Autora do recém lançado livro “Cruel and Usual Punishment”, Nonie Darwish publicou na semana passada, no The Wall Street Journal, o artigo “An Arab-Made Misery”. Festejado por alguns, o artigo lança sobre os árabes a responsabilidade exclusiva pelas injustiças e atrocidades aos quais os palestinos têm sido vítimas nos últimos 60 anos. O cerne do artigo de Darwish – que é fundadora da organização “Arabs for Israel” e autora do livro “Now they call me infidel” - pode ser resumido no seu último parágrafo: “É hora de os 22 países árabes abrirem suas fronteiras e absorverem os palestinos de Gaza que desejarem começar uma nova vida. É tempo de o mundo árabe realmente ajudar os palestinos, não usá-los”.
Nonie Darwish nasceu no Cairo (Egito) e, em 1950, estabeleceu-se com a famíla em Gaza (então ocupada pelo Egito). Seu pai o general Mustafa Hafez, comandou a inteligência do exército egípcio e fundou o grupo fedayeen, que combateu os israelenses na década de 50. Em julho de 1956, quando Nonie tinha oito anos de idade, seu pai foi assassinado por forças especiais do exército israelense. Em 1978, ela mudou-se com o marido para os Estados Unidos, onde converteu-se ao cristianismo por meio da fé evangélica.
Segundo Darwish, o drama palestino em Gaza decorre de “60 anos de uma política árabe no sentido de fortalecer o status de refugiados apátridas aos palestinos para usar seu sofrimento como arma contra Israel”. Ela cita o que classificou como uma “política de refugiados políticos” na qual países árabes estabeleceram leis “tornando impossível a integração dos refugiados palestinos da guerra de 1948 contra Israel”; “proibindo que os filhos dos palestinos nascidos em países árabes e que neles viveram a vida inteira obtenham a nacionalidade” deste país e estendendo esta proibição aos “cônjuges palestinos de cidadãos de outros países árabes”.
“Eles precisam permanecer ‘Palestinos’, mesmo que nunca tenham posto os pés na Cisjordânia ou em Gaza... Essa política, que força a identidade, condena os palestinos à miséria, eternizando os campos”, diz a escritora.
Resumindo a ópera: os palestinos são massa de manobra dos países árabes e de organizações fundamentalistas islâmicas em sua guerra secreta contra o Estado de Israel. A saída? Os palestinos devem ser “absorvidos” pelos países árabes para que Israel possa “absorver” a Faixa de Gaza.
A linha argumentativa de Darwish é recheada de todos os clichês que Israel e o Ocidente têm usado para desqualificar o que é simples e claro: que o povo palestino vem sendo privado de suas terras por Israel desde a fundação deste Estado e que Israel precisa cumprir as resoluções 181 e 242 da ONU.
Um destes argumentos mais que batidos é que a ocupação israelense exercida por meio de assentamentos ilegais, barreiras físicas e econômicas, controle sobre o direito de ir e vir além da presença militar são conseqüências exclusivas do “terrorismo”. Outro argumento que está sempre no bolso do paletó dos pró-sionistas é que a retirada militar dos israelenses da Faixa de Gaza, em 2005, teria sido uma chance desperdiçada pelos palestinos de construir sua soberania.
Ambas as leituras são superficiais e, em grande parte, falseadas.
A política de ocupação israelense, de estabelecimento de assentamentos ilegais, de controle do direito de ir e vir e de todos os âmbitos da vida civil dos palestinos não é causada pelo “terrorismo”. O “terrorismo”, isso sim, é usado como desculpa pelos israelenses para dar continuidade a apropriação indevida de terras palestinas e inviabilizar a construção de um Estado Palestino soberano. A retirada israelense de 2005 não levantou as barreiras de terra, ar e mar impostas sobre Gaza. Israel continuou exercendo seu poder através da corrupção que se espalhou pela estrutura falida da Autoridade Palestina, estimulando a divisão político-ideológica entre o Hamas e o Fatah, encurralando um vencido Yasser Arafat e regozijando-se da ausência de lideranças palestinas que pudessem, de fato, estabelecer um governo independente e factível.
Não, os países árabes não são sacrossantos e nem exemplos a serem seguidos. A maioria é composta por ditaduras personalistas ou monarquias ferozes. Sim, muitos deles usam os palestinos como arma contra Israel. No entanto, estes fatos nem de longe são as únicas ou primordiais causas do drama palestino.
Devemos perguntar, também, se a solução para a questão é que os palestinos abram mão de suas terras. Migrar para o Egito, para a Jordânia? Porque fariam isso? Os palestinos foram privados de sua nação na década de 40, estigmatizados, acuados, agredidos e, ao responderem a isso, taxados de “terroristas”. Para completar devem desistir de suas terras? O que virá a seguir? Expulsar os palestinos da Cisjordânia para que os israelenses possam “viver em paz”?
Seja na construção de um Estado Palestino vizinho a Israel ou no estabelecimento de um estado único que englobe árabes e israelenses sob a bandeira de Israel, o fato é que nenhuma solução pode vingar sem que os palestinos sejam vistos como povo e, como tal, respeitados.
Intolerância
Não é a primeira vez que Darwish desfia sua visão deturpada da realidade política na região. No artigo “The Gaza Conflict Rooted in Sharia” ela chega a dizer que em 2005 os palestinos haviam perdido a oportunidade de transformar Gaza em “outra Hong Kong; um brilhante centro comercial” ao optarem “pela Jihad islâmica”.
Jihad, radicais islâmicos, terroristas... Como é fácil reduzir tudo a isso.
Um dos principais pilares dos argumentos de Nonie Darwish em seus libelos pró-israelenses é a crítica ao islamismo. Ela acredita que se trata de uma religião retrógrada e autoritária que tenta impor ao mundo normas culturais milenares. Segundo ela, o Islã é “uma força sinistra que deve ser confrontada e contida”, e, ainda, que é difícil “entender como uma religião inteira e sua cultua acredita que Deus ordena o assassinato de infiéis”.
Leitura mais preconceituosa seria difícil de ser expressa. Quando o primeiro homem-bomba explodiu seu corpo no Líbano, durante a invasão israelense àquele país, na década de 80, deu-se início a uma descaracterização do islamismo que, vinte anos depois, seria radicalizada com os atentados de 11 de setembro. No entanto, a interpretação radical do islamismo não pode ser imputada a esta religião de forma generalista. De acordo com a esmagadora maioria dos especialistas, religiosos e fiéis, a verdadeira face do Islã é a de uma fé que estimula o entendimento e desencoraja o conflito (leia a interessante reportagem de Veja sobre o tema).
“A própria origem do termo Islã - ou ‘rendição’, em árabe - está ligada à palavra salam, que significa ‘paz’. O fundador do islamismo, o profeta Maomé, dedicou sua vida à tentativa de promover a paz em sua terra, a Arábia. Antes do Islã, as tribos árabes estavam presas num círculo vicioso de ataques, revides e vinganças. O próprio Maomé e seus primeiros seguidores escaparam de dezenas de tentativas de assassinato e de uma grande ofensiva para exterminá-los em Meca. O profeta teve de lutar, mas em nome da própria sobrevivência - quando acreditou estar a salvo, passou a dedicar-se exclusivamente à reconciliação das tribos, através de uma grande campanha ideológica de não-violência. Quando morreu, no ano de 632, a meta havia sido cumprida - e justamente em função de seus ensinamentos sobre paz e tolerância.”, afirma a reportagem citada acima.
Condenar o islamismo e seus seguidores pelos atos de radicais que fazem uma leitura equivocada de seus preceitos é o mesmo que condenar toda a igreja católica e os cristãos pelas barbaridades cometidas pelos cruzados, pela inquisição, pelas milícias maronitas cristãs do Líbano etc, etc.
Nonie Darwish nasceu no Cairo (Egito) e, em 1950, estabeleceu-se com a famíla em Gaza (então ocupada pelo Egito). Seu pai o general Mustafa Hafez, comandou a inteligência do exército egípcio e fundou o grupo fedayeen, que combateu os israelenses na década de 50. Em julho de 1956, quando Nonie tinha oito anos de idade, seu pai foi assassinado por forças especiais do exército israelense. Em 1978, ela mudou-se com o marido para os Estados Unidos, onde converteu-se ao cristianismo por meio da fé evangélica.
Segundo Darwish, o drama palestino em Gaza decorre de “60 anos de uma política árabe no sentido de fortalecer o status de refugiados apátridas aos palestinos para usar seu sofrimento como arma contra Israel”. Ela cita o que classificou como uma “política de refugiados políticos” na qual países árabes estabeleceram leis “tornando impossível a integração dos refugiados palestinos da guerra de 1948 contra Israel”; “proibindo que os filhos dos palestinos nascidos em países árabes e que neles viveram a vida inteira obtenham a nacionalidade” deste país e estendendo esta proibição aos “cônjuges palestinos de cidadãos de outros países árabes”.
“Eles precisam permanecer ‘Palestinos’, mesmo que nunca tenham posto os pés na Cisjordânia ou em Gaza... Essa política, que força a identidade, condena os palestinos à miséria, eternizando os campos”, diz a escritora.
Resumindo a ópera: os palestinos são massa de manobra dos países árabes e de organizações fundamentalistas islâmicas em sua guerra secreta contra o Estado de Israel. A saída? Os palestinos devem ser “absorvidos” pelos países árabes para que Israel possa “absorver” a Faixa de Gaza.
A linha argumentativa de Darwish é recheada de todos os clichês que Israel e o Ocidente têm usado para desqualificar o que é simples e claro: que o povo palestino vem sendo privado de suas terras por Israel desde a fundação deste Estado e que Israel precisa cumprir as resoluções 181 e 242 da ONU.
Um destes argumentos mais que batidos é que a ocupação israelense exercida por meio de assentamentos ilegais, barreiras físicas e econômicas, controle sobre o direito de ir e vir além da presença militar são conseqüências exclusivas do “terrorismo”. Outro argumento que está sempre no bolso do paletó dos pró-sionistas é que a retirada militar dos israelenses da Faixa de Gaza, em 2005, teria sido uma chance desperdiçada pelos palestinos de construir sua soberania.
Ambas as leituras são superficiais e, em grande parte, falseadas.
A política de ocupação israelense, de estabelecimento de assentamentos ilegais, de controle do direito de ir e vir e de todos os âmbitos da vida civil dos palestinos não é causada pelo “terrorismo”. O “terrorismo”, isso sim, é usado como desculpa pelos israelenses para dar continuidade a apropriação indevida de terras palestinas e inviabilizar a construção de um Estado Palestino soberano. A retirada israelense de 2005 não levantou as barreiras de terra, ar e mar impostas sobre Gaza. Israel continuou exercendo seu poder através da corrupção que se espalhou pela estrutura falida da Autoridade Palestina, estimulando a divisão político-ideológica entre o Hamas e o Fatah, encurralando um vencido Yasser Arafat e regozijando-se da ausência de lideranças palestinas que pudessem, de fato, estabelecer um governo independente e factível.
Não, os países árabes não são sacrossantos e nem exemplos a serem seguidos. A maioria é composta por ditaduras personalistas ou monarquias ferozes. Sim, muitos deles usam os palestinos como arma contra Israel. No entanto, estes fatos nem de longe são as únicas ou primordiais causas do drama palestino.
Devemos perguntar, também, se a solução para a questão é que os palestinos abram mão de suas terras. Migrar para o Egito, para a Jordânia? Porque fariam isso? Os palestinos foram privados de sua nação na década de 40, estigmatizados, acuados, agredidos e, ao responderem a isso, taxados de “terroristas”. Para completar devem desistir de suas terras? O que virá a seguir? Expulsar os palestinos da Cisjordânia para que os israelenses possam “viver em paz”?
Seja na construção de um Estado Palestino vizinho a Israel ou no estabelecimento de um estado único que englobe árabes e israelenses sob a bandeira de Israel, o fato é que nenhuma solução pode vingar sem que os palestinos sejam vistos como povo e, como tal, respeitados.
Intolerância
Não é a primeira vez que Darwish desfia sua visão deturpada da realidade política na região. No artigo “The Gaza Conflict Rooted in Sharia” ela chega a dizer que em 2005 os palestinos haviam perdido a oportunidade de transformar Gaza em “outra Hong Kong; um brilhante centro comercial” ao optarem “pela Jihad islâmica”.
Jihad, radicais islâmicos, terroristas... Como é fácil reduzir tudo a isso.
Um dos principais pilares dos argumentos de Nonie Darwish em seus libelos pró-israelenses é a crítica ao islamismo. Ela acredita que se trata de uma religião retrógrada e autoritária que tenta impor ao mundo normas culturais milenares. Segundo ela, o Islã é “uma força sinistra que deve ser confrontada e contida”, e, ainda, que é difícil “entender como uma religião inteira e sua cultua acredita que Deus ordena o assassinato de infiéis”.
Leitura mais preconceituosa seria difícil de ser expressa. Quando o primeiro homem-bomba explodiu seu corpo no Líbano, durante a invasão israelense àquele país, na década de 80, deu-se início a uma descaracterização do islamismo que, vinte anos depois, seria radicalizada com os atentados de 11 de setembro. No entanto, a interpretação radical do islamismo não pode ser imputada a esta religião de forma generalista. De acordo com a esmagadora maioria dos especialistas, religiosos e fiéis, a verdadeira face do Islã é a de uma fé que estimula o entendimento e desencoraja o conflito (leia a interessante reportagem de Veja sobre o tema).
“A própria origem do termo Islã - ou ‘rendição’, em árabe - está ligada à palavra salam, que significa ‘paz’. O fundador do islamismo, o profeta Maomé, dedicou sua vida à tentativa de promover a paz em sua terra, a Arábia. Antes do Islã, as tribos árabes estavam presas num círculo vicioso de ataques, revides e vinganças. O próprio Maomé e seus primeiros seguidores escaparam de dezenas de tentativas de assassinato e de uma grande ofensiva para exterminá-los em Meca. O profeta teve de lutar, mas em nome da própria sobrevivência - quando acreditou estar a salvo, passou a dedicar-se exclusivamente à reconciliação das tribos, através de uma grande campanha ideológica de não-violência. Quando morreu, no ano de 632, a meta havia sido cumprida - e justamente em função de seus ensinamentos sobre paz e tolerância.”, afirma a reportagem citada acima.
Condenar o islamismo e seus seguidores pelos atos de radicais que fazem uma leitura equivocada de seus preceitos é o mesmo que condenar toda a igreja católica e os cristãos pelas barbaridades cometidas pelos cruzados, pela inquisição, pelas milícias maronitas cristãs do Líbano etc, etc.
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