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quarta-feira, 15 de abril de 2009

A grande guerra pela civilização: a conquista do Oriente Médio - Robert Fisk

Terminei de ler no domingo o livro “A grande guerra pela civilização: a conquista do Oriente Médio” do jornalista inglês Robert Fisk, que por mais de 30 anos cobre os conflitos na região e conhece como ninguém os meandros culturais e religiosos das sociedades que a compõem. Suas 1.495 páginas formam um documento imprescindível para quem quer compreender os motivos pelos quais o Oriente Médio transformou-se em um caldeirão sempre pronto a transbordar, além da origem do rancor e da desconfiança que estes povos mantém para com o Ocidente.

Fisk surge como analista e testemunha implacável dos fatos e os tempera com indicações de como a história destes povos é recheada de falsidades e traições - em parte, traições infligidas pelos líderes destas nações sobre seu próprio povo, mas, principalmente, traições promovidas pela ganância e arrogância do Ocidente para com o Oriente Médio.

Desde o início do século passado, logo após a Primeira Grande Guerra, o Oriente Médio vem sendo tratado pelo Ocidente como um feudo. Nações foram criadas e destruídas, regimes foram instaurados e derrubados, ditadores foram aclamados e condenados seguindo os interesses das potências ocidentais. Ingleses, franceses e, agora, estadunidenses e seus prepostos têm sua parcela de culpa nesta política colonial que enfraqueceu a identidade dos povos árabes e persas e desaguou na situação de insegurança e violência que hoje se apresenta ao mundo. Nós, jornalistas, temos também nossa parcela de culpa. Somos, como diz Fisk, “cúmplices da selvageria” por aceitarmos de pronto as versões oficiais sobre o que ocorre na região.

O autor apresenta-se corajosamente como testemunha ocular das conseqüências desta longa política de domínio ocidental, cobrindo de perto a resistência afegã à ocupação soviética e o banho de sangue da guerra entre Irã e Iraque na década de 80, a guerra civil na Argélia e as invasões israelenses ao Líbano, nos anos 90, a Segunda Intifada palestina, em 2000 e as duas guerras travadas entre os Estados Unidos e o Iraque. Fisk também nos oferece uma análise aprofundada dos conflitos que, no passado, criaram o panorama político que hoje incendeia a região. Juntos, os relatos pessoais colhidos in loco e as análises históricas contidas na obra formam um panorama assustador do que ainda pode advir como resultado das omissões e dos erros cometidos no passado.

A postura de Fisk como jornalista se destaca em meio aos fatos minuciosamente descritos no livro, ao oferecer um pano de fundo aos relatos dos campos de batalha, de modo que a carnificina, a covardia e a intolerância – características compartilhadas por todos os conflitos armados - surgem revestidas de suas sementes históricas. Da mesma forma, seus relatos são realistas, isentos das figuras de linguagem próprias dos “jornalistas encaixados” que desde o acirramento dos conflitos no Oriente Médio seguem o roteiro das forças armadas e dos governos ocidentais. Em seus relatos, os protagonistas não são tachados de “terroristas”, o conflito entre israelenses e palestinos não é classificado como “milenar”, não existem “efeitos colaterais”, mas destruição física e mental em uma seqüência de horror que ajuda o leitor a se colocar no lugar de quem o sofre e entender que reações este horror pode provocar no futuro.

Ao ler os relatos de Fisk, não se pode dar as costas aos imensos custos humanos gerados pelas decisões tomadas nos gabinetes de governo e nos centros de comando militar, decisões que a grande mídia costuma reproduzir sem questionamentos.

É impossível olhar com normalidade para posições como a da Secretária de Estado do governo Bill Clinton, Madeleine Albright, para quem a morte de um milhão de crianças iraquianas como decorrência das sanções econômicas impostas ao país foi um preço justo a ser pago para punir Saddam Hussein pela invasão do Kuwait.

Da mesma forma é inconcebível imprimirmos qualquer tipo de justificativa para a morte de 17.500 pessoas - quase todos civis, a maioria mulheres e crianças - quando Israel invadiu o Líbano, em 1982; para a morte de 1.700 civis palestinos no massacre de Sabra-Chatila; para o massacre de 1996, em Qana, quando 106 refugiados libaneses civis, mais da metade dos quais crianças, foram assassinados em uma base da ONU; para o assassinato dos refugiados de Marwahin, que receberam ordens de Israel para sair de suas casas, em 2006, e foram assassinados na rua pela tripulação de um helicóptero israelense; ou para os mil mortos no mesmo bombardeio de 2006, na mesma invasão do Líbano, praticamente todos civis. É impossível justificar a morte de civis inocentes em Gaza ou na Cisjordânia sob a justificativa de que “o alvo eram os terroristas” do Hamas, do Hizbóllah ou de outro grupo qualquer.

Igualmente, é inconcebível justificar os pavorosos assassinatos de reféns no Iraque – muitos dos quais cruelmente filmados e divulgados pela internet; os milhares de assassinatos na guerra civil da Argélia; os muitos atentados contra civis cometidos em nome do islã; o assassínio de civis israelenses por franco-atiradores ou homens-bomba; as atrocidades do 11 de setembro que causou a morte de 3 mil inocentes. Não é possível aceitarmos qualquer tipo de justificativa para a barbárie.

No entanto, como aponta Robert Fisk, é possível – e necessário – compreendermos os motivos pelos quais esta verdadeira insanidade coletiva se abateu sobre estas nações. Estes motivos estão expostos página a página desta fabulosa obra de jornalismo investigativo, um relato ácido sobre como podemos transformar seres-humanos em nada em nome do poder e da cobiça.

2 comentários:

Adriana Godoy disse...

Robert Fisk desarma,põe o dedo na ferida e aponta a cura. Li alguns textos dele, comentários, análise de sua obra. Conheço pouco e, se possível, quero conhecer mais. Excelente artigo o seu. Parabéns.

Anónimo disse...

Victor,

Fisk continua essencial para entender o mundo. Como é bom poder ter esse cara trabalhando a seu favor, ou seja, publicando no teu jornal.

abs
ALEC DUARTE