A revista Veja desta semana trás em suas páginas amarelas uma entrevista com o intelectual Elie Wiesel (aqui, para assinantes). Laureado em 1986 com o Nobel da Paz por sua luta para manter viva a memória do holocausto judeu perpetrado pelos nazistas na Segunda Guerra Mundial, Wiesel é conhecido também por se omitir sistematicamente sobre a questão palestina.
Considerado em alguns círculos como um “grande humanista”, ele parece guardar sua compaixão apenas para os seus. Ícone do que Norman Finkelstein classificou como Indústria do Holocausto (em seu livro homônimo), o nobel da paz já foi classificado pelo pensador estadunidense Noam Chomsky como uma “terrível fraude”.
Certa vez Wiesel disse que “o oposto do ódio não é a violência, mas a indiferença”. No entanto, na entrevista cometida por André Petry a tônica foi exatamente a indiferença. Indiferença por parte do entrevistado, que mais uma vez usou dois pesos e duas medidas para tratar da questão que envolve israelenses e palestinos, indiferença por parte do jornalista, que se omitiu.
O mesmo Elie Wiesel para quem a Veja levantou uma bola atrás da outra em um jornalismo de quinta categoria, mantém-se em silêncio cômodo quando o assunto permeia a criação de um Estado Palestino, as políticas ilegais de expansão colonial sobre territórios palestinos ou as constantes violações de direitos humanos básicos nos territórios ocupados por Israel, como o de ir e vir.
O Wiesel que gostaríamos de ver entrevistado pela Veja é aquele que, apesar de condenar com veemência a indiferença que semeia a terra para os totalitarismos, mantém-se indiferente para com a questão palestina; o que, apesar de se regozijar ao ser apontado como “um dos primeiros oponentes ao apartheid” sul-africano, mantém-se em silêncio conveniente para com o apartheid promovido por Israel.
O que levou André Petry a eximir-se de perguntar a Wiesel os motivos pelos quais ele deplora o terrorismo sem, no entanto, posicionar-se sobre os atos terroristas perpetrados, por exemplo, pelo Irgun e pela Stern Gang? Sobre o massacre no vilarejo palestino de Deir Yassin, em 9 de abril de 1948? Sobre os milhares de civis mortos em Gaza e na Cisjordânia? Por qual motivo Petry deixou de questionar Eli Wiesel sobre sua mudez em relação a estes crimes?
Ao que podemos atribuir o silêncio de Wiesel – e a conivência de Petry – sobre sua recusa a tratar do genocídio promovido contra outros povos que não o judeu? Em 1982, por exemplo, uma conferência sobre o tema foi promovida em Israel, com Wiesel na presidência honorária. Seria mais um evento no qual o mais famoso sobrevivente do holocausto judeu exporia sua indignação, não fossem os grupos armênios que solicitaram um espaço para expor o seu próprio holocausto nas mãos dos turcos.
Assim Noam Chomsky narrou os acontecimentos: “O governo de Israel pressionou (Wiesel) para que ele não fortalecesse a história do genocídio armênio. Ele foi pressionado pelo governo a recuar (a não participar da conferência) e, sendo ele um comissário leal, recuou... pois o governo israelense havia deixado claro que não queria ver o genocídio armênio ganhando espaço.”.
Wiesel foi ainda mais longe, apelando para o famoso historiador do holocausto judeu, Yehuda Bauer, a quem pediu que boicotasse a conferência. “Isso deu uma indicação do modo como pessoas como Elie Wiesel estavam atuando em sua função de servir aos interesses de Israel... ao ponto de negar um holocausto”, explica Chomsky.
Por que não receber os armênios? Há dois motivos que se inter-relacionam: a necessidade de monopolizar a imagem do holocausto e a realidade geopolítica que colocava a Turquia (responsável pelo genocídio armênio) como um raro e necessário aliado muçulmano de Israel.
Wiesel defende que Auschwitz "representa um sério desafio teológico para o cristianismo”. A implicação desta afirmação é de que os cristãos criaram o holocausto judeu e devem se desculpar para com eles repetidamente, sem jamais criticar ou questioner Israel. Esta é a essência do pensamento de Wiesel: nós, judeus, podemos, um dia, perdoar o que vocês, cristãos, fizeram a nós (e somente a nós) durante o holocasto (de preferência soletrado com H maiúsculo), se vocês prometerem ignorar o que fizemos e continuamos fazendo com os palestinos em nossa missão sionista de construir um Estado puramente judeu.
Wiesel apoia o direito de retorno para os judeus, mas somente para eles. Um judeu brasileiro que possa rastrear seus ancestrais até suas origens judaicas tem o direito de retornar a Israel, obter dupla nacionalidade, financiamento governamental para construir sua casa em território expropriado de palestinos e dirigir em estradas privativas onde apenas judeus podem trafegar. Um palestino que pode rastrear a presença de seus ancestrais nestas mesmas terras por séculos, que possuem um título de propriedade – e até mesmo a chave – da casa de que foi expulso em 1948, não conta com o apoio de Wiesel para retornar ao lar. Por que não? Porque, como explica Wiesel, isso “é impensável; a face dos jovens palestinos é contorcida pelo ódio; seria suicídio para o Estado judeu”. Trata-se de uma posição de extrema hipocrisia, em especial para um ganhador do Prêmio Nobel da Paz.
É mais que provável que já não seja factível para todos os palestinos retornarem para as suas casas perdidas em 1948. Mas isso não pode servir de pretexto para que Wiesel mantenha um discurso mentiroso sobre as causas da diáspora palestina. Ele continua disseminando o mito insidioso, sustentado pelos sionistas, segundo o qual “incitados por seus líderes, 600 mil palestinos deixaram o país convencidos de que, uma vez que Israel fosse destruído, eles poderiam voltar para as suas casas”.
Wiesel sabe que os líderes árabes jamais disseram ao seu povo para partir, mentira apontada por muitos historiadores. Ele sabe que pelo menos 750 mil palestinos fugiram de suas terras em 1948, sendo que um terço deles não fugiu, de fato, mas foi expulso pelos grupos terroristas para quem Wiesel trabalhou como propagandista. O massacre de Deir Yassin foi um ato emblemático deste período de terror.
Mesmo quando Wiesel esteve em Jerusalém, hospedado no Hotel Rei David, não encarou seus fantasmas (o que ele pensou ao encostar a cabeça no travesseiro, no hotel explodido por seus amigos do Irgun, onde dezenas de ingleses e 15 judeus inocentes perderam a vida?). Quando foi ao mais importante memorial sobre o holocausto judeu, o Yad Vashem, regozijavasse por estar em uma Jerusalém judia? Ou era assombrado pelo fato de o museu ter sido construído sobre as terras árabes de Ein Karem? Ao caminhar através do tunnel de Yad Vashem para emergir sob a luz do sol e deparar-se com o assentamento judeu de Har Nof, não teria lembrado das casas do vilarejo de Deir Yassin? Ele lembrou-se dos rostos dos palestinos empilhados e queimados na pedreira localizada do outro lado do museu? E quando ele foi ao assentamento de Gilo, teria conversado com Moshe Ben Eitan, o homem que ordenou que uma mulher e uma criança árabes, feridas, fosem executadas para que não dissessem ao mundo o que os companheiros terroristas de Wiesel haviam feito ali?
Estas são algumas das perguntas que André Petry poderia ter feito a Elie Wiesel. Mas a Veja colaborou para a manutenção de um silêncio incompreensível vindo de um homem que escreveu uma trilogia (Against Silence) na qual, apaixonadamente, incentivou seus leitores a lutarem contra todas as formas de opressão.
Wiesel dedicou sua vida a escrever sobre a opressão contra o povo judeu, sobre o genocídio e a desumanidade promovida pelo homem contra outros homens. No entanto, sempre que argüido sobre a opressão e as desumanidades cometidas por Israel ele se absteve, descartando o debate. Parafraseando Daiel A. McGowan, diretor do grupo Deir Yassin Remembered, Elie Wiesel se tornou um símbolo da hipocrisia que envolve a questão israelense-palestina.
Considerado em alguns círculos como um “grande humanista”, ele parece guardar sua compaixão apenas para os seus. Ícone do que Norman Finkelstein classificou como Indústria do Holocausto (em seu livro homônimo), o nobel da paz já foi classificado pelo pensador estadunidense Noam Chomsky como uma “terrível fraude”.
Certa vez Wiesel disse que “o oposto do ódio não é a violência, mas a indiferença”. No entanto, na entrevista cometida por André Petry a tônica foi exatamente a indiferença. Indiferença por parte do entrevistado, que mais uma vez usou dois pesos e duas medidas para tratar da questão que envolve israelenses e palestinos, indiferença por parte do jornalista, que se omitiu.
O mesmo Elie Wiesel para quem a Veja levantou uma bola atrás da outra em um jornalismo de quinta categoria, mantém-se em silêncio cômodo quando o assunto permeia a criação de um Estado Palestino, as políticas ilegais de expansão colonial sobre territórios palestinos ou as constantes violações de direitos humanos básicos nos territórios ocupados por Israel, como o de ir e vir.
O Wiesel que gostaríamos de ver entrevistado pela Veja é aquele que, apesar de condenar com veemência a indiferença que semeia a terra para os totalitarismos, mantém-se indiferente para com a questão palestina; o que, apesar de se regozijar ao ser apontado como “um dos primeiros oponentes ao apartheid” sul-africano, mantém-se em silêncio conveniente para com o apartheid promovido por Israel.
O que levou André Petry a eximir-se de perguntar a Wiesel os motivos pelos quais ele deplora o terrorismo sem, no entanto, posicionar-se sobre os atos terroristas perpetrados, por exemplo, pelo Irgun e pela Stern Gang? Sobre o massacre no vilarejo palestino de Deir Yassin, em 9 de abril de 1948? Sobre os milhares de civis mortos em Gaza e na Cisjordânia? Por qual motivo Petry deixou de questionar Eli Wiesel sobre sua mudez em relação a estes crimes?
Ao que podemos atribuir o silêncio de Wiesel – e a conivência de Petry – sobre sua recusa a tratar do genocídio promovido contra outros povos que não o judeu? Em 1982, por exemplo, uma conferência sobre o tema foi promovida em Israel, com Wiesel na presidência honorária. Seria mais um evento no qual o mais famoso sobrevivente do holocausto judeu exporia sua indignação, não fossem os grupos armênios que solicitaram um espaço para expor o seu próprio holocausto nas mãos dos turcos.
Assim Noam Chomsky narrou os acontecimentos: “O governo de Israel pressionou (Wiesel) para que ele não fortalecesse a história do genocídio armênio. Ele foi pressionado pelo governo a recuar (a não participar da conferência) e, sendo ele um comissário leal, recuou... pois o governo israelense havia deixado claro que não queria ver o genocídio armênio ganhando espaço.”.
Wiesel foi ainda mais longe, apelando para o famoso historiador do holocausto judeu, Yehuda Bauer, a quem pediu que boicotasse a conferência. “Isso deu uma indicação do modo como pessoas como Elie Wiesel estavam atuando em sua função de servir aos interesses de Israel... ao ponto de negar um holocausto”, explica Chomsky.
Por que não receber os armênios? Há dois motivos que se inter-relacionam: a necessidade de monopolizar a imagem do holocausto e a realidade geopolítica que colocava a Turquia (responsável pelo genocídio armênio) como um raro e necessário aliado muçulmano de Israel.
Wiesel defende que Auschwitz "representa um sério desafio teológico para o cristianismo”. A implicação desta afirmação é de que os cristãos criaram o holocausto judeu e devem se desculpar para com eles repetidamente, sem jamais criticar ou questioner Israel. Esta é a essência do pensamento de Wiesel: nós, judeus, podemos, um dia, perdoar o que vocês, cristãos, fizeram a nós (e somente a nós) durante o holocasto (de preferência soletrado com H maiúsculo), se vocês prometerem ignorar o que fizemos e continuamos fazendo com os palestinos em nossa missão sionista de construir um Estado puramente judeu.
Wiesel apoia o direito de retorno para os judeus, mas somente para eles. Um judeu brasileiro que possa rastrear seus ancestrais até suas origens judaicas tem o direito de retornar a Israel, obter dupla nacionalidade, financiamento governamental para construir sua casa em território expropriado de palestinos e dirigir em estradas privativas onde apenas judeus podem trafegar. Um palestino que pode rastrear a presença de seus ancestrais nestas mesmas terras por séculos, que possuem um título de propriedade – e até mesmo a chave – da casa de que foi expulso em 1948, não conta com o apoio de Wiesel para retornar ao lar. Por que não? Porque, como explica Wiesel, isso “é impensável; a face dos jovens palestinos é contorcida pelo ódio; seria suicídio para o Estado judeu”. Trata-se de uma posição de extrema hipocrisia, em especial para um ganhador do Prêmio Nobel da Paz.
É mais que provável que já não seja factível para todos os palestinos retornarem para as suas casas perdidas em 1948. Mas isso não pode servir de pretexto para que Wiesel mantenha um discurso mentiroso sobre as causas da diáspora palestina. Ele continua disseminando o mito insidioso, sustentado pelos sionistas, segundo o qual “incitados por seus líderes, 600 mil palestinos deixaram o país convencidos de que, uma vez que Israel fosse destruído, eles poderiam voltar para as suas casas”.
Wiesel sabe que os líderes árabes jamais disseram ao seu povo para partir, mentira apontada por muitos historiadores. Ele sabe que pelo menos 750 mil palestinos fugiram de suas terras em 1948, sendo que um terço deles não fugiu, de fato, mas foi expulso pelos grupos terroristas para quem Wiesel trabalhou como propagandista. O massacre de Deir Yassin foi um ato emblemático deste período de terror.
Mesmo quando Wiesel esteve em Jerusalém, hospedado no Hotel Rei David, não encarou seus fantasmas (o que ele pensou ao encostar a cabeça no travesseiro, no hotel explodido por seus amigos do Irgun, onde dezenas de ingleses e 15 judeus inocentes perderam a vida?). Quando foi ao mais importante memorial sobre o holocausto judeu, o Yad Vashem, regozijavasse por estar em uma Jerusalém judia? Ou era assombrado pelo fato de o museu ter sido construído sobre as terras árabes de Ein Karem? Ao caminhar através do tunnel de Yad Vashem para emergir sob a luz do sol e deparar-se com o assentamento judeu de Har Nof, não teria lembrado das casas do vilarejo de Deir Yassin? Ele lembrou-se dos rostos dos palestinos empilhados e queimados na pedreira localizada do outro lado do museu? E quando ele foi ao assentamento de Gilo, teria conversado com Moshe Ben Eitan, o homem que ordenou que uma mulher e uma criança árabes, feridas, fosem executadas para que não dissessem ao mundo o que os companheiros terroristas de Wiesel haviam feito ali?
Estas são algumas das perguntas que André Petry poderia ter feito a Elie Wiesel. Mas a Veja colaborou para a manutenção de um silêncio incompreensível vindo de um homem que escreveu uma trilogia (Against Silence) na qual, apaixonadamente, incentivou seus leitores a lutarem contra todas as formas de opressão.
Wiesel dedicou sua vida a escrever sobre a opressão contra o povo judeu, sobre o genocídio e a desumanidade promovida pelo homem contra outros homens. No entanto, sempre que argüido sobre a opressão e as desumanidades cometidas por Israel ele se absteve, descartando o debate. Parafraseando Daiel A. McGowan, diretor do grupo Deir Yassin Remembered, Elie Wiesel se tornou um símbolo da hipocrisia que envolve a questão israelense-palestina.
7 comentários:
É realmente incrível a capacidade que certas pessoas tem para serem ainda bem vistas e mantidas em altos escalões, mesmo sendo tão obviamente hipócritas e vazias.
É Alice, infelizmente o discurso vazio e fácil é o que predomina.
Mais do mesmo: a História é escrita pelo lado vencedor.
Inovação: são tempos de Internet. São tempos de eventos durando zero minutos (quando não, segundos) para virarem notícia.
Se vão escrever a História ao seu modo, não será sem uma boa luta.
Barone, cada vez o admiro mais pela luta quase quixotesca pela libertação e dignidade de um povo. Isso que faz o jornalismo valer a pena. beijo.
Excelente tópico, Barone. Eu concordo completamente com seu ponto de vista. A hipocrisia é uma palavra forte, mas extremamente bem empregada nesse contexto.
Não sei porque, sabendo, mas este tópico se aplica inteiramente à questão da desterritorialização indígena em Mato Grosso do Sul. História de gente que vivia sem importunar ninguém, até que suas terras passaram a ser consideradas vitais para a extrativismo ervateiro, depois o gado bovino, agora soja e gado, no futuro, a cana. Acuados, desterrados, confinados. Qualquer semelhança, é isto mesmo. Por que não enxergamos a nossa palestina? Abraço, Adriana
Felipe: " a História é escrita pelo lado vencedor". É preciso quebrar este paradigma, desafiar o estabelecido.
Adriana, valeu. Suas visitas são sempre recheadas de incentivo.
Gui, volte mais. Sempre dou uma olhadinha no seu blog.
Adriana, não sei se a questão é tão parecida. Mas, o fato é que todos os povos, sem exceção, devem ser respeitados em sua cultura e direitos.
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