas desde o lançamento das bombas de Hiroxima e Nagasaki. A organização também apontava os perigos de um terrorismo nuclear e a existência de um mercado negro de material físsil que poderia armar grupos radicais mundo afora.
Esta questão não é nova. Em novembro de 2001 – em plena onda de pavor gerada após o 11 de setembro - a revista Veja destacava uma reportagem intitulada “Ameaça nuclear do Islã” (aqui para assinantes), onde alertava para o perigo de o Paquistão, um dos poucos “aliados” muçulmanos dos Estados Unidos, servir de arsenal atômico para grupos fundamentalistas islâmicos que porventura viessem a tomar as rédeas do país.
No entanto, a questão é mais ampla, e não pode estar restrita a demonização deste ou daquele país baseando-se apenas nos temores do ocidente. O fato é que a questão nuclear envolve todos os países que mantém ogivas nucleares.
De acordo com o relatório “Global nuclear stockpiles, 1945-2006” (Estoques nucleares globais, 1945-2006), a distribuição das armas nucleares no mundo é atualmente a seguinte:
EUA – aproximadamente 10.000 ogivas, das quais mais de 5.000 operacionais
Rússia – aproximadamente 5.000 ogivas operacionais
França – cerca de 350 ogivas operacionais
Grã-Bretanha - cerca de 200 ogivas operacionais;
China – aproximadamente 200 ogivas operacionais;
Índia e Paquistão – cerca de 110 ogivas operacionais, considerados os dois arsenais;
Israel* – entre 150 e 190 ogivas operacionais;
Coréia do Norte – cerca de 10 ogivas operacionais.
* Outras fontes estimam que Israel possui entre 200 e 500 ogivas, além de um sofisticado sistema de lançamento. Para saber mais sobre o programa nuclear israelense, leia o artigo de John Steinbach, “Israeli Weapons of Mass Destruction, A Threat to Peace: Israel's Nuclear Arsenal”.
Limitar a questão ao medo do terrorismo e ampliá-la para o temor quanto ao destino que este ou aquele país pode dar ao seu arsenal nuclear devido ao seu posicionamento político é limitar a questão. O debate deve ser focado na eliminação total das ogivas nucleares, este sim um argumento de peso para proibir o desenvolvimento de armas nucleares por qualquer país. O presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, deu recentemente um passo nesta direção, ao menos no discurso.
A eliminação da ameaça nuclear não será possível enquanto prevalecer o discurso que divide os países quanto a sua confiabilidade, como defende Oliver Meier, representante internacional da Associação de Controle Armamentista, segundo quem não é possível juntar num mesmo grupo todos os países que possuem armas nucleares.
Uma primeira categoria incluiria a França, o Reino Unido e a China, nações reconhecidas pelo TNP e com as quais seria mais fácil negociar. Outro grupo incluiria Índia, Paquistão, Israel e Coreia do Norte, países não reconhecidos formalmente pelo mesmo tratado. Das potências nucleares oficiais, o Reino Unido e a China tendem a ser mais abertos ao desarmamento nuclear global, enquanto a França tem uma postura mais relutante. A coisa muda de figura quando se trata das potências nucleares não oficiais. “Nesse caso, trata-se de um assunto de segurança regional. Em se tratando de Israel, haverá naturalmente o problema do Oriente Médio, do Irã, e tudo vai depender dos progressos na região. A Índia e o Paquistão têm o problema da rivalidade entre si. E, no caso da Coreia do Norte, ninguém sabe que política eles estão seguindo no momento", afirma Meier.
No entanto, quem é confiável quando o assunto é a ameaça nuclear? Melhor, quem é mais confiável? Os Estados Unidos ou a Rússia? Israel ou o Irã? Paquistão ou a índia? A Coréia do Norte ou a China? A Inglaterra, a França ou a Alemanha?
Não há como apostar as fichas neste o aquele país, pois tudo se resume a quem tem nas mãos o poder de escrever a história. Aos derrotados caberá apenas as cinzas de um inverno nuclear. Devemos acreditar em um deles, ou brigar pela eliminação total das armas nucleares em médio e longo prazo?
3 comentários:
Monteiro Lobato acreditava que a paz mundial só seria atingível pela equiparidade de arsenais, por todos os países do mundo.
É. Faz sentido.
Mas é claro, o mundo que em que ele vivia não é mais exatamente o em que vivemos.
- Felipe
Difícil pensar nesse assunto. São tantos desdobramentos. Mas é um assunto que está aí a atormentar o planeta, oa grandes potências. Barone, sei lá oque penso...mas gostei. Beijo.
Caro Barone,obrigado pela visita ao meu blog.
Você deve pensar que sou um ingênuo,mas isso tudo me deixa numa tristeza imensa.Meu Deus,até quando os seres humanos vão se enganar?
E infelizmente,Obama parece não estar resistindo aos variados lobbys que circundam os centros de poder mundiais.Mas nunca pensei que ele seria uma panacéia para todos os horrores contemporâneos.
Parabéns mais uma vez por suas análises tão lúcidas e pertinentes.Abraço.
Enviar um comentário